Um folheto de Minelvino Francisco Silva
HISTÓRIA DO BICHO DE SETE CABEÇAS
São três coisas neste mundo
Que eu dou todo valor:
Mulher bonita, dinheiro
E um homem lutador,
Que, com a sua razão,
Seja um herói vencedor.
Como aqui eu vou contar
A história de um guerreiro,
Que andava pelo mundo
Como simples forasteiro
E venceu diversas lutas,
Mas nunca foi desordeiro.
Era um soldado espanhol
De muita disposição,
Com vinte anos de praça,
Seu nome era Simeão
E nunca entrou numa luta
Que não ganhasse a questão.
Era forçoso, sadio,
Ligeiro e muito animoso.
De todo o destacamento,
Ele era o mais corajoso
Já chamavam Simeão
O ferro do criminoso!…
Porque qualquer criminoso,
Que fosse mais valentão,
O delegado mandava
O soldado Simeão,
Porque dum jeito ou de outro,
O tipo ia pra prisão.
Esse soldado, em Madri
Era por todos falado,
Pelos atos de bravura
Que ele havia praticado,
Mas vivia desgostoso
Por não passar de soldado.
Divisa nunca pegou,
Não se sabe nem porque,
Ora, pois ele sabia
Ler, contar e escrever
E, por não ser promovido,
Sofria seu desprazer.
E, ele por causa disto,
A sua baixa pediu:
Entregou a sua farda
E outra roupa vestiu,
De todos os colegas
Contente se despediu.
Um e cinquenta de saldo
Foi o que ele retirou
E disse: — Eu vou pelo mundo
Ver tudo que Deus criou
Vou procurar minha sorte
Onde o acaso deixou…
Um sargento, muito amigo,
Gostava de Simão.
Lhe disse: — Toma esta espada
Como gratificação
Pois vai sair pelo mundo,
De fato tens precisão.
Simeão, agradecendo,
Sua viagem seguiu;
Abraçou-se com o sargento,
Saudoso se dirigiu.
Pôs a espada na cinta
Sem mais demora partiu…
Um e cinquenta centavos
Foi o saldo que tirou.
Três pães de duzentas gramas
O moço logo comprou.
Pelo mundo, sem destino,
No momento viajou.
Chegando muito adiante,
Encontrou-se com um velhinho.
Este pediu-lhe uma esmola,
Porque andava sozinho,
Morto de sede e fome.
Naquele longo caminho.
O moço tirou um pão,
Ao velho ofereceu.
O velho foi recebendo,
Nesse momento comeu.
O moço ainda deu água,
Ele bastante bebeu.
O velho, comendo o pão,
Matou a necessidade,
Agradeceu ao rapaz
De muito boa vontade
Em nome das três pessoas
Da Santíssima Trindade.
Simeão seguiu viagem
No mundo, sem companhia,
Sempre chamando por Deus
E a Santa Virgem Maria,
Para lhe mostrar a sorte
Rogava assim noite e dia.
Muito adiante, outro velho
Ele tornou encontrar.
Este pediu-lhe uma esmola,
Que ia pra não aguentar
De tanta fome e de sede,
Estava para se acabar.
O moço compadeceu-se.
Tirou do saco outro pão,
Foi entregando ao velhinho
Que estava ali no chão.
Deu ainda um copo d’água
De todo o seu coração.
O velho comeu o pão
O copo d’água bebeu.
Em nome de Deus Eterno,
O velho lhe agradeceu.
Simeão, com mais coragem,
Sua viagem rompeu.
Ficou apenas um pão,
Para seguir a jornada.
Dizia ele consigo,
Naquela tão longa estrada:
— O pouco com Deus é muito
E o muito sem Deus é nada!
E assim seguia ele,
Com toda disposição,
Com sua espada na cinta,
Uma cabaça na mão,
Com o bornal dum lado
E com Deus no coração.
Mais tarde, no moço deu fome
Ou vontade de comer.
Tirou o pão do bornal,
Por esta forma a dizer:
— Só eu comendo um pouquinho,
Que assim não posso romper!
