quinta-feira, 25 de maio de 2017

A POESIA DE AUGUSTO DOS ANJOS...

ETERNA MÁGOA – Augusto dos Anjos

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!
Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.
Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda
Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa magoa que o acompanha ainda!

sexta-feira, 19 de maio de 2017

A MONTANHA PARIU UM RATINHO...POR BERNARDO CELESTINO PIMENTEL...


          O CLÍMAX DO CINISMO ESTA DESVALORIZAÇÃO DO OCORRIDO, ENVOLVENDO O TENEBROSO TEMER...

          COMO É QUE UM PRESIDENTE DA REPÚBLICA RECEBE NA MAIOR INTIMIDADE, UM GANGSTER,TÃO SEM QUALIDADES QUE POSSUI APENAS DINHEIRO...VISITA FORA DE HORA, PRIVE,NA RESIDENCIA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA...
          A CONVERSA É SÓRDIDA, REVELA COMO O POVO BRASILEIRO É TRAÍDO CONSTANTE E CONTINUAMENTE...
          UM EMPRESÁRIO DESTITUÍDO DE QUALQUER  VALOR ÉTICO, MORAL, CUJOS NEGÓCIO CRESCERAM AS CUSTAS DO NOSSO DINHEIRO:BNDES...
          UMA CONVERSA SÓRDIDA,SUJA,ONDE UM EMPRESÁRIO ACHA QUE PODE TUDO...COMPRAR SILENCIO COM DINHEIRO...TROCAR JUÍZES QUE O INCOMODAM...TER PROCURADORES COMPRADOS PARA A FACILITAÇÃO...
          TODO ESTE EPISÓDIO CONTADO AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ODIADO PELO POVO, QUE FOI INCAPAZ DE FAZER UMA DENÚNCIA...DE TOMAR UMA PROVIDENCIA DE UM HOMEM DE BEM...
          O TEMER MOSTROU-SE COMO UM DELES, IRMÃO NAS MESMAS SACANAGENS E PRÁTICAS,
CORRUPTO CRÔNICO, E AINDA FABRICA A FRASE MIDIÁTICA:
         A MONTANHA PARIU UM RATINHO...CÍNICO,CRÁPULA,
CONIVENTE,PUS DO MESMO ABSCESSO.
          AINDA ACHA QUE NÃO ACONTECEU NADA...CÍNICO...PILANTRA...

terça-feira, 16 de maio de 2017

A POESIA DE CARLOS DRUMOND ...


Para Sempre


Por que Deus permite 
que as mães vão-se embora? 
Mãe não tem limite, 
é tempo sem hora, 
luz que não apaga 
quando sopra o vento 
e chuva desaba, 
veludo escondido 
na pele enrugada, 
água pura, ar puro, 
puro pensamento. 
Morrer acontece 
com o que é breve e passa 
sem deixar vestígio. 
Mãe, na sua graça, 
é eternidade. 
Por que Deus se lembra 
— mistério profundo — 
de tirá-la um dia? 
Fosse eu Rei do Mundo, 
baixava uma lei: 
Mãe não morre nunca, 
mãe ficará sempre 
junto de seu filho 
e ele, velho embora, 
será pequenino 
feito grão de milho. 

Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas' 

sexta-feira, 12 de maio de 2017

LAVOISIER MAIA ....POR BERNARDO CELESTINO PIMENTEL...







          Cada coisa tem um instante em que  ela é...por isto devemos nos apossar do é da coisa...
          DOS MAIAS FOI O MELHOR...
          COLOCOU UM MÉDICO EM CADA CIDADE...
          PAGAVA DEZ SALÁRIOS MÍNIMOS A CADA MÉDICO DO ESTADO...
          ERA UM MAIA QUE NUNCA DEVERIA TER SAÍDO DA POLÍTICA...
          É A SÍNTESE DE UM HOMEM BOM...
          ESTOU ME REFERINDO AO MÉDICO,O EX GOVERNADOR LAVOISIER MAIA...
           CONHECI-O UM DIA NA CASA DO DR HUMBERTO FASSANARO, NO DIA QUE TAMBÉM CONHECI GENEBALDO BARROS...
           CERTA VEZ, ESTUDANTE DE MEDICINA, FUI A SUA PRESENÇA,PEDIR UM EMPREGO DE DENTISTA PRA A MINHA ESPOSA GRACINHA...ERA UM RECÉM CASADO...
         DURANTE A NOSSA CONVERSA, UM DEDO DURO DE NOVA CRUZ,INSUFLOU: O SENHOR SABE QUE ELE NÃO APOIA SEU CANDIDATO A PREFEITO EM NOVA CRUZ...INCLUSIVE TEM UM CUNHADO QUE É CANDIDATO A VEREADOR DO CONTRA? E COMO QUER UM EMPREGO  DO SENHOR?
          CONVERSEI COM  O DR LAVOISIER, FALAMOS DO FUTURO, ELE ERA NA ÉPOCA O SECRETÁRIO DE SAÚDE...
          LAVOISIER OLHOU PARA HUMBERTO FASSANARO E AFIRMOU:ESTE JOVEM TEM VALOR...TEM  FUTURO...PODE NOMEAR A ESPOSA DELE...
          FOI O ÚNICO POLÍTICO QUE EU VI FECHAR OS OLHOS PARA A FUXICAGEM...
          HOJE FAZEMOS MUSCULAÇÃO NA MESMA ACADEMIA...
          LAVOISIER MAIA ESTÁ VIVENDO  A SUA SEGUNDA INFÂNCIA...MAS, QUANDO ENTRA NO AMBIENTE, SUA LUZ BRILHA, IRRADIA SIMPATIA, AMIZADE E RESPEITO...
          HOJE PEDI A ELE PARA TIRAR UM RETRATO COM ELE...NUNCA É TARDE PARA SE RECONHECER UM BENEFÍCIO...PARA SE AGRADECER...E DIZER DO QUANTO LHE SOU GRATO...
          MUITA SAÚDE LAVÔ...MUITOS ANOS DE VIDA...MEU RESPEITO E ADMIRAÇÃO.
          LAVOISIER É UM ASTRO COMO O SOL:
          TEM LUZ PRÓPRIA...

quinta-feira, 11 de maio de 2017

COISAS DE NOVO RICO...POR BERNARDO CELESTINO PIMENTEL.


