sexta-feira, 11 de novembro de 2011

UMA CRÔNICA DO OFTALMOLOGISTA UCHOANDRO COSTA UCHÔA...


Crônica de um João Ninguém


Doutor Jonas Alencar era um médico à moda antiga. Tinha qualidades que são um pouco raras hoje em dia: pontual, atencioso, amava sua profissão, ético, escutava os seus pacientes. Aos 65 anos, 38 deles dedicados à oftalmologia, ainda ia diariamente ao seu consultório. Sempre na hora. Nos últimos 05 anos começou a perder um pouco de estímulo com a sua profissão. Estava triste. A baixa remuneração que os planos de saúde pagavam por seu trabalho quase que o obrigava a ter que atender um maior número de pacientes para manter o consultório aberto. Mas ele resistia. Agendava somente um paciente a cada meia hora para fazer uma consulta que ele considerava decente. Seus colegas diziam que ele tinha que se adaptar às mudanças, que 30 minutos para uma consulta era inviável. E era! Entretanto ele fazia o que achava certo.

Era mais um dia normal, com exceção que era o aniversário de 01 ano de sua primeira neta, Júlia. Toda a família estaria lá e eles pediram que ele não se atrasasse para a festa. Chegou para trabalhar à tarde, como de costume 15 minutos antes do primeiro paciente que estava agendado para as 14 horas. Olhou sua agenda e pressentiu um problema: os 03 últimos pacientes eram da mesma família. Raramente, quando isso acontece, eles chegam no horário marcado. Ele começou o seu atendimento e tudo transcorreu bem, até que o relógio marcou 17 horas, hora que o primeiro paciente da bendita família deveria ser atendido. E nada. Meia hora de espera e nada. Ele pediu para que a Sra. Kátia, sua secretária há 20 anos, ligasse para saber se eles viriam. “Tamo chegando”, foi a resposta. Às 18 horas entram os três no consultório, a mãe e dois filhos. Educadamente, Dr. Jonas cumprimenta-os. Pergunta como eles estão. Inicia uma conversa:

- Quem indicou vocês para mim?

- O meu filho procurou no livro do plano de saúde e gostou do seu nome. Como é o seu nome mesmo doutor? Perguntou a mãe.

- Jonas. Respondeu ele, não acreditando que alguém fosse se consultar sem saber o nome do médico.

- Pois é Dr. João, eu vim aqui para fazer exame de vista.

- Tudo bem. Mas me chamo Jonas.

Iniciou o exame da mãe. Ela logo alertou a ele:

- Detesto exame de vista. Deveriam inventar alguma coisa mais moderna.

- Concordo. Disse o médico, sem querer entrar em choque com a paciente.

No meio do exame, subitamente surge um som alto e depois alguma coisa parecida com uma música:

“Eu queria um homem prá dar lipo e silicone, eu queria um homem prá dar lipo e silicone”.*

Era o celular da paciente que tocava. E o pior: ela atendeu! Dr. Jonas esperou pacientemente ela terminar a conversa. Finalizou o seu exame. Depois examinou os filhos, interrompido várias vezes pelo refrão: “eu queria um homem prá dar lipo e silicone” que depois ficou ele sabendo que era a música de uma famosa banda de forró, embora ele não considerasse aquilo um forró. Após terminar o exame do segundo filho, ela diz:

- Dr. João, queria te pedir um favor. Você poderia dar uma “olhadinha” no meu pai? Ele está com um problema no olho, mas ele não tem plano...

Dr. Jonas, que não era médico de dar “olhadinha” em ninguém, fez o exame completo no pai. Sem cobrar. “eu queria um homem prá dar lipo e silicone”, tocava insistentemente o celular da mulher. Despediu-se dos quatro.

- Você é João de que? Perguntou a mulher

A pergunta foi encoberta pelo som de “Vai Safadão” vindo do telefone celular de um dos filhos.

- Perdão senhora, não entendi a pergunta.

- O seu nome é João o quê?

- João Ninguém! Respondeu calmamente o médico

Falou aquilo, pois era como ele se sentia, um João Ninguém. Saiu do consultório, agradeceu a Sra. Kátia todos os anos de dedicação. Deixou avisado que estava se aposentando.

- Por quê? Perguntou a secretária.

- Porque eu não sei mais como praticar essa Medicina.

Foi para a festa de sua neta. Com sorte ainda chegaria a tempo de ver o assoprar das velinhas.

Um comentário:

  1. Olá,

    Estou sem poder me comunicar:

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    poemar705@hotmail.com


    escritavertiginosa@gmail.com


    Lúcia Helena

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