Meteu a mão no bornal.
Assim que tirou o pão,
Que ia levando pra boca,
Logo que fez a menção
Vinha chegando um velhinho
Apoiado num bastão.
O velho disse: – Meu filho,
Pelo santo amor divino!
Dê-me um pedaço de pão,
Que sou pobre peregrino
E vou aqui pelo mundo
Sofrendo assim, sem destino!
Ele aí pegou o pão
Ao velhinho entregou.
O velho o agradecendo,
A Deus por ele rogou.
Simeão um copo d’água
Ao mesmo velho ofertou.
O velho disse: — Meu filho,
Nada tenho para te dar,
Mas vou te dar esta vara,
Pois dela vais precisar
De um perigo tremendo
Ela pode te salvar!
Dum inimigo qualquer,
Você se vendo agredido,
Bata com esta varinha
No agressor atrevido,
Que ele rolará no chão,
Para sempre adormecido.
O moço foi recebendo.
Agradeceu ao velhinho,
Que estava no deserto
Morto de fome, coitadinho.
Abraçou-se com o velho,
Seguiu o mesmo caminho.
Adiante, em Simeão,
A fome foi apertando.
Ele só via o bornal
Dum lado ele pesando.
— Mas que peso será este?
Ficava o moço pensando.
Todo o pão já se acabou,
Simeão assim pensava,
Porque era que o bornal
Daquela forma pesava?
Isto aqui tem um mistério,
Ele calmo imaginava.
Ele andava e o bornal
Continuou a pesar.
O moço disse: — Eu agora
Preciso é descansar
E também este bornal
Eu preciso examinar!
Sentou-se ali numa pedra,
Botou o saco no chão
E, quando olhou no bornal,
Estava cheio de pão.
Simeão, quando foi vendo,
Ficou quase sem ação.
Depois de cinco minutos,
Começou ele a comer,
Dizendo: — Deus que me deu
A fim de me proteger
Agora vou comer pão,
Até a barriga encher!
Ele, que estava com fome,
De repente se sentou.
Duma vez comeu os pães
Nem um só deles deixou.
Bebeu um copo de água
E no mundo viajou.
Simeão, daí avante,
Toda hora, todo dia,
Nunca mais faltou o pão
Na hora que ele queria -
Quanto mais tirava pão
Mais seu bornal enchia.
Também a cabaça d’água
Não precisava ele encher:
Cheinha se conservava,
Para Simeão beber.
De onde vinha essa água
Ninguém podia saber.
Ele prosseguiu viagem,
Rasgando a mata sombria.
Um dia, pela manhã,
Às oito horas do dia,
Ele errou a sua estrada
Perdeu-se na travessia.
Entrou num velho carreiro,
Que adiante acabou.
Disse ele: — Agora sim,
Agora foi que acertou!
Eu aqui, neste deserto,
Sem saber pra onde vou!
Era cinco horas da tarde,
Simeão viu fumaçar
Assim, num grande baixio.
Ele se pôs a olhar:
Viu uma pequena casa,
Foi de perto examinar.
Ali, naquela choupana,
Residia um feiticeiro
Desse deserto, era ele
O maior catimbozeiro,
Que na sua mocidade
Fora o pior desordeiro.
Estudou anos e anos
Somente a negra magia,
Devido seus predicados
Na arte da bruxaria.
Encantava-se, porém
No mundo nunca morria.
Fazia mil e cem anos
Que aquele ancião
Morava ali na montanha,
Só fazendo assombração -
E, porque não falecia,
Começou a virar dragão.
Tinha os olhos encarnados,
Tinha rabo de pavão,
Nasceram-lhe duas asas
E um enorme esporão,
A língua com sete pontas,
Na cauda grande ferrão.
Qualquer vivente perdido,
Que na montanha passava
Já se chamava comido,
Porque o bruxo o pegava,
Levava para a cabana
E logo o estrangulava.
Simeão chegou na porta.