               QUER COISA MAIS CHATA DO QUE NOVO RICO...? E A MULHER DELE...ESTA ENCHE ATÉ CÂMARA DE AR FURADA.

              ONTEM, estávamos no
Canto do Mangue...para um LAND ROVER, COM A DAMA DO NOVO RICO...
desceu do carro,batendo as asas do nariz...todos fedíamos...
              ELA NÃO ANDAVA, LEVITAVA NA SUA SANTA IGNORÃNCIA...
se dirigiu ao peixeiro:O SENHOR TEM CIOBA...?
              TENHO SENHORA...POIS LÁ EM CASA , A MINHA FAMÍLIA SÓ COME CIOBA.
EXAMINA O PEIXE VERMELHO,OLHA PRO VENDEDOR E PERGUNTA:ISTO É CIOBA MESMO?É MINHA SENHORA... É FRESCA ? É SIM SENHORA...
          estou achando os olhos dela muito sem brilho...toca o peixe e cheira o dedo...isto não é peixe fresco..torna a tocar o peixe e cheirar O DEDO...e dizer que tem um cheiro diferente...o homem do peixe tentava convencê-la com a paciência de um monge...


               DEPOIS DE CHATEAR QUINZE MINUTOS,TOCA O FURICO DO PEIXE, LEVA O DEDO ÁS NARINAS , OLHA PRO PEIXEIRO E DIZ:ESTE PEIXE ESTA FEDENDO,BALANÇANDO A CABEÇA...O HOMEM PACIENTE, SEM CAMISA, MORDENDO UM CIGARRO NO CANTO DA BOCA, RETRUCA:NESTE TESTE,DONA, NEM A SENHORA É APROVADA...

FLORBELA ESPANCA...


O QUE TU ÉS… – Florbela Espanca
És Aquela que tudo te entristece
Irrita e amargura, tudo humilha;
Aquela a quem a Mágoa chamou filha;
A que aos homens e a Deus nada merece.
Aquela que o sol claro entenebrece
A que nem sabe a estrada que ora trilha,
Que nem um lindo amor de maravilha
Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!
Mar-Morto sem marés nem ondas largas,
A rastejar no chão como as mendigas,
Todo feito de lágrimas amargas!
És ano que não teve Primavera…
Ah! Não seres como as outras raparigas
Ó Princesa Encantada da Quimera!…

LITERATURA DE CORDEL...


Para qualquer enrascada
Que surgir em sua vida.
Força, ação e coragem
São as portas de saída.
Ademar Rafael Ferreira
Armadilhas surgem na vida,
Precisamos de muita atenção.
Muitas delas deixam feridas 
Marcadas no coração.
Carlos Costa
Eu tenho a opinião 
Que quando a fé nos anima
Até nosso coração 
Acelera a autoestima.
Wellington Vicente
Enquanto estiver por cima
Leve a vida com decência
Pra na mudança de clima
Não sofrer por consequência.
Gregório Filomeno de Menezes
Observe que a prudência
Nos leva a portos seguros
Enquanto a incoerência
Nos deixa sempre em apuros.
Danizete Lima

domingo, 7 de maio de 2017

UMA ODE AO PERDÃO...

A GRANDEZA DO PERDÃO...POR BERNARDO CELESTINO PIMENTEL.





         Há 30 anos tive um grande desgosto...
envenenaram o meu casal de Pastor alemão...
MATARAM DOMINIQUE E RINGO COM UM KILO DE CARNE MOÍDA ENVENENADA...   
          O GATO DO VIZINHO PULOU PARA O MEU JARDIM E OS CACHORROS O MATARAM...FOI ESTE O MOTIVO....
          NESTA TARDE, FARIA A AULA INICIAL DO CURSO DE MEDICINA,NA QUARTA DISCIPLINA DE CLÍNICA CIRÚRGICA....
          COMECEI A AULA DIZENDO ASSIM:HOJE É O DIA MAIS TRISTE DA MINHA VIDA...NÃO DEVERIA EXISTIR NAS NOSSAS VIDAS, O DIA QUE O NOSSO CACHORRO MORRE....
          FIZ UMA AULA BRILHANTE, POIS TODA AQUELA DOR QUE ESTAVA SENTINDO, SERVIU DE COMBUSTÍVEL PARA ORNAMENTAR A VIDA,A QUALIDADE DE SE SER HUMANO,O VALOR DE SE SER MÉDICO...COISAS QUE EU SEMPRE PREGUEI E FAÇO.



          REPUTO COMO UM DOS DIAS   MAIS TRISTES DA MINHA VIDA...
          O CACHORRO DA GENTE DEVERIA SER ETERNO...A GENTE  MORRE, E MUITO, COM O NOSSO CACHORRO...
          ELES REPRESENTAM TANTO NA NOSSA VIDA, MORREM E NÃO DEIXAM UMA LEMBRANÇA FÍSICA...
          FIQUEI MAL COM OS VIZINHOS, QUE ERAM MEUS AMIGOS...A ESPOSA DO ALGOZ VIVIA A ME  MANDAR MANJARES, LICORES PÃES FEITOS EM CASA...FIQUEI MAL COM TODO MUNDO...
          SEGUI O MEU TIO ALMIRANTE, QUE QUANDO VINHA DE FÉRIAS DO RIO DE JANEIRO,LOGO NA PRIMEIRA MANHÃ PERGUNTAVA Á FAMÍLIA:
          COM QUEM ESTAMOS DE MAL...ERA O CLÍMAX DA SUA SOLIDARIEDADE Á FAMÍLIA...
          SENTIA NO FUNDO,  A PERDA DA AMIZADE COM A MINHA SENHORA VIZINHA...ELA ENTROU NA HISTÓRIA COMO PÔNCIO PILADOS ENTROU NO CREDO: NÃO TINHA NADA A HAVER...MAS RAIVA É RAIVA...SENTIMENTOS SÃO SENTIMENTOS....
          A VIZINHA SEMPRE DESABAFAVA:COMO EU SINTO ESTA INIMIZADE...DR BERNARDO PRA MIM É UM FILHO, FOI MEU CHEFE, SOFRO MUITO COM ESTA SITUAÇÃO...
          E ASSIM SE PASSARAM TRINTA ANOS...EU PASSEI A REFLETIR QUE A GRANDEZA DO HOMEM ESTÁ NO PERDÃO...
          JESUS CRISTO RESPONDEU: DEVEMOS PERDOAR SETENTA VEZES  SETE ...
          O MÊS PASSADO, VINHA A PÉ E PASSEI NA SUA CALÇADA, OLHEI-A E CUMPRIMENTEI, DIZENDO COM OS OLHOS QUE O IMPORTANTE ERA O PERDÃO...
          A VIZINHA, JÁ COM A IDADE AVANÇADA, ESBOÇOU UM FACIES DE SURPRESA, ALEGRIA E CONTENTAMENTO...E A MINHA ALMA FLUTUOU NO AR COMO UM BEIJA FLOR...NADA DE INIMIZADES....SÃO COISAS QUE SUJAM A VIDA...É  A  LAMA DO ESPÍRITO, ESCURECEM A VIDA E APAGA AS ESPERANÇAS...
          ME SENTI UM NEFELIBATA:AQUELE QUE CAMINHA NAS NUVENS...
          AH QUE COISA BOA É PERDOAR...
          AH QUE COISA BOA É NÃO GUARDAR RANCOR...
         AH QUE COISA BOA É IMITAR DEUS, QUE PERDOOU MESMO ESTANDO PRÓXIMO A MORTE E CRUCIFICADO, EM PLENA AGONIA.


