A SÍNDROME DOS DOSSIÊS
A campanha sucessória começou tensa, sob aparência civilizada. Os dois candidatos principais – José Serra (PSDB) e Dilma Roussef (PT) – trocavam cumprimentos amistosos e prometiam se ater a questões programáticas, sem resvalar para ataques pessoais.
Serra evitou críticas a Lula e chegou mesmo a elogiá-lo em público. Lula dizia que, fosse qual fosse o vencedor, não haveria perdas para o país, dada a qualidade dos candidatos. Nada, porém, soava verdadeiro. A tensão era perceptível; aguardava-se apenas, como nos filmes de faroeste, o momento de alguém sacar primeiro.
E eis que isso aconteceu: veio à tona, semana passada, notícia, publicada na Folha de S. Paulo, de que está em circulação um dossiê contra José Serra, envolvendo também sua filha Verônica e o secretário-executivo do PSDB, ex-ministro Eduardo Jorge.
Por enquanto, sabe-se pouco a respeito de seu conteúdo. Mas, pela reação de Serra, responsabilizando sua oponente pela elaboração daquele documento, deduz-se que não trata de amenidades e de que há pistas sobre sua origem.
A revista Veja da semana passada publica reportagem sobre os bastidores do PT, dando conta da contratação de um jornalista especializado em investigações desse tipo, que, por sua vez, teria contratado arapongas para investigar os próprios aliados. Essa informação abriu crise interna no comitê de campanha do PT e deu consistência às afirmações de Serra.
O PT reagiu indo à Justiça interpelá-lo, mas não o fez recuar de suas afirmações, muito pelo contrário. O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, classificou de “o cúmulo da inversão ética” a iniciativa de transformar a vítima em réu. E aí estamos.
O dossiê deve aparecer, até porque, segundo se informa, já estaria na posse de uma revista semanal e de um jornal. Que efeito prático tal estratégia provoca? É improvável que gere ganhos para quem o produziu, dada a rejeição que produz na mídia e na opinião pública. Prova disso é o efeito que ocasionou em 2006 o dossiê dos “aloprados”, termo aplicado pelo próprio Lula a assessores de sua campanha que, naquela ocasião, investiram contra o mesmo Serra, que disputava o governo de São Paulo.
O objetivo dos dossiês é constranger o acusado e pô-lo na defensiva. Para que isso ocorra, no entanto, é preciso que haja receptividade na mídia, que só lhe dará relevo se embasado em documentação efetiva. Mas, se a documentação fosse verdadeira, o caminho adequado seria não a denúncia anônima dos dossiês, mas o Ministério Público, que lhe daria consequência jurídica.
Quando se apela para a prática do dossiê, a intenção é outra, a da difamação pura e simples, que manche a honra do oponente e o ponha a explicar-se. Sabe-se que, por mais que se desminta uma calúnia, resta sempre a dúvida, que obriga o atingido a estar se explicando. Em política, a defesa é sempre um lugar adverso.
Hoje, com os diversos canais da internet, uma difamação é multiplicada em instantes e é impossível contê-la plenamente. Sempre restará alguém empenhado em perpetrá-la. O resultado não é bom para ninguém: nem para a campanha, nem para a democracia, nem para a liberdade de expressão.
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