POR NEWTON SILVA.
Zé de Zefinha era um cabra feio que só a peste! Era mais feio do que a palavra Teje Preso. O povo dizia que o cabra era tão feio, que quando nasceu, a parteira ia jogando o desgraçado no lixo. Preguiçoso feito o cão, passava o dia entre uma coisa e outra que a mãe mandava fazer e o fundo de uma rede na varanda do quintal, enfiando peido em cordão. Ele não trabalhava, não tinha amigos e de tão feio que era sequer tinha namorada. Pra dona Zefinha, a mãe dele, não. Ele era feio pro outros. Pra ela, podia até ser meio malamanhado, mas era bonito que só.
- Feio é a fome. – dizia ela.
A mãe de Zé, dona Zefinha era dessas mulheres fortes, virada na gota serena, trabalhadeira. Num abria nem prum trem carregado de lenha. Era devota do Padim Ciço e de Nossa Senhora das Cabeças e ainda tinha um pé no terreiro de macumba do Pai Chico de Zeza. Mas gostava mesmo era de um mexerico. Andava sempre desconfiada, agoniada, vendo visagens, resmungava de tudo e de todos e escutava nas paredes as conversas dos vizinhos, corria atrás dos cachorros, espantava as galinhas e as moscas da cozinha.
- Mamãe, se aquiete! – gritava de dentro da rede, o feioso – Deixe de ligar pra vida alheia! Um dia a senhora vai ter um troço! Pare de correr atrás dos cachorros do meio da rua! A senhora acabou de almoçar!
- Num se meta a besta comigo não, seu cabra! Mas num tô dizendo mermo! – respondia afobada.
A velha continuava a sua lida diária, correndo de um lado pro outro, ora gritando com os meninos dos vizinhos, ora espantando as moscas e as galinhas, ora correndo atrás dos cachorros do meio da rua que iam cagar bem na calçada onde ela estendia as roupas pra quarar.
- Esses cachorros são uns cornos iguais aos donos! – gritava a velha agoniada, bramindo um cabo de vassoura atrás dos bichos, esperando que os vizinhos dessem conta, doida pra começar um bate-boca. E era assim, dia após dia.
Não é que um dia a velha teve um troço? Numa dessas desavenças com os vizinhos por causa dos cachorros, começou a se tremer e a babar. Desabou feito um fardo no meio da rua, causando infernal alarido. Ainda teve tempo de gritar pro filho, com a língua trôpega:
- Acode, imprestável! Tô istoporando, fi duma égua!
Correu foi todo mundo pra ver a velha se estrebuchando no meio da rua. Os cachorros latiam, os meninos vaiavam, os vizinhos se apressavam a acudir a afobada dona Zefinha. O filho dela tinha ido buscar umas coisas na feira, a mando dela e só chegou na boca da noite, mais melado do que espinhaço de pão doce, por que além de feio, o infame gostava mesmo era de molhar a goela.
- Corre, Zé! A tua mãe teve um passamento e tá lá toda tesa, arriada na rede! Corre senão tu num pega ela viva! Vai, malamanhado!
- Ôxente! Bem que eu disse pra ela se aquietar! Ai meu Deus! – correu desengonçado, tropeçando nos caçuás, caindo por cima das galinhas, o que resultou no maior alarido do povo do meio da rua, vaiando e fazendo troça com a cena grotesca e cômica.
- Pra que tu bebe, nojento! Acode tua mãe, feladaputa! – gritava um.
- Além de feio é todo malamanhado! – dizia outro.
- Vai, cara de buceta! Papangu! – gritava em coro, os meninos do meio da rua.
Quando Zé entrou no quarto, viu a mãe entrevada na rede e correu esbaforido e trôpego. Tava mais bebo do que um gambá. Ao lado da rede já estavam o padre e o pai-de-santo, pra encomendar a alma da infeliz.
- Mãezinha! Mãezinha! – choramingou sacudinho a velha. Tacou um beijo na testa da dona Zefinha e ato contínuo, destrambelhado, desabou por cima da rede, arrancando dos ganchos da parede e jogando a velha com tudo no chão, por cima da penteadeira, voando caco de tudo por todo lado.
- Égua! – gritou o padre – Agora matou de vez!
- Dona Zefinha! – correu o pai-de-santo – Valha meu São Jorge! – Essa já bateu as botas!
Qual o quê! A velha se levantou com as próprias pernas, tateando por cima do filho desacordado. O espanto foi geral, deixando o padre e o pai de santo de joelhos, abraçados! O povo desembestou porta a fora, por cima das cadeiras, atropelando as galinhas, caindo por cima do pote e dos caçuás de banana. A vaia foi geral do povo da rua e os cachorros, parecendo entender a tragicomédia, latiam como loucos.
- Ai meu Deus! Uma assombração! – gritou o padre, choramingando, agarrado nas pernas do pai de santo.
- Baba Egum! – balbuciou o pai de santo de olhos arregalados segurando forte a mão do padre.
Dona Zefinha, ainda amarelada, meio zonza, olhou com reprovação para aquela cena de destruição na sua casa. Olhou pro padre e pro pai de santo, pediu um copo d’água e falou baixo, pro povo da rua não ouvir.
- Eu fui bater no inferno!
- Que é isso, dona Zefinha! Cruz credo! – falou o padre!
- Oxossi de proteja, irmã! – Disse o pai de santo.
- Fui sim, gente, fui no inferno e voltei. Eu vi até o Cão! O capeta me lascou um beijo na testa! Senti o maior bafo de cana! Eu vi até o Cão! Ô bicho feio!
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