domingo, 27 de junho de 2010

VERSOS...

Bráulio Tavares glosando o mote:

O peido que a nêga deu
Quase não cabe no cú.

O Chuí estremeceu
O Oiapoque sentiu
No instante em que se ouviu
O peido que a nêga deu.
São Paulo toda fedeu
Cagou-se Nova Iguaçu
Choveu merda no Xingu
Por causa desse estampido
Que por ser tão desmedido
Quase não cabe no cú.

Uma negona bunduda
Dessas em forma de pêra
Me puxou pra sua esteira
Me dizendo estar tesuda.
Mandei-lhe pomba rombuda
Naquele rabo zulu!
Roncou o seu mucumbu
E sabe o que aconteceu?
O peido que a nêga deu
Quase não cabe no cú.


* * *

Sinval de Carvalho glosando o mote:

O peido que a negra deu
Quase não cabe no cú!

Eu digo o que aconteceu
Num dia de sexta-feira:
Foi um tiro de ronqueira
O peido que a negra deu!
A cidade estremeceu,
Abalou-se Caruaru!
Mexendo um tacho de angu,
Puxou a perna pra um lado,
O peido foi tão danado,
Quase não cabe no cu!

* * *

Glauco Mattoso glosando o mote:

Menino, diga pro cego
Que vá tirando a camisa
Mande benzer logo o lombo
Porque vou dar-lhe uma pisa.

Adultos exemplo dão:
De mim tiram sarro quando
Pela rua venho andando!
Preparam meu tropeção;
Espalham lixo no chão;
Me fazem pisar no prego;
Dão risada se escorrego…
E aconselham ao guri:
“Diga-lhe quem manda aqui,
Menino, diga pro cego!”

O moleque entende a dica:
Meu caminho segue e estuda;
Da turminha busca ajuda;
Na próxima, à espreita fica…
Quando passo, um me dá bica
Na canela, outro me pisa
No pé! Nisso, alguém avisa:
“Ceguinho, você merece!
Antes que a surra comece,
Que vá tirando a camisa!”

A bengala foi chutada
Bem longe do meu alcance!
Vendo que não tenho chance,
Obedeço a molecada:
Ajoelho na calçada!
Empurrado, no chão tombo,
Me sujo em cocô de pombo!
Cada azarado na sua:
Quem for cego e anda na rua
Mande benzer logo o lombo!

Um pivete se diverte
Mais que os outros: tem voz clara,
Põe o pé na minha cara,
Tripudiando! É solerte:
A fim de que se acoberte,
Da mão do grupo precisa!
Descalço, meu rosto alisa
Com a sola, e manda: “Agora
Ponha essa língua pra fora,
Porque vou dar-lhe uma pisa!”


* * *

Francisco Melo glosando o mote:

A chuva traz mais riqueza
Quando cai no nosso chão.

Quando a terra está molhada
O cheiro é bem diferente:
Fica o roceiro contente,
Canta alegre a passarada.
O verde cerca a estrada
Que só passa um caminhão,
Nas casas deste Sertão
Quase tem fim a pobreza.
A chuva traz a riqueza
Quando cai no nosso chão.

Os bichos comem capim
Uma refeição perfeita,
O fazendeiro se deita
E fica pensando assim:
Agora a seca tem fim ,
Ouvi ronco do trovão,
Vou cavar, plantar o grão,
Que depois vem para a mesa.
A chuva traz a riqueza
Quando cai no nosso chão.

* * *

José de Souza glosando o mote:

O caralho de vocês
É diferente do meu.

De liso, grosso e pedrez,
Há caralho muito estranho
Que difere de tamanho:
O caralho de vocês.
Há o que tira a honradez
Que a natureza lhe deu,
E, por exemplo, esse seu,
Sem domínio, sem controle,
Vive toda a vida mole:
É diferente do meu.

* * *

Moniz Barreto glosando o mote:

A mulata quando fode
Parece querer voar.

Se é das de buço, ou bigode,
E cor bem agarapada,
Mais se torna endiabrada
A mulata, quando fode.
À ponta da lança acode
Com ardideza sem par;
E, depois de se espetar
Toda nela, em doce fúria,
Como águia de luxúria,
Parece querer voar.