          

     

sexta-feira, 5 de maio de 2017

LITERATURA DE CORDEL...



Raimundo Lucas Bidinho glosando o mote:
Seis e meia na igreja
Às oito no cabaré.
Nossa Várzea Alegre cria
Uma certa criatura
Que toda noite mistura
Orações com putaria
É louca pela orgia
E nas imagens tem fé
São Vicente e São José
Bem veem a sua peleja
Seis e meia na igreja
Às oito no cabaré.
Dizem que este fulano
Pelos seus modos não mente
Pensa em ser futuramente
Um novo São Cipriano
Que todos dia do ano
É encontrado na Sé
Ajoelhado ou em pé
Por enfadado que esteja
Seis e meia na igreja
Ás oito no cabaré.
Em sua religião
É um católico acordado
Quando comete um pecado
Vai logo pedindo perdão
Não sei se terá ou não
A crença de São Tomé
Ou tendo, ou não tendo fé
À noite os altares beija
Seis e meia na igreja
Às oito no cabaré.
* * *
Leonardo Bastião
Eu também plantei saudade
Numa pequena panela
Só de quinze em quinze dias
É que eu botava água nela
Pr’ela não crescer demais
E matar quem cuidava dela
Eu não adivinho a morte
Porque Deus não quer assim
Mas as doenças que eu sinto
E as “dor” que se arrancha em mim
Dá pra perceber que a vida
Tá muito perto do fim
Na mocidade eu não pude
Vencer os planos que fiz
A velhice acompanhou
Já fez de mim o que quis
Com tanta velocidade
Que deixou a mocidade
Numa distância infeliz
Quem já passou dos sessenta
Do seu futuro tem medo
Que o tempo anda mais vexado
Pra chegar no fim mais cedo
Depois do fim é a morte
Depois da morte é segredo
No dia que eu morrer
A minha vida se encerra
Vou prestar conta a Jesus
Único juiz que não erra
E pagar pelos pecados
Que fiz em cima da terra.
* * *
Rangel Junior – QUEM SOU EU
Sou meio destrambelhado
Sempre chegando atrasado
Vivo sempre apaixonado
Só assim vejo sentido
Sou como chão de estrada
Vivo levando porrada
Ô, vida desmantelada
Essa que tenho vivido.
Às vezes sou meio gente
Às vezes sou meio bicho
Quase sempre estou contente
Igual a pinto no lixo
Quando a vida faz careta
Feito “boi-da-cara-preta”
Respondo c’uma munganga
“Isprito” de cangaceiro
Feito entidade em terreiro
Num tem quem me bote canga.
De Dona Neide sou filho
E também de Seu Tonito
Bom de mote e estribilho
Não sou feio nem bonito
Um cab’assim, mais-ô-meno
Nem muito grande ou pequeno
Nascido em Juazeirinho
Pode não saber de tudo
Mas não sabe ficar mudo
Fazendo o próprio caminho.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

O TEMPO E AS JABOTICABAS...


          Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela
menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras,
ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas,
rói o caroço. Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.


Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir
quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.


Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.


Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos
para reverter a miséria do mundo. Não quero que me
convidem para eventos de um fim de semana com a proposta de
abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis
para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos
internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de
pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em
reuniões de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram
pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou:
'as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos,
quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado
de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços,
não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não
foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados,
e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar
desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de
tempo.'
O essencial faz a vida valer a pena.

LITERATURA DE CORDEL...PÉROLAS



Otacílio Batista

São José do Egito mãe cidade
de Marinho, Cancão e dos Batistas
Entre os grandes condores repentistas
Deu poeta de toda qualidade
Quem saudade cantou virou saudade
Exaltando a cidade que fulgura
Sobre as asas da poesia pura
Na paisagem de um pequeno monte
Tem mais versos jorrando numa fonte
Qual estrela brilhando em noite escura.

* * *

Job Patriota

Se o pranto é irmão do riso
Nascido do mesmo amor
Tanto me faz estar rindo
Como sentindo uma dor
Que o sofrimento é da vida
Como o perfume é da flor.

* * *

Pinto do Monteiro

Quem espanta nunca laça
Mas quem alisa encabresta
Eu jogo a corda no lombo
Puxo por cima da testa
Enquanto vida eu tiver
A minha pisada é esta.

* * *

Luciano Pedrosa

Sou um verso de Pinto do Monteiro
Trocadilho que Louro penduou
Sou canção que Gonzaga entoou
Sob a sombra do pé de juazeiro
Sou aboio rimado do vaqueiro
Sou sextilha e galope à beira mar
Sou o mote difícil de glosar
Plenilúnio do livro de Cancão
Sou poeta nascido no sertão
Defendendo a cultura popular.

* * *

Zé Catota

Eu hoje assisti um drama
e me horrorizei da cena
uma senhora de idade
com uma criança pequena
chorava a filha com fome
e a mãe com fome e com pena.


* * *

Jabitaca

(Quando da morte de Pinto do Monteiro)

O Nordeste sente falta
Do seu maior cantador
Seu vaqueiro destemido
Almocreve , tangedor
Seu seringueiro valente
Gênio maior do repente
Peça de raro valor

Ficar mais tempo entre nós
Tinha Pinto esta esperança
Mas a idade o venceu
E a morte por vingança
Deu ao corpo eterna calma
Para o céu levou a alma
Pra nós só deixou lembrança.

