sábado, 11 de fevereiro de 2012

UMA PÉROLA DE CARLOS EMERENCIANO TRANSCRITO DO BLOG CALANGOTANGO...


CINEMA

Por Carlos Emerenciano*

“Bandido bom é bandido morto”. “Morreu? Menos um”. “Pena de morte já”. São frases que comumente ouvimos, após ocorrerem fatos violentos que obtenham ampla cobertura da imprensa. Fatos que costumam desencadear reações em série, principalmente em tempos de divulgação instantânea, via internet. Basta que alguém, com visibilidade social, repercuta certa ideia - por mais absurda que venha a ser - para que outros a incorporem, passando-a adiante, sem a mínima ponderação. Busquemos, então, lições cinematográficas que nos auxiliem a refletir.

Toda essa ebulição em torno do tema me faz lembrar do discurso de Marco Antônio, em “Júlio César” de Shakespeare. Recomendo assistir ao filme homônimo de 1953, adaptado da peça. Trata-se de uma das mais bem realizadas adaptações da obra do dramaturgo inglês. Dirigido por Joseph L. Mankiewicz (“A malvada”/ All about Eve, 1950; “Um americano tranquilo”/ The quiet american, 1958; “Cleópatra”/ Cleopatra, 1963), o filme, de elenco renomado, traz um jovem Marlon Brando no papel de Marco Antônio.

Voltemos à história: após o assassinato de Júlio César, a turba saúda os conspiradores como heróis, por terem lhe devolvido a democracia. Isso até as palavras do grande tribuno interpretado por Brando, diante do corpo inerte do General romano. Ele inicia exaltando repetidamente as qualidades de Brutus (James Mason), até então festejado pela massa, “... E Brutus é um homem honrado”, mas direciona o seu discurso no sentido de que as pessoas reflitam sobre o legado de César (Louis Calhern), tido por aqueles que o mataram como ambicioso e deturpador dos valores republicanos.


Pacientemente, o hábil orador reverte a percepção dos presentes, insuflando-os contra os conspiradores, entre eles Brutus. Sem perder, porém, a humildade: “... eu não vim para roubar seus corações. Eu não sou um bom orador como Brutus. Sou um homem simples e direto, que amo os meus amigos”. Resultado: ao final do discurso, a massa, ensandecida, sai à caça dos antes festejados heróis, para vingar a morte de César.

Não pensem que ocorre de maneira diferente nos nossos dias. Com os fantásticos recursos tecnológicos e com o arsenal de informações que nos é disponibilizado, desistimos, muitas vezes (preguiça), de refletir sobre os fatos sociais com a devida ponderação e somos levados ao sabor do vento, da mesma forma que a plebe romana era levada, de um extremo a outro, por hábeis oradores. Terreno fértil para os que almejam um recrudescimento excessivo das leis penais, defendendo, entre outras medidas, a adoção da pena de morte.

Isso não quer dizer, caros leitores e leitoras, que eu discorde de qualquer proposição que, eventualmente, torne mais rigorosa a lei penal e a sua aplicação. Apenas não aceito a panaceia de que reside aí a solução para reverter o processo de violência crescente que vivenciamos. Nem parece que “Dos Delitos e das Penas (1764)”, obra-prima de Cesare Beccaria, esteja prestes a completar 250 anos. O autor fulminava com a existência da pena de morte e de práticas como a tortura na obtenção de provas. Defendia um sistema que não se alicerçasse na vingança como objetivo maior da pena, o que acaba, convenhamos, por reduzir o Estado a mero executor de caprichos humanos.

Lembrem-se, portanto, antes de aderir a esses arroubos, que o filósofo, jurista e literato italiano nos ensinou, com propriedade, que "a perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade". Palavras que poderiam muito bem se aplicar à sociedade brasileira: a violência, meus caros, alimenta-se da impunidade!

Desse modo, todas as vezes que alguém fala em pena de morte, lembro das lições de Beccaria para não me deixar levar pelo discurso fácil. Recorro, também, a um belo filme: “Quero viver!” (I want to live!, 1958). Baseado em fatos reais, a obra dirigida por Robert Wise (“Amor sublime amor/ The west side story, 1961; “A noviça rebelde/ The sound of music, 1965), conta a história de Barbara Graham, uma mulher que seria, certamente, taxada de “perdida” pela nossa sociedade. Já tendo no seu “curriculum” uma condenação por perjúrio e prestes a perder a guarda de seu filho por abandono, Barbara, em brilhante interpretação de Susan Hayward (Oscar de melhor atriz), foi acusada de assassinato. E todos os indícios (reais ou forjados) apontavam no sentido de que aquela mulher era realmente a autora do crime.

A plateia sabe, todavia, que a personagem é inocente (apesar da vida desregrada e dos muitos erros que havia cometido) e passa a compartilhar do seu drama. Barbara se mostra desesperada pela proximidade de ser condenada e punida, injustamente, com a pena máxima (uma das atuações marcantes da história do cinema). O filme constitui, nesse sentido, um libelo e um grito de socorro a todos: não se arrisquem a sacrificar, no altar da arrogância e da precipitação, pessoas inocentes.

*Carlos Emerenciano - Apreciador de um bom filme, dividirá com os leitores suas impressões sobre cinema todas as sextas-feiras.
Twitter: @cemerenciano
e-mail: aemerenciano@gmail.com

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