Assim que o monstro avistou,
Tomou um susto tão grande,
Que depressa recuou
Foi puxando sua espada,
Ao grande monstro enfrentou.
Simeão, que viu o monstro,
De asa, esporão e rabo,
Tendo na cauda um ferrão
Pontudo como um quiabo,
Disse consigo: — Eu agora
Encontrei-me com o diabo!
O monstro, que viu o moço
Em sua porta chegar,
Com um pulo de repente,
Viu ele se retirar
Partiu pra cima do moço,
Querendo o estrangular.
Simeão, que já estava
Com sua espada na mão,
Enfrentou de peito a peito
Esse terrível dragão.
A serra deu um estrondo,
Só quando ronca o trovão.
Dava o monstro revoada,
Para agarrar o rapaz.
Ele batia a espada
Naquele monstro voraz
Grossas faíscas de fogo
Chamuscavam os matagais.
A espada do mancebo,
Quando no monstro batia,
Naquelas escamas férreas,
Virava o gume e tinia
Só dum martelo na safra
O tinido parecia!
Mais de hora pelejaram.
Simeão, já bem cansado,
Conheceu que seria mesmo
Pelo dragão devorado,
Mas lembrou-se da varinha
Que o velho tinha lhe dado.
Pegou a dita varinha
Com toda disposição,
Empurrou dentro da boca
Do monstruoso dragão,
Que ele tirou um berro
E caiu morto no chão.
Simeão bateu a vara
Com toda a força e vigor
Na cabeça do dragão,
O monstro devorador.
Foi saltando um cão de fila,
Sem outro superior.
Foi dizendo: — Meu senhor,
Eu vim aqui lhe ajudar
O que deseja que eu faça?
Querendo pode mandar!
Simeão disse: — Este monstro
Acabe de estraçalhar!
Naquele mesmo momento
Que Simeão ordenou,
O cão agarrou o monstro
Num momento estraçalhou.
O moço, daí avante,
Mais um pouco se alegrou.
Simeão seguiu viagem
Naquele grande deserto
Com seu cachorro de lado,
Bonito, grande e esperto.
Saíram numa rodagem
Que havia ali muito perto.
Ele aí se contentou
E rumou sua viagem
Com sua espada e o cão.
Não lhe faltava coragem -
Seguiu bastante animado
Naquela longa rodagem.
Simeão, nessa viagem,
Comida não lhe faltava,
Porque aquele cachorro
Diversas caças pegava
E o pão de seu bornal
Cada vez mais aumentava.
Água também não achava
Na enorme travessia,
Mas o moço Simeão
Bem comia e bem bebia
Quanto mais tirava água
Mais sua cabaça enchia…
Deixemos por um momento
O grande herói Simeão,
Com o seu lindo cachorro
E o grande espadagão.
De outro reino estrangeiro
Quero dar definição.
O Reino das Aventuras
Era de muito valor.
Claris de Souza Brandão
Era o seu governador,
Como rei daquele tempo
De todo o mundo senhor.
Rei Claris, naquele reino,
Era bastante bondoso,
Compadecido dos pobres,
Pois era bem caridoso,
Seguia a religião,
Amava a Deus Poderoso!
Rei Claris tinha três filhas,
Brancas, coradas, bonitas -
Aquelas jovens formosas
Tinham o brilho das pepitas,
Comparavam-se em beleza
Com três estátuas benditas.
Todos daquele reinado
Viviam mesmo à vontade:
Ali só reinava paz
E grande prosperidade!
Os habitantes da terra
Gozavam tranquilidade.
Mas tem um certo ditado,
Aqui o transcrevo assim:
Não há bem que sempre dure
Nem mal que não tem fim
Quando a gente está no bom,
Deve esperar o ruim.
Apareceu nesse reino
Um grande monstro assombroso.
Do cimo de uma serra,
Aquele monstro espantoso
Devorava os habitantes
Como um dragão furioso.
Aquele monstro terrível
Não se pode comparar:
De casco de tatu,
Os dentes como jaguar
E tinha sete cabeças
Ninguém o podia matar!