* * *

Um folheto de Leandro Gomes de Barros

O CACHORRO DOS MORTOS

Os nossos antepassados
Eram muito prevenidos
Diziam: matos têm olhos
E paredes tem ouvidos
Os crimes são descobertos
Por mais que sejam escondidos

Em oitocentos e seis
Na província da Bahia
Distante da capital
Três léguas ou menos seria
Sebastião de Oliveira
Ali num canto vivia

Ele, a mulher e duas filhas
E um filho já homem feito
O rapaz era empregado
E estudava Direito
O velho não era rico
Mas vivia satisfeito

As duas filhas eram moças
Bonitas e encantadoras
Logravam na capital
O nome de sedutoras
Chamavam atenção de todos
As grandes tranças tão louras

Esse velho era ferreiro
E ferreiro habilitado
Vivia ali do ofício
Plantando e criando gado
Por três vezes enjeitou
O cargo de delegado

Havia um vizinho dele
Eliziário Amorim
Esse tinha um filho único
Da espécie de Caim
Enquanto o espanhol velho
Até não era ruim

O filho deste espanhol
Era uma fera carniceira
Veio provocar namoro
Com as filhas de Oliveira
Uma delas disse a ele:
De nós não há quem o queira

Ele disse: Tu não sabes
Que meu pai possui dinheiro
Em terras e criações
É o maior fazendeiro?
Ela disse: O meu pai é pobre
Planta, cria e é ferreiro

Minha mãe tece de ganho
Nós vivemos de costura
Meu pai vive de sua arte
E de sua agricultura
Meu irmão é empregado
Para que maior ventura?

O sedutor conheceu
Seus planos serem debalde
E só podia vencê-la
Por meio de falsidade
Que é a arma mais própria
Aonde existe a maldade

Saiu dali Valdivino
Fedendo a chifre queimado
E Angelita ficou
Com o coração descansado
Nem disse aos outros de casa
O que tinha passado

Ele pensou em forçá-la
Mas pensou no resultado
Devido o pai de Angelita
Ser muito considerado
O filho pelo governo
Era tão conceituado

Exclamou ele consigo:
Oh! Angelita és tão bela
Eu não sossegarei mais
E nem me esquecerei dela
Farei tudo para vencê-la
Porém não caso com ela

Mas Valdivino temia
O pai dela e o irmão
Que o governo da província
Tinha-lhe muito atenção
O rapaz era empregado
E tinha consideração

Valdivino inda pensou
Que matando Floriano
Podia calçar com ouro
Todo governo baiano
Ainda que entrasse em júri
Não passava nem um ano

Ou poderia matá-lo
Oculto numa emboscada
Porque ninguém vendo o crime
Ele não sofria nada
Defunto não conta história
Estava a questão acabada

Havia ali um engano
Entre Vitória e Bahia
A divisão das províncias
Ali ninguém conhecia
Sebastião de Oliveira
Era o único que sabia

O governo da província
Tendo aquela precisão
Disse um dia a Floriano
Você vá em comissão
Chamar seu pai para vir
Mostrar a demarcação

Valdivino de Amorim
Viu Floriano passar
Escolheu o lugar próprio
Onde pudesse emboscar
Dizendo dentro de si:
Ele não pode escapar

A fera foi emboscá-lo
Onde havia uma capoeira
Carregou um bacamarte
Fez duma árvore trincheira
Distante um quarto de légua
Da fazenda de Oliveira

O rapaz chegou em casa
O velho tinha saído
Foi ver se achava um jumento
Que havia se sumido
Um amigo lhe escreveu
Que lá tinha aparecido

O Floriano chegou
Depois que o velho saiu
Nessa tarde não voltou
Com a família dormiu
Deu o recado à mãe dele
De madrugada seguiu

Calar um cachorro velho
Que Sebastião criou
Quando Floriano saiu
Calar o acompanhou
Floriano quis voltar
Porém Calar não voltou

Passava ali Floriano
A fera então enfrentou-o
Disparou o bacamarte
Sem vida em terra lançou-o
Calar partiu ao sicário
O assassino amarrou-o

As moças lá da fazenda
Ouviram o grande estampido
Angelita se assustou
Dizendo: O que terá sido?
O tiro foi para o lado
Que seu irmão tinha ido

Angelita convidou
A sua irmã Esmeralda
Dizendo: Vamos aqui
A passeio pela estrada
Aquele tiro que deram
Deixou-me sobressaltada

No sertão naquele tempo
Podia uma moça andar
Passava dois ou três meses
Sem nem um homem passar
Por isso foram elas duas
Não tinham o que recear

Iam ali conversando
Sobre a aragem matutina
Disse Esmeralda à irmã:
Olha para o céu, menina
Estás vendo aquelas estrelas
Como têm a luz tão fina?

Chegaram aonde o irmão
Estava morto na estrada
O criminoso no mato
Atirou em Esmeralda
E enfrentou Angelita
Dizendo: Não diga nada

Angelita muito pálida
Sem estar esmorecida
Vendo os dois irmãos já mortos
Por uma mão homicida
Lhe disse: Monstro tirano
Eu morro e não sou vencida

Ele disse: Angelita
Com tudo isso sou teu
Foi dar-lhe um beijo nos lábios
E Angelita mordeu
Ele cravou-lhe o punhal
Ela ali esmoreceu

Pondo a mão na punhalada
Disse: Monstro desgraçado
Aquele velho cachorro
Que está ali amarrado
Descobrirá este crime
E tu serás enforcado

Olhou para o gameleiro
Que tinha junto a estrada
Dizendo: Tu gameleiro
Viste esta cena passada?
És uma das testemunhas
Quando a hora for chegada

Na última agonia
Exclamou: Monstro assassino
Tirastes agora três vidas
E não sacias o destino?
Isso hei de te lembrar
Perante o juiz divino!

Não julgue que fique impune
Este sangue no deserto
Tu não vês três testemunhas
Que estão aqui muito perto
Estás perante ao público
Irão depor muito certo

Disse Valdivino: És louca
Quem viu o que foi passado?
Disse Angelita: Este cão
Que está ali amarrado
A gameleira e as flores
Dirão no dia chegado

Olhou para o cão e disse:
Olha, meu velho Calar
Tu dirás tudo ao juiz
Se ele te perguntar
Essa velha gameleira
Fica para te ajudar

Essa flor que por ela
Há festa aqui todo ano
Há de tirar a justiça
De uma suspeita ou engano
Dirá ao juiz: Venha ver
Quem matou o Floriano!