Abrasa, agita, sacode
O vivente pelos ares,
De Vênus nos crespos mares,
A mulata, quando fode.
Por baixo, ou por cima rode
Na porra, nesse rodar,
Mal que na base do altar
Sente bater-lhe os colhões,
Fazendo deles balões,
Parece querer voar.

Só a mulata um pagode
Completo of’rece ao caralho
É princesa de serralho
A mulata, quando fode.
Branca, ou negra, não a pode
No rebolado igualar;
Quando, ardente, a se esporrar
A mulata principia,
Nas asas da putaria
Parece querer voar.

* * *

Laélio Ferreira glosando o mote:

A rafameia se arrancha
Faz carnaval nos parrachos

Nouveau riche vai de lancha,
piranha vai, convidada…
Muito brilho. Enfumaçada,
A rafameia se arrancha!
No cenário de cangancha,
proliferam os rapa-tachos,
as bibas arrumam machos,
farto corre o doze-anos
e a súcia de carcamanos
faz carnaval nos parrachos…!

Político vai, e se escancha
no ouvido dos marqueteiros:
nos sussuros inzoneiros
a rafameia se arrancha
– “Fulano, será, deslancha?”
– um, pergunta entre os borrachos.
– “Depende dos cambalachos!
– responde um assessor de imprensa…
A cambada não dispensa:
Faz carnaval nos parrachos

* * *

Salomão Rovedo glosando o mote:

Foi-se a ilusão desta vida
A minha pica morreu!

Era a coisa mais querida
Que pode um homem ter
Perdi o que dava prazer
Foi-se a ilusão desta vida.
Quem malhava a cona ardida
Todo o vigor já perdeu
O músculo emurcheceu
E de cabeça arriada
Não levanta pra mais nada
A minha pica morreu!

* * *

Um folheto de Antonio Carlos de Oliveira Barreto

CANTO LÍRICO DE UM SERTANEJO

Sou do seio das caatingas
lá das bandas do sertão
carrego na veia a essência
dos acordes do azulão
do açum preto o sustenido
da cigarra o alarido
da coruja a solidão.

Sou o Pajé lá da floresta
o Xamã buscando a cura
de toda ferida aberta
da mais profunda loucura
sonho eterno de menino
eu sou o badalar do sino
e o doce da rapadura.

Bode deserto no pasto
apartado do rebanho
Asa Branca em retirada
cobra que não tem tamanho
o tatu-bola escondido
um lobisomem sofrido
assanhaço sem assanho.

Sou caipira itinerante
águas velozes do rio
bem-te-vi anunciando
que andorinha está no cio
o verão queimando a mata
um cachorro vira-lata
todas as noites de frio.

Galo da crista vermelha
no seu despertar da aurora
berro do garrote magro
que o verão então devora
canário longe do ninho
voando sempre sozinho
desde as lonjuras de outrora.

Urubu buscando a presa
papagaio falador
gavião beijando as nuvens
inocente beija-flor
sou preguiça descansando
nessa estrada passeando
sem inveja do condor.

Galope incansável sou
do meu cavalo alazão
gozando da liberdade
indiferente à razão
que vai tangendo a boiada
numa longa caminhada
nos capinzais do sertão.

Todo sol de primavera
com seus raios de esperança
colorindo a nostalgia
esturricando a lembrança
incendiando o amanhã
das aves de ‘arribaçã’
e do meu sonhar-criança.

Eu sou o arrebol primeiro
com a corneta da alegria
convocando a passarada
a mais uma sinfonia
sou também o entardecer
todo o escarlate-morrer
vestido de poesia.

Sou o amor dos inocentes
o vento abrindo janela
soprando nos meus ouvidos
que vai chegar Cinderela
promessas de uma princesa:
la belle de jour surpresa
que ainda espero por ela.

Sou a sanfona do “Lua”
pondo estrelas a dançar
espada de Virgulino
querendo sangue inventar
Conselheiro na idéia
coisas do arco da “véia”
tentando me alucinar.