Tinha cabeça de burro
E o queixo de cavalo,
Tinha os olhos de serpente.
Ninguém podia matá-lo
Não tinha homem no mundo.
Pra resistir seu abalo!
O monstro, quando gemia,
Se via o mato torcer,
Com um grande furacão
De fazer estremecer,
Via casa desabar,
Gente cair e morrer!
O rei mandava a polícia,
Pra esse monstro matar.
Quando a polícia ia perto,
Quando via o monstro berrar,
Pasmava toda de medo,
Nada podia arrumar.
O bicho sete-cabeças
Naquela hora chegava.
Achava os guardas no chão,
De um a um devorava
Quem fosse atrás desse bicho,
Com vida mais não voltava!
O rei mandava o exército,
Um enorme batalhão,
Armado a faca e fuzil,
Pistola, rifle e canhão,
Pra matar aquele monstro,
Terror de todo cristão.
Seguia todo o exército,
Para ver se o matava,
O bicho sete-cabeças,
Mas, quando ele avistava,
Ia abrindo as sete bocas
E logo se preparava.
Os soldados, prevenidos,
Não escutavam razão:
Disparavam seus fuzis,
Metralhadora e canhão
As balas pegavam nele,
Caíam frias no chão.
Os canhões, ao detonarem,
Naquela grande quebrada,
O bicho sete-cabeças,
Como uma fera assanhada,
Partia em cima, engolia
Aquela grande granada.
As granadas dos canhões
De modo algum explodiam:
Quando o exército atirava,
Que as granadas caíam,
Do bicho sete-cabeças
As granada engoliam!
A bala que atiravam,
Quando no monstro acertava,
Tinia que só um sino
E de banda deslizava.
O bicho pra cima deles
Cada vez mais avançava.
Com sete bocas abertas,
O monstro ia avançando.
Pegava sete soldados,
Nas línguas ia enrolando,
Com as patas, quatro, cinco
Guardas ia machucando.
Era uma luta horrorosa
Com esse bicho enfezado:
Só se via o tiroteio,
Defunto por todo lado -
De toda a tropa que ia,
Não escapava soldado!
Agora vamos voltar
A falar de Simeão,
Que vai naquele deserto
Com sua espada e seu cão,
Viajando pelo mundo,
À toa, sem direção.
Simeão, naquela estrada,
Nada a ele atrapalhava:
Com feras brutas, selvagens,
Ele sempre se encontrava,
Porém o grande cachorro
Toda fera estraçalhava.
Chamava-se Vence-Tudo
O cachorro de valor,
Que não respeitava tigre,
Nem leão devorador
Que matava um por um,
Pra defender seu senhor.
Um dia, o moço arranchou-se
Debaixo dum arvoredo.
Com pouco, vinha um leão,
Rugindo lá do lajeado,
Que até grilos saltavam,
Zumbindo de grande medo!
O rastro de Simeão
Vinha o bicho farejando.
Chegando no arvoredo,
Assim que foi avistando
Ele deitado, dormindo,
Pra cima foi avançando.
O cachorro Vence-Tudo
Estava de prontidão:
Deu um pulo e agarrou
No pescoço do leão.
Travou-se uma grande luta,
No meio da escuridão.
Foi uma luta esquisita,
Fortes moitas derrubando.
O moço estava dormindo,
Depressa foi se acordando,
Foi puxando a espada,
Já saiu tudo cortando.
Um rolo feio formou-se,
De fazer assombração
Esse cachorro agarrado
Na garganta do leão.
Simeão aproximou-se,
Com sua espada na mão.
E foi pegando na cauda
Daquela fera assanhada,
No meio da escuridão.
Aí, botou-lhe a espada,
Que lascou logo a cabeça.
Com uma só cutelada!
O leão caiu, morrendo,
E o cachorro soltou.
Simeão voltou pro rancho.
Chegando lá, se deitou;
Seguiu a sua viagem,
Quando o dia clareou.
Viajou tranquilamente.
Quando foi à tardezinha,
Chegou em uma cidade
Denominada Matinha.