As três vidas que roubaste
Pagarás com tua vida
Tu hás de te arrepender
Depois da causa perdida
Uma lágrima vertida
Será por teu pai vertida

Contudo monstro, perdoo-te
Porque fui e sou cristã
A morte do meu irmão
A minha e de minha irmã
Tu hoje matas a mim
Outro te mata amanhã

E pondo a mão sobre uma
Das punhaladas que tinha
Disse a Calar: Se fugires
Consola a minha mãezinha
E diga-lhe que abençoe
Os pobres filhos que tinha

Embora que tu não fales
Pois não te foi concedido
Mas um olhar bem lançado
Dá ideia dum sentido
Um uivo e um olhar
Pode ser compreendido

E ali cerrando os olhos
Quase sorrindo expirou
O assassino olhando
Chorando se retirou
Depois pensou: Isto é nada!…
Com toda calma voltou

Já estava frio o cadáver
Porém nas faces mimosas
Via-se perfeitamente
Desenho de duas rosas
Como se fossem pintadas
Por mãos das mais curiosas

Em Esmeralda se via
O sangue ainda saindo
Vestígio de zombaria
Como quem morre sorrindo
Como criança que brinca
Finge que está dormindo

O rapaz banhado em sangue
Bem no meio da estrada
À esquerda de Angelita
À direita de Esmeralda
Com uma mão na ferida
E a outra mão estirada

Valdivino tinha à noite
Escrito numa carteira:
“Eu hoje hei de matar
Floriano de Oliveira
Se não matá-lo me mato
Será a minha derradeira”

Datou-a e assinou o nome
Pegou a arma e saiu
Se encostou num gameleiro
A carteira escapuliu
Havia um oco da árvore
Nele a carteira caiu

A fera não se lembrou
Da testemunha ocular
Perdendo aquela carteira
Alguém a podia achar
Ela na mão da justiça
Quem poderia o soltar?

Porém uma força oculta
Permitiu que ele perdesse
E a mesma força impôs
Que dela se esquecesse
Para dizer a seu tempo:
O assassino foi esse!

Calar, o velho cachorro
Que aquele espetáculo via
Soltando uivos enormes
Que muito longe se ouvia
Rosnava, fitava os olhos
Debalde a corda mordia

Valdivino ali puxando
Um facão muito afiado
Descarregou no cachorro
Um golpe encolerizado
Errou e cortou a corda
Com que estava amarrado

Valdivino ficou triste
Vendo o cachorro correr
Lembrou-se o que Angelita
Disse antes de morrer
Porém disse: Ele não fala
Como poderá dizer?

Calar chegou na fazenda
Uivando desesperado
Dona Maria da Glória
Já tinha levantado
Quando viu o cão uivando
Aí cresceu-lhe o cuidado

E foi procurar os filhos
Onde ouviu os estampidos
Calar foi adiante uivando
Com enormes alaridos
Dona Maria da Glória
Ia aguçando os ouvidos

Como não foi seu espanto
Quando chegou no lugar
Onde achou os filhos mortos
Sem nada ali atinar
Calar sabia de tudo
Mas não podia falar

Voltou Maria da Glória
Num triste e penoso estado
Já Sebastião em casa
A esperava sentado
Não sabia da desgraça
Que a pouco tinha se dado

Perguntou pela família
Ela não pôde contar
Disse apenas: Morreu tudo
E apontou o lugar
Estendeu-se para um lado
Sem mais nada atinar

Sebastião de Oliveira
Foi por onde a mulher veio
Achou a poça de sangue
Os filhos mortos no meio
Olhou para o céu e disse:
Oh! Meu Deus que quadro feio

Foi perguntar à mulher
Como aquilo foi se dado
Ela apenas lhe contou
O que tinha passado
Deixando o ancião
Aflito e impressionado

Montou num burro e saiu
Dali para a capital
Quando chegou na cidade
Foi ao quartel general
Lá falou mais duma hora
E nada disse afinal

Depois de muita insistência
O presidente entendeu
Perguntou por Floriano
Ele lhe disse: Morreu..
Ele e a família toda!…
E contou o que se deu

A justiça foi atrás
Ver o que tinha se dado
Encontrou os três cadáveres
No chão em sangue banhado
Calar inda estava uivando
Junto dos mortos deitado

Foram à casa de Oliveira
Ver se Maria da Glória
Dava um roteiro que ao menos
Se calculasse uma história
Ela contou essa mesma
Que eles guardam na memória

Dona Maria da Glória
Dois dias depois morreu
Sebastião de Oliveira
Com três dias enlouqueceu
Dentro de duas semanas
Tudo desapareceu

A justiça da Bahia
Não cessou de procurar
Espalhou por toda parte
Secretos a indagar
Não havia uma pessoa
Que dissesse: Eu vi matar

Dava dez contos de réis
Na moeda que quisesse
À pessoa que chegasse
E seriamente dissesse
Teria mais um terreno
A pessoa que soubesse

Porém o crime se deu
Quando ali ninguém passava
Calar sabia tudo
Porque no crime ele estava
Se falasse descobria
Desejo não lhe faltava

Impressionava a todos
Habitantes da cidade
Como deu-se aquele crime
Naquela localidade
Floriano de Oliveira
Todo lhe tinha amizade

Atribuiu-se a um roubo
Por algum aventureiro
Mas o rapaz costumava
A não andar com dinheiro
Questão de moça não era
Ele era justiceiro

Os moradores de perto
Eram todos conhecidos
Compadres dele e do pai
E por eles protegidos
Tanto que se dando o crime
Todos ficaram sentidos

Eliziário era um desses
Abortos que tem havido
Desses que o pão que come
Considera estruído
Fazer-lhe o mal é pecado
Fazer-lhe o bem é perdido

Esse era fazendeiro
Porém dali não saía
Nem era bem conhecido
No comércio da Bahia
Só onde vendia lã
Alguém lá o conhecia

E o dono do açougue
Onde ele vendia gado
O banco onde ele tinha
Dinheiro depositado
Tanto que deu-se esse crime
E dele não foi lembrado

