Um homem tinha dois filhos.
Certo dia, um dos filhos olhava pela janela, enquanto tomavam o café da manhã, que era um rico café da manhã. Rico porque tinha cuscuz com queijo, leite fresco, bolo de milho, bolo de batata, tapioca com leite de coco, que era especialidade da mãe, manteiga-da-terra e coalhada e queijo-coalho, além do café puro e quente, que era especialidade do pai, que o preparava antes de todos acordarem, como todas as manhãs.
O filho que olhava pela janela disse com voz firme:
- Vou embora.
O pai aquiesceu e disse:
- A terra não quer te largar.
- Não quero cuidar de porcos, nem de vacas, nem de galinhas… – continuou o que disse que ia embora, sem olhar para trás, sem ouvir o pai. – Quero ver o mundo, as cidades, as torres, os monumentos…
O irmão do que disse que ia embora ficou mudo. Tomou seu café como todas as manhãs a observar a mãe, em silêncio de mãe, a ajuntar as coisas do outro, a arrumar suas malas, a engomar suas roupas, a dar-lhe conselhos, a benzer-lhe e a rezar-lhe.
O que disse que ia embora abraçou a mãe e dirigindo-se ao pai disse com voz firme:
- Vou embora. – o cachorro humilde abanou-lhe o rabo e ele nem viu. – E foi.
- A terra não quer te largar. – balbuciou o pai.
O outro filho, o que ficou, passou a trabalhar em dobro ao lado do pai e da mãe, cuidando de porcos, da vaca e de galinhas, o que não eram muitos, mas era o sustento da família. E debulhavam o feijão-verde que plantavam na vazante e que dava o ano inteiro. Colhiam o milho verde na época das festas juninas, época de quadrilhas, aluá, fogueiras e folguedos, e divertiam-se e agradeciam a dádiva da terra à Santa, quando participavam da quermesse da Paróquia na Festa da Padroeira. E a terra lhes dava de tudo mesmo. E quando, no auge da seca, o Ipê se vestia de amarelo, redobravam-lhe a esperança, e resistiam e sorriam. E cavaram poços porque a água era escassa e construíram barragens para irrigar a terra. Padeceram com a canícula atroz e rejubilaram-se com a chuva abundante que transformava a caatinga em paisagens verdejantes. À tardinha, quando o sol tingia o céu,manchado de matizes magníficas, por detrás da serra azul, desenhando nuvens de cores fabulosas, sentavam cansados, lado a lado, com os olhos fitos no horizonte:
- Esse ano o inverno vai ser bom – dizia o pai.
- Jesus Cristo seja louvado – benzia-se a mãe.
A noite chegava e a serra azul sumia no horizonte. Só se enxergava o manto de estrelas a debruçar-se sobre o sertão. O vento soprava forte nas palhas dos coqueiros anunciando um outro dia muito mais bonito.
O outro filho, o que foi embora, embriagou-se com as terras alheias e perdeu-se em orgias sem fim. E viu palácios magníficos, torres fabulosas, edifícios que tinham mil anos, pontes inimagináveis, aprendeu várias línguas estrangeiras e falava e ouvia nelas as histórias de outros povos e aprendia as lendas que não lhe diziam respeito. Viu quando o espetáculo da neve deixou um manto branco e reluzente sobre as cidades e sentiu o frio setentrional. E estupefato, viu a aurora boreal. Comeu manjares exóticos, frutas de outros cheiros e sabores e bebeu, bebeu, bebeu até não ter mais sede. Seus olhos se encantavam e se embriagavam mais e mais com os países estrangeiros e quanto mais o tempo passava, mais ele se embriagava e perdia-se em orgias infernais. Cada dia era um dia que se perdia dentro dos seus olhos de tanto ver.
Muitos e muitos anos se passaram. E quando do encantamento das orgias se sentiu saciado, quando os olhos se cansaram de ver, quando não havia mais monumentos, nem palácios, nem torres, nem edifícios, nem pontes que não tinham sido vistos, decidiu voltar. E voltou.
O pai, a mãe, o irmão, a esposa e os filhos estavam na varanda na hora do pôr-do-sol. Receberam-no com alegria e ele, estrangeiro e cheio de bagagens, sentou-se como um visitante em breve passagem. Trazia consigo mil histórias e milhares de fotos e centenas de bugigangas estrangeiras que não tinham nenhum valor.
Achou tudo pobre e pequeno.
- Não imagina o que perdeu irmão! – falou com voz estrangeira – Vi coisas magníficas! E você? Ficou aqui neste fim de mundo e não viu nada! Vi palácios e pontes milenares e monumentos!
- Eu também vi coisas magníficas! – disse o que ficou – quando eu e nosso pai trabalhávamos no roçado, vimos pequenos brotos que nasciam nas pedras. Um milagre! A terra seca e o sol causticante não lhes impediram de brotar! E quando sentávamos cansados na varanda para ver o pôr-do-sol, surgiam-nos, por trás da serra azul, castelos e torres magníficas nas nuvens e matizes de cores inimagináveis! E uma vez eu e nosso pai construímos uma pequena ponte sobre o rio, que você sabe, fica no pé da serra azul. Foi um trabalho árduo e nos divertimos muito! Até hoje está lá, servindo para muita gente passar quando o rio está cheio.
- Aprendi muitas línguas estrangeiras! – disse o que foi.
- Nosso pai fala com os porcos e com a vaca e ela nos entende. Quando falamos para o cachorro, ele ouve. E a nossa mãe, você mesmo sabe, comunica-se com as galinhas e sabem o que elas querem. Isso não é falar em muitas línguas?
- Com certeza, de certa forma. E a neve? É uma coisa fantástica! Você nunca viu a neve!
- Não imagino nosso sertão com neve. Deve ser muito bonito. Mas vi coisa mais bela do que a neve! É quando, em plena seca, o ipê fica todo amarelo e deixa embaixo um tapete de flores amarelas…um espetáculo impressionante!
- Conheci muitas pessoas nos países estrangeiros. Conheci mil mulheres!
- Quanto a mim, conheci uma só mulher e a amei desde que a vi. Ela é maravilhosa e carinhosa e com ela tive filhos que são o tesouro de nosso pai. Precisa ver a felicidade de nossa mãe rodeada de netos!
O pai, já velhinho, ouvindo tudo aquilo, disse ao filho que chegou:
- Fica conosco? Ajudaremos a construir uma casa aqui do lado. Já estou velho e cansado e seria mais um braço para ajudar teu irmão na lida diária. E quando for de tardezinha pode sentar com a gente na varanda para ver o pôr-do-sol.
O viajante olhou para a serra azul. Era tão simples! Não tinha o topo coberto de neve como nos países estrangeiros. Mas o céu era o céu mais bonito que já tinha visto. Não se comparava a nenhum outro. Era de um azul tão profundo, vasto, sem nuvens. Tirou os sapatos e pisou na areia. Sentiu o cheiro de café fresco. Sentou-se ao lado do pai e do irmão e apertou-lhe as mãos. Estava de volta.
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