Simeão se hospedou
Na casa duma velhinha.
Ele então, com a velhinha,
Entrou em conversação.
A velha lhe perguntou,
Com bastante educação,
O que andava fazendo
No mundo, sem direção.
Ele disse: — Minha velha,
Devido à necessidade
Que ando aqui pelo mundo,
Sofrendo adversidade
Para ver se um dia encontro
A minha felicidade!
Fui soldado muito tempo
E nada pude arranjar
Aborreci a tal farda
Saí no mundo a penar,
Atrás da felicidade
Um dia hei de encontrar…
O meu tempo na caserna
Bem direito trabalhei,
Fui bastante obediente,
Nada ruim pratiquei
Um cruzeiro e alguns centavos
Foi o saldo que tirei.
A velha disse: — Meu filho,
Preciso te avisar:
Não siga daqui à frente,
Vá para outro lugar,
Que o bicho sete-cabeças
Arrisca te devorar!
— Aonde existe esse bicho?
Simeão lhe perguntou.
— No Reino das Aventuras,
A velha assim explicou.
O povo todo do reino
Sete-cabeças matou.
No Reino das Aventuras
Esse dragão infernal
Comeu, dum dia pra outro,
Metade do pessoal
Só falta comer o rei,
Com a família real!
Ninguém no mundo se arrisca
Salvar o rei, no reinado,
Porque o bicho horroroso
É um dragão encantado
Quem for salvar o monarca
Será também devorado!
Simeão lhe disse: — Eu irei
Até lá, nessa cidade!
Vou ver o bicho valente,
Se briga mesmo em verdade
Vou cortar todas cabeças
Para salvar a Majestade!
A velha disse: — Meu filho,
Tome este conselho meu:
Não vá lá nesse reinado,
Quem lhe avisa sou eu!
Quem vai nesse reino luta
Quem luta ali já morreu!
Disse Simeão: — Eu vou,
Não há quem diga que não!
Quero lutar com o monstro,
Para ver se ele é durão
Quero cortá-lo em pedaços,
Deixá-lo morto no chão!
E se despediu da velha,
Isto sem haver demora.
Disse a velha: — Vá com Deus
E a Virgem Nossa Senhora!
Ele viajou cantando,
Sorrindo na estrada a fora.
O bicho sete-cabeças
Estava lá no reinado,
Devorando os habitantes
De todo o reino e condado
Faltava comer o rei,
Que vivia amedrontado.
O rei, com toda a família,
Vivia numa prisão,
Pra não serem devorados
Presos num grande alçapão,
Morrendo de fome e sede,
Com medo desse dragão.
O bicho sete-cabeças
Com seu instinto do mal,
Um dia disse: — Hoje vou
Ao palácio imperial
Vou comer rei e rainha
E o resto do pessoal.
E, no dia da promessa,
Que o bicho viajou
Ao palácio imperial,
Simeão também chegou.
Com sua espada e o cão,
Com o dragão se topou.
O rei, de lá do palácio,
Ouvia o bicho esturrar,
Via a terra estremecendo,
A parede se abalar.
Todos baixaram as cabeças
E começaram a chorar.
Simeão foi encontrando
Esse monstro renitente,
Com cabeça de leão,
De burro, jegue e serpente.
Simeão disse: — Eta, peste!
Vou te quebrar todo dente!
Você, aqui neste reino,
Devorou toda a nação,
Já comeu toda a polícia,
De soldado a capitão,
Porém hoje come ferro,
Que eu me chamo é Simeão!
O monstro disse: — Guerreiro,
Está com ar de loucura
Sozinho vem me enfrentar?
É a maior desventura!
Para tirar minha vida,
Não existe criatura!
Porque sou filhos dos montes
E neto da serrania,
Sou irmão gêmeo da selva,
Sou primo da demasia,
Sou pai da noite de escuro,
Colega da tirania!
Sou primo carnal do ódio,
Sobrinho da maldição,
Sou amigo da vingança,
Minha mãe é a traição,
Sou eu o pai da mentira
Meu nome é Contradição!