Sentiu e chorou bastante
A morte do camarada
E não foi à missa dele
Por não ser de madrugada
Pois só tinha uma camisa
E essa estava rasgada

Também procurou saber
Qual seria o assassino
Não sei se pelo dinheiro
Ou pelo próprio destino
Mas nunca lhe veio na mente
Ser seu filho Valdivino

Onde deu-se o crime havia
Duas estradas em cruz
Diziam que ali se achavam
Umas flores muito azuis
Formando uma lapa igual
À do menino Jesus

Os baianos costumavam
Desde da antiguidade
Fazerem uma grande festa
Naquela localidade
Véspera e dia de ano
Ali era novidade

Na capital da Bahia
Não havia outro festim
Havia missa campal
Orquestra e botequim
Bailes naquelas latadas
Bem cobertas de capim

Em oitocentos e nove
Estava a festa a terminar
Um velho que ali passava
Passou naquele lugar
Atrás desse caçador
Vinha o cachorro Calar

Abrigou-se numa sombra
Vinha muito esbaforido
Foi cheirar o pé da cruz
Que o senhor tinha morrido
Cheirou a das duas moças
E depois soltou um gemido

Estava ali um general
O bispo e o presidente
Com o chefe da polícia
Homem muito experiente
Todos ficaram daquilo
Impressionadamente

O general perguntou
De quem era aquele cão
Respondeu o velho Pedro:
Este cachorro patrão
É do defunto Oliveira
Que Deus dê-lhe a salvação

Este cachorro é o rei
Dos cachorros caçadores
Ainda adora o lugar
Que mataram seus senhores
Se fosse de madrugada
Seus uivos faziam horrores

Disse o chefe de policia:
Inda não se descobriu
A morte de um patrício
Que tanto à pátria serviu
Foi logo nesse deserto
Em horas que ninguém viu

Disse ali o presidente:
Se ainda se descobrir
O autor dessas três mortes
Eu juro por Deus o punir
Serei o carrasco dele
Quando ele à forca subir

Sebastião de Oliveira
Era um pobre acreditado
A família deu exemplo
O filho um rapaz honrado
Era um rapaz distinto
Por todo mundo estimado

Então disse o general:
Isso ainda é descoberto
O crime foi muito oculto
Feito aqui neste deserto
Mas quando chegar o dia
Há de saber-se por certo

Se eu vivo for nesse tempo
Serei o algoz mais forte
Serei um dos que conduz
Para o teatro da morte
Com a minha própria mão
Amolo o ferro que o corte

O cachorro ouvindo aquilo
Ergueu-se muito contente
Foi aos pés do general
Festejou o presidente
Como quem dizia: O crime
É punido corretamente

Disse o bispo: Esse cachorro
É testemunha ocular
Ele viu quem fez as mortes
Só faltava é ele apontar
Se ele visse o criminoso
Podia lhe denunciar

Disse o velho: Esse cachorro
Fez uma coisa esquisita
Tinha uma cobra enroscada
Onde mataram Angelita
Ele despedaçou-a a dentes
Quase que se precipita

Disse o velho: Esse cachorro
Aos pés da cruz se lança
Solta um uivo muito triste
Como quem pede vingança
Como quem pede debalde
Sem ter daquilo esperança

Nisso chegou um cavalheiro
Valdivino de Amorim
Andava fora inda vinha
Ver se alcançava o festim
Vinha num burro possante
Alvo da cor de jasmim

Assim que o cachorro viu
Valdivino se apear
Rosnou e partiu a ele
Querendo lhe estraçalhar
Só não rasgou-lhe a garganta
Devido o velho pegar

Tremia o queixo e babava
Fitando ali Valdivino
Uivava como quem já
Tivesse perdido o tino
Só faltava era dizer
— Eis aí o assassino!

E foi para o pé da cruz
E ali pegou a uivar
Fitando os olhos no céu
Como quem quer suplicar
Como quem dizia: Oh! Deus
Vens que não posso falar!

O bispo disse: Valdivino
Você está descoberto
O senhor foi autor
Das mortes neste deserto
Aquele cachorro deu
Um depoimento certo

O monstro viu o perigo
Fez tudo para negar
O bispo disse: Meu filho
Não há mentira em olhar
Os olhos são verdadeiros
Não podem nada ocultar

Os olhos também se queixam
Um olhar diz o que sente
Ameaça ou traição
Punição severamente
Declara mágoa ou dor
Porém o olhar não mente

O olhar daquele cão
Está demonstrando a dor
O sentimento profundo
Da morte do seu senhor
Ele só falta falar
E apontar o matador

Naquilo duas crianças
Que estavam em brincadeira
Uma delas se trepou
Num galho de gameleira
Tirando um ninho de rato
Achou nele uma carteira

O leitor deve lembrar-se
De um verso que aqui já leu
Veja na véspera do crime
O que Valdivino escreveu
E que no oco da gameleira
A carteira se perdeu

Ali trouxeram a carteira
Entregaram ao general
O bispo disse: Senhor
O que lhe disse afinal
Eu não lhe disse que os olhos
Só diz o que é legal?

Valdivino descobriu tudo
Em sua interrogação
Calar ali demonstrava
Ter grande satisfação
Pulava um metro de altura
E rolava pelo chão

Corria escaramuçando
Como quem estava em folia
Festejou o general
Com demarcada alegria
Como quem dizia: Nesses
Encontrei o que queria

O povo todo da festa
Quis a Valdivino linchar
O bispo e o presidente
Tratou de acomodar
Garantindo que a justiça
Havia de o castigar

Saiu preso Valdivino
Calar o acompanhou
O velho Pedro chamava
Mas ele não escutou
Voltou quando Valdivino
Preso nos ferros deixou

O general ao sair
Ordenou ao cozinheiro
Que desse ao velho Calar
Um bom lombo de carneiro
Porque merecia muito
Aquele bom companheiro

O criado deu o lombo
Calar nem para ele olhou
Saiu o povo da festa
E o lombo lá ficou
O cachorro veio comer
À noite quando voltou

A mulher de Eliziário
Sabendo o que aconteceu
Deu-lhe um ataque tão forte
Que ela no chão se estendeu
Passou a noite sem fala
No outro dia morreu

Juvenal um espanhol
Parente de Eliziário
Chegando lá disse ao velho:
— você é milionário
Compre três ou quatro médicos
Que provem ele está vario