Sou a imensidão do açude
suas águas cristalinas
lágrimas desatinadas
escorrendo nas colinas
todo o frio das invernadas
a solidão das manadas
as serpentes assassinas.

Picula, bumba-meu-boi
dança de roda ao luar
saci-pererê no mato
sou vaga-lume a piscar
cobra cega vendo tudo
sou caipira e não me iludo
colorindo meu sonhar.

Sonhar de pombo-correio
levando cartas de amor
atravessando caatingas
no seu singelo labor
fugindo lá das montanhas
realizando façanhas
com destino a Salvador.

Umbuzeiro solitário
contando estrelas no céu
mandacaru sem espinhos
a coivara em fogaréu
um tição de fogo aceso
e este mundo todo preso
debaixo do meu chapéu.

Sou o abôio dos vaqueiros
pelos ventos da alegria
nessa estrada empoeirada
seja noite, ou luz do dia
eu sou o berro da manadas
as estrelas prateadas
a viola e a cantoria.

O cantar de um menestrel
a flauta de Pan chorando
a gaita com seu lamento
a primavera chegando
o canto do bacurau
o Sítio do Pica-Pau
em meus sonhos habitando.

Sou o mistério luminoso
do pequeno vaga-lume
brincadeira de cometas
das rosas todo o perfume
sou a solidão das rochas
o fogo aceso das tochas
das noites todo o negrume.

As vestes das nuvens brancas
traduzindo calmaria
derretendo-se no solo
e arejando a escadaria
da igreja de Santa Bárbara
e das ruas de Passárgada
para me dar moradia.

Cavaleiro, anjo de luz
nesse abrir-fechar porteira
explorando meu sertão
com bravura e brincadeira
mas logo se alguém se atreve
lanço fogo, água e neve
saco da espada guerreira.

Eu sou menino-ancião
porta aberta pro mistério
magia de Salomão
matuto falando sério
um compulsivo do estudo
querendo saber de tudo
mas às vezes sem critério.

Rodas do carro-de-boi
nas estradas do sem fim
com seu gemido sem cura
acenando adeus pra mim
apagando da memória
a doce infância de glória
desse louco querubim.

Eu sou uma casinha branca
cercada pela alegria
encoberta de esperança
que o futuro já anuncia
o chegar da primavera
e também da Nova Era
na mais perfeita harmonia.

Sou o breu que banha a noite
de suspense e de mistério
segredos da madrugada
silêncio do monastério
alarido dos pardais
a dança dos bambuzais
no tablado do etéreo.

Meu avô tirando leite
na vaquinha holandesa
canarinho na cancela
com seu canto de surpresa
minha avó fazendo renda
minha mãe com sua prenda
colorindo a farta mesa.

Minhas irmãs no varal
meus irmãos lá no roçado
abraçados à enxada
e também puxando arado
semeando seu sustento
desprovidos de lamento
tendo a sorte do seu lado.

Do jacarandá eu sou
fortaleza e solidão
sonho que desaparece
na iminência da extinção
ante o corte do machado
e a ganância do mercado
dessa industrialização.

Eu sou o acre do limão
laranja que nunca acaba
o gosto do tamarindo
o mel da jabuticaba
o maracujá açu
a castanha do caju
e o gostinho da goiaba.

Do jasmim sou todo aroma
do canavial o mel
da gaiola o passarinho
o esperar Papai Noel
o pavão e sua beleza
o verde da Natureza
o Maestro e seu pincel.

Mas o tempo em disparada
não me espera lá na esquina
quando do meu sonho acordo
minha vida então declina
e noutra realidade
solitário na cidade
vou cumprindo minha sina.

O trem que me conduziu
diluiu-se na estação
não há passagem de volta
pra retornar ao sertão.
Sem asas para voar
sem sonhos para sonhar
vou seguindo essa missão.

E na selva de cimento
já não sou anjo de luz
junto aos animais falantes
eu vou carregando a cruz.
Sou mais um na multidão
perdido na contramão:
o destino me conduz.

Mas não me entrego porque
sertanejo é mais que forte
é raio rasgando o céu
muito mais que o vento-norte
semente de luz plantada
todo desafio da estrada
de quem nunca teme a morte

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