Disse o moço: — Se prepare,
Porque não temo inimigo!
Chame todos seus parentes,
Para vir brigar comigo!
Mas lhe aviso: cuidado
Com minha espada no umbigo!
O bicho foi ao rapaz,
Roncando com danação.
Simeão com a espada
E Vence-Tudo em ação,
Que pulou valentemente
Bem na goela do dragão.
O moço partia em cima
Do guerreiro lutador,
Ele metia a espada
Sem ter medo nem pavor,
O cão tirava pedaços
Do monstro devorador.
O monstro dava rugidos,
Fazia a terra abalar
E dizia pra o rapaz:
— Agora vou lhe pegar!
Inteiro vou lhe engolir
Sem precisar mastigar!
Dizia o moço: — É mentira!
A luta hoje é pesada!
Cuide em si, porque comigo
Você não arranja nada
Te arranco as setes cabeças,
No gume de minha espada.
O bicho partiu a ele,
Ele a pé firme esperou.
Deu-lhe um golpe de espada,
Uma cabeça rolou
Somente com seis cabeças
O bicho apenas ficou.
O monstro deu um gemido
Que fez o mundo abalar
E disse pra Simeão:
— Agora vou lhe pegar!
E partiu pra cima dele,
Já querendo o devorar.
O rapaz, com sua espada,
Que a pé firme esperou,
Deu outro golpe certeiro,
Outra cabeça voou.
Ficou só cinco cabeças
Para o moço melhorou!
O cachorro Vence-Tudo
O mordia horrivelmente,
Mas o monstro nem ligava
Aquele cão renitente.
Simeão deu outro golpe
No pescoço da serpente.
Arrancou outra cabeça
Do monstro, sem compaixão.
O monstro deu outro berro,
Que chegou a tremer o chão,
E partiu cego de raiva
Para pegar Simeão.
Já só tinha três cabeças
O monstro devorador.
Simeão batia a espada
Com toda força e vigor,
Para matar o dragão,
De todo o povo o terror.
O moço deu outro golpe,
Que foi bem aproveitado:
Um pescoço da serpente
Logo foi decapitado,
Caiu no chão se bulindo,
Saltando desesperado.
Faltavam duas cabeças
Para acabar de matar,
Porém o moço, cansado,
Não podia mais lutar,
Nem manejar sua espada
Estava pra não aguentar.
O cachorro lutou lento
Com essa fera voraz,
Que já estava cansado,
Não podia morder mais
Se dava um pulo pra frente,
Dava outro para trás.
O bicho sete-cabeças
Nessa hora aproveitou
Deu uma grande risada
E desta forma falou:
— Agora aqui, meu guerreiro,
Vou lhe mostrar quem eu sou!
As cabeças já cortadas
Ligeiro foram saltando,
No corpo do grande monstro
Depressa foram emendando.
Partiu pra cima do moço,
Com seu instinto nefando.
Simeão, muito cansado,
Sem poder se defender,
Nem sua possante espada
Ao menos podia erguer.
Da vara que o velho dera
Ele tornou se esquecer.
O bicho sete-cabeças
Pra cima dele marchou
Com a boca escancarada,
Mas o rapaz se lembrou
Da vara que o velho deu
E velozmente puxou.
O bicho, com as sete bocas,
Para pegar Simeão,
Simeão bateu a vara
Bem na boca do bichão
O monstro deu um gemido
E caiu morto no chão.
Simeão caiu também
Cansado pra se acabar.
Depois de trinta minutos
Que pôde descansar,
Pegou a sua vara mágica,
Foi acabar de matar.
O restante das cabeças
Ainda ali se bulia
O moço batia a vara,
Toda cabeça morria.
O cão também, nessa hora,
Bastantemente mordia.
Depois o moço seguiu
Pra o palácio imperial.
Depois que tinha matado
O monstro descomunal,
Queria apertar a mão
Da majestade real.