Porque ele estando vário
Não poderá ser julgado
O processo fica inválido
Não pode ser condenado
Aí o senhor procura
O melhor advogado

Eliziário pensou
Aquilo ser acertado
Do contrário Valdivino
Ia ser executado
E tinha toda certeza
Ele morrer enforcado

Dirigiu-se à capital
Procurou advogado
Este arrumou cinco médicos
Sendo o réu examinado
Provaram que há quatro anos
Ele era tresloucado

O bispo e o presidente
Consultaram ao general
Mandaram vir quatro médicos
No reino de Portugal
E fizeram na Bahia
Uma junta especial

Vieram de Portugal
Quatro médicos escolhidos
Que por dinheiro sem conta
Não seria iludidos
Esses homens de caráter
Jamais seriam vendidos

E examinaram o réu
Cada médico de per si
Todos disseram que nunca
Houve tal loucura ali
Nem sequer nervoso havia
Todos juraram aí

Fizeram novo processo
Depois dele examinado
E estando pronto o processo
Valdivino foi julgado
A sentença que pegou
Foi para ser enforcado

Não havia mais recurso
Estava tudo consumado
O réu dali a três dias
Ia ser executado
Não tinha mais o que apelar
Já tinha sido julgado

O velho quase sem jeito
Sem nada mais conseguir
Tentou o último meio
A fim do filho fugir
Mas só dos degraus da forca
Podia se escapulir

Então soube que o carrasco
Era um tal de Zeferino
Um calibre mais ou menos
Igual o de Valdivino
Tinha os três dons da desgraça
Covarde, vil, assassino

Era um mulato laranjo
De aspecto aborrecido
O couro da testa dele
Sempre se via franzido
Os cabelos bem vermelhos
Rosto largo e não comprido

Foi o velho Eliziário
A esse tal Zeferino
Ver se ele podia dar
Evasão a Valdivino
Dizendo: Ele pula da forca
E depois toma destino

Pegue dez contos de réis
Que lhe dou adiantado
E se tiver a fortuna
Dele não ser enforcado
Dar-lhe-ei mais vinte contos
O dinheiro está guardado

Então disse Zeferino
— Isso é difícil arranjar
Porém quando ele subir
Eu finjo me desculpar
Ele que vai prevenido
Trata logo de saltar

Disse Zeferino ao velho:
O senhor deve aprontar
Um cavalo bem ligeiro
Para quando ele saltar
Montar-se logo e correr
Antes do povo chegar

Eu hoje direi a ele
Tudo que está planejado
Que cor será o cavalo
Que há de está selado?
— Diga que é o poldro branco
Em que ele andava montando

Valdivino quando soube
Esta consulta que havia
Ficou como uma criança
Chorava ali de alegria
Jurando no mesmo instante
Que Calar lhe pagaria

Então quando chegou o dia
Estava o povo aglomerado
Valdivino de Amorim
Ia ser executado
Tudo ali estava esperando
Vê-lo morrer enforcado

Presente ao estado maior
Que vinha presenciar
Subiu Valdivino à forca
Zeferino foi laçar
Porém ele se encolhendo
Conseguiu dali saltar

E saiu como uma flecha
Entre o povo se meteu
Se montando no cavalo
Dali desapareceu
Internando-se no mato
Num instante se escondeu

O povo indignou-se
Com a fuga de Valdivino
Um deles que ali estava
Estrangulou Zeferino
Porque este tinha dado
Evasão ao assassino

Porém chegou o cachorro
Quase na ocasião
Soltou dois ou três latidos
Saiu de venta no chão
Sessenta e três praças foram
Também em perseguição

Porém Valdivino ia
Em bom cavalo montando
Tinha grande desvantagem
De não ter saído armado
E Calar no rastro dele
Gania muito vexado

Foi preso Eliziário
Como autor da evasão
O povo não o matou
Porém foi para a prisão
E o bispo que saiu
Pedindo à população

Era meia-noite em ponto
Valdivino ainda corria
O cavalo já cansado
Que nada mais resistia
E o cachorro Calar
De vez enquanto latia

Valdivino conhecendo
Que nada a ele valia
E o cachorro Calar
Seu rastro não deixaria
Pensou em suicidar-se
Só assim descansaria

Dentro do mato apoiou-se
E amarrou o cavalo
Encostou-se numa pedra
Sentiu alguém acordá-lo
Nisto o cavalo espantou-se
Ele não soube pegá-lo

Seguiu por uma vereda
Descalço e todo rompido
Ouvindo de vez enquanto
Calar soltar um ganido
Foi sair bem no lugar
Que o crime tinha havido

Ele viu a gameleira
Que sombreava a estrada
Floriano de Oliveira
Angelita e Esmeralda
Sebastião de Oliveira
E dona Maria prostrada

Viu vir uma carruagem
Nela vinha um magistrado
Que saudou os três vultos
Depois de ter se apeado
Exclamou: Sangue inocente
Breve hás de ser vingado!

Tornou a tomar o carro
Se montando foi embora
Nesse momento Calar
Vem com a língua de fora
Festejou todos os vultos
E voltou na mesma hora

Um dos vultos chamou ele
O cachorro estacou
Valdivino não ouviu
O que o fantasma falou
Só ouviu foi dizer: Volte
E o cachorro voltou

O criminoso pensou
Que ali não escaparia
Lembrou-se duma pessoa
Que morava na Bahia
Pois tinha onde ocultá-lo
Que nem o cachorro via

Era um compadre e amigo
A quem ele protegeu
Que com dinheiro do pai
Esse tal enriqueceu
E ia sempre visitá-lo
Quando a justiça o prendeu

Valdivino calculou:
Eu o que devo fazer
É ir para o quintal
Por ali me esconder
Ou ele ou a mulher dele
Um há de me aparecer

E saiu o assassino
Chegando lá se escondeu
Não houve ali quem o visse
Quando o dia amanheceu
O compadre veio fora
E ele lhe apareceu

Valdivino lhe pediu
Que não o deixasse morrer
Disse o velho Roberto:
Eu tenho onde te esconder
Porém ninguém mais daqui
Disso não pode saber

Quatros dias decorriam
E o assassino escondido
Debaixo dumas madeiras
Estava ele metido
O pai dele na cadeia
Já ia ser concluído

Num dia de quarta-feira
O velho Calar chegou
A força ainda estava armada
Calar ali a olhou
Cravando a vista no céu
Um uivo triste soltou

