quarta-feira, 2 de novembro de 2011

SOBRE UM HOMEM DE DOZE...1912.


Alfredo Paz e Zé Louro

É O NOVO!

Eu sou do tempo que a gente
Torrava café no caco
Fazia com rapadura
Que ficasse forte ou fraco
E vesti roupa tingida
Feita de pano de saco

Eu sou do tempo que o homem
Que morava no sertão
Vendia algodão na folha
Pra entregar no verão
E onde morava tinha
Três dias de sujeição

Sou do tempo do tostão
Da pataca e do vintém
Do cruzeiro e do cruzado
Do conto de réis também
Tempo que pobre comia
Feijão branco com xerém

Morei em casa de taipa
Sem assento, sem cortina
Bem distante da cidade
No claro da lamparina
Meu assento era um pilão
Meu prato era uma tirrina

Me criei sem disciplina
Sem lições e sem tarimba
Matuto chupando o dedo
Botando água em marimba
Tomando banho de cuia
Na beirada da cacimba

Sou do tempo que não era
Do jeito que agora é
Quem morava no sertão
Em Deus tinha tanta fé
Que pensava que chovia
Se roubasse um São José

No meu tempo de menino
Eu comprei erva de rato
Xarope pra macacoa
Bebi com “pílula do mato”
No tempo que se bebia
Azeite de carrapato

Atirei de baladeira
Armei fojo, armei quixó
Peguei preá, punaré
Cancão, nambu e mocó
E peguei piaba em litro
Muito mais do que socó

Montado em lombo de jegue
Com a frente para trás
Aprontando peripécias
Que muito menino faz
Que a gente só deixa quando
Vai se tornando rapaz

Puxei roda, imprensei massa
Nas famosas farinhadas
Que começavam cedinho
Ainda na madrugada
Cabra no cabo do rodo
Com a roupa toda suada

Calcei cavalo-de-aço
Sapato do bico chato
Calça da boca de sino
O cabra ficava um gato
Conquistava qualquer moça
Fosse da rua ou do mato

Eu sou do tempo do bumba
Da rabeca e concertina
Do bota pó, tira pó
Da titia vitalina
Do tempo que se usava
No cabelo a brilhantina

Eu sou do tempo em que filhos
Aos pais pediam a benção
Com disciplina e respeito
Até lhes beijavam a mão
E o terço em família era
Rezado por devoção

Sou do tempo da meizinha
Feita por mamãe querida
Do leite do gergelim
Mastruz na água fervida
Que afastava para longe
Doença na nossa vida

Eu sou do tempo que não
Havia cesariana
Mulher morria de parto
No sertão toda semana
E se assava toicinho
Pra tira-gosto de cana

Eu sou do tempo da valsa
Da mazurca e do xaxado
Das histórias de trancoso
E do dinheiro enterrado
Que sertanejo arrancava
Em lugar mal-assombrado

Houve um tempo que eu queria
Aprender jogar sueca
Meu irmão tinha um ioiô
Minha irmã tinha boneca
E eu, além de magro e feio
Calça pegando marreca

Alpargata de cabresto
A calça de suspensório
A novena era rezada
Na frente do oratório
No tempo que se falava
Das almas do purgatório

A brincadeira do grilo
De cobra-cega e anel
Roupa engomada no grude
De mescla Santa Isabel
Do tempo do aluá
Chouriço e sarapatel

Era muito bom a gente
À noite brincar na ola
Usando um par de quinaipo
De pneu, tachinha e sola
E comprar pra namorada
Tijonho e mariola

Eu me lembro que cachimbo
Mamãe chamava pitó
Muita gente tinha medo
De alma e de catimbó
E menino, todo dia
Apanhava de cipó

Eu vesti roupa de cáqui
Usei perfume tabu
Calcei sapato polar
Sandálias de couro cru
Alpargata de pneu
E joguei rifa no lu

Armei mundé, peguei peba
Atirei de lazarina
Peguei cancão de arapuca
Botei gás em lamparina
E joguei bola de meia
No tempo da vaselina

Quem é que não tem saudade
Do tempo da bulandeira?
Do “Xote da Carolina”
Do cordel cantado em feira
Do velho engenho de pau
Da canção “Mulher Rendeira”

Eu me criei no sertão
Com batata e jerimum
Manga verde, melancia
Rapadura e canapum
Hoje estou bom e bonito
Sem ter problema nenhum

Papai, com roupa de cáqui
Mamãe, com saia godê
Meu cigarro era “Princesa”
“Globo”, “Eldorado” e “BB”
No tempo de “seu menino”
“Seu fulano” e “vosmicê”

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