Chegando lá no palácio
Ali na porta bateu
Encalcou na campainha,
Ninguém ali respondeu
Esperou quinze minutos
E ninguém apareceu.
O rei, que ouviu o rapaz
Na grande porta bater,
Pensou que era o dragão
Que ia pra lhe comer
Todos ficaram com medo,
Em tempo até de morrer!
O moço tornou a bater,
Mas ninguém ali saiu.
Que ali havia gente
Logo o moço pressentiu
Por uma corda que tinha
Pelo telhado subiu.
Foi destelhando o palácio,
A grande corda amarrou,
Foi descendo pela corda
E, quando embaixo chegou,
O monarca teve um choque
Tão grande, que desmaiou.
Príncipe, rainha e princesa
Caíram ali sobre o chão,
Todos eles desmaiados,
Sem tomar respiração
Quando avistaram o rapaz,
Pensaram ser o dragão.
Simeão, nesse momento,
Com a maior brevidade,
Embalançou e chamou
Sua real majestade
Que ele não era o monstro
Que devorava a cidade.
O rei, bastante nervoso,
Do solo se levantou.
Simeão contou o caso
Do modo que se passou
Que deu cabo do dragão
E a todo povo salvou.
O rei ficou muito alegre,
Teve uma coragenzinha
Foi levantar as princesas
Os príncipes e a rainha,
Que já estavam esperando
A sorte triste e mesquinha.
Disse o moço ao monarca:
— Saiba vossa majestade
Que o bicho sete-cabeças,
Em toda esta cidade,
Nunca mais come ninguém,
Pois o matei de verdade!
O rei disse: — Vamos lá,
Que quero ver o dragão!
Dali seguiram eles dois,
Chegaram lá: o bichão
Estava todo cortado,
Como sebo pra sabão.
O monarca admirou
Daquele moço matar
O bicho sete-cabeças,
Terror daquele lugar,
Que ia tropa e mais tropa,
Sem nada mesmo arranjar.
Disse o rei pra Simeão:
— Como não posso pagar
O favor que você me fez
De minha vida salvar,
Dou-lhe agora minha filha,
Pra com ela se casar!
Dali voltaram ao palácio,
Naquele mesmo momento.
Disse o rei: — Tenho três filhas
Com muito contentamento,
Escolha aí a mais linda,
Que faço seu casamento!
O moço logo escolheu,
Pela sua opinião,
Uma linda princesinha
Que teve toda afeição
Chamava-se essa jovem
Geni Gonçalves Brandão.
Aí correu a notícia
Daquele caso passado
Que o monstro horripilante
O moço tinha matado,
Ia casar com a princesa,
Herdeira desse reinado.
Ali foi grande alegria,
Por todo canto, geral,
Porque o moço matou
O monstro descomunal,
Ia casar com a filha
Da majestade real.
Afluiu a multidão
De toda parte do mundo,
Para assistir ao casório
Do primeiro sem segundo,
Que matou o grande monstro
Naquele abismo profundo.
Celebrou-se o casamento
Com muita satisfação,
O povo soltava fogos,
Nos ares grande balão,
Em regozijo ao herói,
O valente Simeão!…
Depois de dois ou três dias,
A festa ali, terminou.
E certo dia, à tardinha,
Aquele velho chegou
O que lhe dera a varinha
E a ele cumprimentou.
O velho disse: — Meu filho,
Eis tua felicidade:
Casado com a princesa
A filha da majestade!
Ele disse: — Meu velhinho,
Aqui estou à vontade!
— Você sabem quem sou eu?
Fez o velho indagação.
— Não, senhor! lhe disse o moço.
Sei que é um ancião.
Disse o velhinho: — Eu sou Deus,
O Autor da Criação!
Eu sou aquele velhinho
A quem, na estrada, tu davas
A esmola benfazeja
Do pãozinho que levavas
Até o pão derradeiro
Com dó de mim tu doavas!
Assim dizendo, o velhinho,
Naquela bendita hora,
Despediu-se do rapaz,
Isto sem haver demora
Elevou-se no espaço
Clarão igual ao da aurora!
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