Veio ali o presidente
Que trouxe um pão e lhe deu
Calar olhou para ele
Cheirou-lhe os pés e gemeu
Botando o pão entre as mãos
Deitou-se e ali comeu

Chegou a força do mato
Não trazendo o criminoso
O general com aquilo
Ficou muito desgostoso
Até o governador
Ficou doente e nervoso

O povo ao redor da forca
Só fazia lamentar
Que o pai do assassino
Deverá se executar
Tudo pedia ao governo
Que o mandasse enforcar

O cachorro levantou-se
Como quem está chamando
Foi à casa de Roberto
Na porta ficou uivando
Olhava para Roberto
Partia a ele rosnando

O general com aquilo
Ficou bastante nervoso
E disse ao governador:
Estou muito receoso
Que ali naquela casa
Está oculto o criminoso

Então a força cercou
Toda casa de Roberto
O cachorro só faltava
Era dizer: Está perto
O general disse a ele:
O senhor está descoberto

Roberto ali descobriu
Onde o assassino estava
Debaixo das madeiras
O monstro se conservava
Foi levado ao pé da forca
Onde o povo lhe esperava

Contou tudo que se deu
Antes de ser enforcado
Os vultos que viu nas cruzes
A quem tinha assassinado
O segredo do cachorro
E o carro do magistrado

Às cinco horas da tarde
A justiça o enforcou
O pai dele estava preso
Assim que o sino dobrou
Ali soltando um suspiro
Na mesma hora expirou

Estando morto o assassino
O deitaram sobre o chão
O cachorro olhou-o bem
Chamando tudo atenção
Soltou dois ou três latidos
Que espantou a multidão

Quando a justiça ordenou
Pra ser o corpo inhumado
Sobre os pés do general
Calar caiu mui cansado
Talvez querendo dizer
General, muito obrigado

O general foi ver água
Ao cachorro ofereceu
Ali o velho Calar
Dois litros d’água bebeu
Trouxeram-lhe uma fritada
Porém ele não comeu

Festejando o general
As pernas dele abraçou
Dirigiu-se ao presidente
A mesma ação obrou
Depois desapareceu
Novo destino tomou

Foi direitinho ao lugar
Que o horrendo crime se deu
No pé da cruz de Angelita
Ele cavou e gemeu
O velho Pedro chamou-o
Mas ele não atendeu

Deitou-se entre as três cruzes
Sua vida liquidou
Nas condições dum guerreiro
Que da batalha voltou
Trazendo os louros de guerra
À sepultura baixou

O general quando soube
Que Calar era sumido
E que fazia três dias
Que não era aparecido
Mandou gente procurá-lo
Ficando muito sentido

Saíram cinco ou seis praças
Em procura de Calar
O general tinha dito
Não voltem sem o achar
Tragam ele direitinho
Não o façam maltratar

Os praças foram ao lugar
Onde o crime tinha havido
Onde a família Oliveira
Tinha toda sucumbido
Bem no pé duma das cruzes
Tinha o velho cão morrido

Tinha posto termo a vida
O maior dos lutadores
O que em sua existência
Viu o horror dos horrores
Que sem falar descobriu
Quem matou os seus senhores

O general quando soube
Da forma que o tinham achado
Mandou fazer uma cova
E nela foi enterrado
Um dos amigos mais firmes
Que no mundo foi criado

E nas mortes dos senhores
Ele afirmou ter ação
Provou que tinha amizade
Ao velho Sebastião
A morte só foi vingada
Por sua perseguição

Só não fez foi dizer nada
Mas provou por sua vez
Apontou só com a vista
O monstro que os crimes fez
Seus olhos diziam ao público
Esse matou todos três

Deitou-se encostado às cruzes
Que tinham edificado
Tinha morrido há três dias
E nem sequer estava inchado
Como quem dizia: Agora
Posso morrer estou vingado

Mais de duzentas pessoas
Assistiram enterrar ele
Devido à grande firmeza
Que tinha se visto nele
Muitas flores naturais
Deitaram na cova dele

Agora vejam leitores
Quem era o velho Calar
E como Sebastião
Um dia pôde o achar
Ele tinha cinco dias
O dono ia o matar

Então o velho Oliveira
Achou ser ingratidão
Matar aquele inocente
Embora fosse ele um cão
Porém disse: A caridade
Não se faz só a cristão

E levou-o para casa
Disse à mulher que criasse
Dizendo: Pode ser bom
Algum dia inda caçasse
Quando nada da fazenda
Talvez os bichos espantasse

De fato, Calar criou-se
E era um cão caçador
Maracajá e raposa
Tinha dele tal pavor
Que passava muito longe
Da fazenda do senhor

Era o vigia da noite
Um minuto não dormia
Numa coisa que guardava
O velho cão não bulia
Só quando os donos lhe davam
Era que ele se servia

A família do Oliveira
Às vezes a conversar
A velha dizia aos filhos:
Esse cachorro Calar
Tem expressões de pessoa
Que conhece seu lugar

Em casa do dono ele
De noite nada chegava
Um bacurau que voasse
Ele se erguia e ladrava
Do poleiro das galinhas
Até coruja espantava

Como era muito bom
O dono sempre caçava
Porém a vizinho algum
A noite acompanhava
E só ia para o mato
Quando o senhor lhe chamava

Depois de terem morrido
Os senhores de Calar
O pobre cão toda noite
Ia para aquele lugar
Olhava para as três cruzes
Levava a noite a uivar

Latia e fitava o céu
Que causava pena e dó
Via sangue no capim
Ele cobria com pó
Não queria ir para casa
Passava a noite ali só

O velho Pedro dos Anjos
Vizinho de Sebastião
Achou que aquele animal
Merecia compaixão
Chamou-o para não vê-lo
Morrer sem ter remissão

O velho Pedro caçava
Toda noite com Calar
Mas ele só ia à caça
Depois que ia ao lugar
Aos pés daquelas três cruzes
Não deixava de uivar

Assim morreu o Calar
Ficou também descansado
Era um cão porém deixou
O nome imortalizado
Morreu depois de livrar
Quem já o tinha livrado

Leitor não levantei falso
Escrevi o que se deu
Acreditem que este fato
Na Bahia aconteceu
Depois de lutar então
Rolou Calar sobre o chão
Onde seu senhor morreu