segunda-feira, 28 de junho de 2010

Maximiniano Campos...


“O rei e o cangaceiro conversavam e bebiam. O rei retirou a coroa cheia de pedras de todas as cores e colocou-a em cima do tampo da mesa. O cangaceiro continuou com o seu chapéu no qual havia três signos de Salomão e uma estrela, fincados na aba.
– Já conversamos um bocado, mas seu nome... – Como é o seu nome? – perguntou o rei.
– Jesuíno Brilhante.
– Mas eu quero saber o seu nome verdadeiro.
– É Jesuíno Brilhante.
– Mas esse não foi o nome de um cangaceiro que já morreu há muito tempo?
– É, morreu. Mas o meu nome é Jesuíno Brilhante.
– Você quer brincar com o rei?
– Não, majestade. O meu nome é esse mesmo.
O rei passou a mão no rosto gordo, depois levou um copo de bebida até a boca e engoliu de uma vez só. Ouviram vozes que vinham da rua, formando uma grande algazarra.
– O povo está se distraindo. Mas, voltando ao assunto do seu nome, você não vai querer me dizer que é o fantasma do outro, de Jesuíno Brilhante.
– Não, não sou nenhum fantasma. Tenho esse nome porque meu pai era sertanejo e admirava muito a vida de Jesuino Brilhante, falava sempre nas façanhas dele. Por isso, chamo-me Jesuíno Brilhante da Silva.
– Ah! Você não tinha falado nesse da Silva...
– É, não tinha falado. Jesuíno, o outro, era Alencar.
Estavam bebendo em silêncio, quando viram entrar um astronauta no recinto. Parecia ser um velho conhecido do rei. Saudou-o e pediu licença para se sentar à mesa. O rei deu permissão, admirado, parecendo contente de vê-lo ali. O astronauta, um rapaz louro e de olhos azuis, tirou o capacete para ficar mais à vontade e aceitou o copo de bebida que o rei lhe oferecia.
– Que tal a lua? – perguntou o cangaceiro.
– Ah! me esqueci de apresentar você – disse o rei, voltando-se para o astronauta. – Este aqui é Jesuíno Brilhante.
– Prazer! – disse o astronauta, sem mencionar o seu nome.
– Mas a lua, rapaz, que tal? – perguntou, dessa vez, o rei.
O astronauta riu. Parecia já estar bêbado, porque a sua voz estava meio empastada. Respondeu:
– Não tem mulheres, nem água, nem bebida, é uma desolação.
– Isso é ruim – falou o rei.
– E o seu Sertão? – indagou o astronauta ao cangaceiro.
– O meu Sertão é um reino muito grande. Há muitos anos saí de lá, era muito menino. Mas me lembro de quase tudo que vi. Agora ando desgarrado.
– Quer dizer que você nunca matou ninguém? – perguntou, rindo, o rei.
– Vamos deixar essa conversa de lado. Acho melhor o senhor contar a sua vida, falar do seu reino.
– Pouca coisa tenho a contar.
– É modéstia! – disse o astronauta, esvaziando o conteúdo da garrafa e enchendo o seu copo, que emborcou de vez, bebendo tudo de um só fôlego.
– Como foi que o senhor veio parar aqui? – indagou novamente o cangaceiro ao rei.
– Deixe pra lá! – respondeu o rei fazendo um gesto com a mão.
O astronauta, já empilecado, começou a dizer inconveniências com uma princesa que estava sentada a uma mesa ao lado. O rei reclamou, pediu ao astronauta que não dissesse mais aqueles palavrões, que respeitasse a sua presença e o ambiente.
– Você sempre foi um velho safado mesmo! – disse o astronauta levantando-se para se retirar da mesa.
Ia saindo, quando voltou e disse para o cangaceiro:
– Você tem cara de pastora e não de cangaceiro!
– Vá embora, deixe a gente beber em paz – falou o rei, tentando acalmar a situação.
O astronauta deu uma tapa no chapéu do cangaceiro e o chapéu caiu no chão. O cangaceiro, embora com raiva, ponderou:
– Isso não é brincadeira, nem conheço você direito! – E, voltando-se para o rei: – Como é que o senhor foi chamar um sujeito mal-educado desse para beber na nossa mesa?
– Você viu, ele perguntou se podia se sentar! Além do mais, não sabia que ele estava tão bêbado assim!
– Bêbado é a mãe! – falou o astronauta, cambaleando e segurando-se numa cadeira para não cair.
O cangaceiro levantou-se e disse, já afobado com as provocações:
– Agora você vai embora de todo o jeito!
O astronauta tentou reagir, mas o cangaceiro deu-lhe uma bofetada, depois um pontapé e, agarrando-o pela gola, sacudiu-o na rua.
O rei, aflito, correu para o cangaceiro, indagando:
– Por que você foi fazer isso?
– Ele ofendeu o senhor! Quis evitar que ele lhe causasse maiores problemas.
– Problemas foi o que você me arranjou agora!
– E o rei, dizendo isso, foi até a calçada e levantou o rapaz, trazendo-o de volta à mesa.
O astronauta, de tão bêbado, havia entrado naquela fase em que se fica meio adormecido pelo efeito do álcool. Caiu da cadeira em que o rei o havia colocado e estendeu-se no chão.
– Deixe esse cabra afoito! Esse camarada precisava levar umas tapas!
O rei, meio preocupado, perguntou:
– Será que as pancadas, os murros, fizeram mal a ele?
– Que nada... Não bati com força. Levou só umas tapinhas. Isso de ele estar no chão é porque bebeu demais. Mas por que o senhor disse que isso lhe traria problemas?
– É porque esse rapaz é filho do dono da fábrica onde trabalho.
– Desculpe, eu não sabia.
– É, mas não há de ser nada! Vamos embora. Hoje é o último dia de carnaval e amanhã vou ter que trocar essa roupa por um macacão sujo de graxa. Você trabalha em quê? – perguntou o negro alto e vestido de rei.
– Sou alfaiate.
– Foi você quem fez essa sua roupa?
– Foi.
– Para fazer minha fantasia, tive que economizar muito – disse o rei e, levantando-se, chamou o garçom que, impassível, assistira à conversa e à briga do cangaceiro com o astronauta. O rei pediu a conta. Dividiram as despesas. A princesa, debruçada sobre a outra mesa, parecia estar dormindo. Junto da sua cabeça estavam um lança-perfume e uma e uma garrafa de bebida vazia.
– Vamos embora! – disse o cangaceiro. – Mas, e esse cara aí, deitado? Quer ver se conseguimos levantar ele?
– Que se dane! O meu reino só dura três dias, e o do pai dele dura o ano inteiro.
– Que será que ele veio fazer aqui? Devia estar brincando num clube grã-fino.
– Acho que ele estava fazendo o corso com os amigos, deve ter entrado aqui para beber. Daqui a pouco os amigos devem achar ele.
– E se ele contar tudo ao pai?
– Sou despedido. Mas não quero pensar nisso agora.
Saíram para a rua. A porta-estandarte do Vassourinhas ia passando na avenida, marcando o compasso da marcha entre os confetes e as serpentinas que havia no asfalto. O rei e o cangaceiro caíram no passo. No bar, estavam a coroa, que o rei havia esquecido em cima da mesa, e o chapéu do cangaceiro, caído no assoalho entre pedaços de serpentina. A princesa pareceu despertar e levantou a cabeça do tampo de fórmica da mesa. Olhou para o astronauta estendido no chão. Depois, voltou a adormecer para sonhar com outros carnavais”.

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