terça-feira, 28 de dezembro de 2010

UMA ANÁLISE DE JORNAL...

UM TEXTO DE RUY FABIANO


PRESIDÊNCIA TERCEIRIZADA

A julgar pela composição do ministério, o governo Dilma será, como se previa - pelo menos nesse seu início –, continuidade do governo Lula. E não apenas por isso: a intensa movimentação de Lula, sem precedentes para um presidente que sai, indica que ele simplesmente não sai. Continuará dando as cartas.

Os ministros mais importantes de Dilma foram indicados por ele – e com ele trabalham ou já trabalharam. Vão controlar a economia e a política. Os demais são acessórios e atendem a acordos partidários. Nada disso é casual. Em política, aliás, nada é casual.

Desde que foi eleita, Dilma Roussef deu uma única entrevista à imprensa brasileira, e mesmo assim ao lado de Lula, que falou bem mais do que ela. Não se manifestou nem mesmo quando da ocupação militar do Morro do Alemão, no Rio, apresentada como vitória exuberante do Estado sobre o narcotráfico.

Foi uma das bandeiras de Dilma na campanha eleitoral, mas quem a faturou foi Lula. É um silêncio intrigante. Há dias, Gilberto Carvalho, um dos mais íntimos colaboradores de Lula – e não por acaso futuro ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência -, fez especulações sobre o futuro do presidente.

Disse que seu retorno ao Planalto dependerá do desempenho de Dilma. Se não se sair bem, é possível que Lula volte, disse ele. E se fizer um bom governo? Absteve-se de comentar, mas é previsível que, nessa hipótese, Lula cobre sua participação.

Dilma, afinal, é uma invenção política dele. Jamais chegaria onde está sem ele. Não tinha currículo, nem apoio, nem ousadia de se lançar por conta própria. Lula primeiro a impôs ao PT, que questionou sua frágil e recente identidade com a legenda, egressa que era do PDT. Venceu com facilidade essa etapa, já que nenhum petista ousa afrontar Lula.

A etapa seguinte foi impô-la a seu eleitorado. E aí o presidente-cabo eleitoral produziu uma série impressionante de afirmações, cuja síntese, era a de que Dilma não era apenas sua candidata, mas uma emulação dele próprio. Algo na base do “Dilma sou eu”.

Chegou a afirmar que “há um vazio na cédula, pois pela primeira vez meu nome não estará lá”. E ensinou: “Onde se lê Dilma, leia-se Lula”. Com esse expediente, convenceu o eleitor menos informado – a imensa maioria – de que deveria votar na “mulher do Lula”. Dilma era assim chamada pela maior parte do eleitorado do Norte e do Nordeste, que jamais ouvira falar dela.

Em tal contexto, seria impensável que Lula simplesmente lhe passasse o bastão e fosse, como chegou a dizer (e desdizer), vestir o bermudão de aposentado e beber umas cervejas em São Bernardo.

Não há dúvida de que terá papel exponencial no futuro governo. Qual, não se sabe. E a expectativa é exatamente essa, já que não há precedente recente ou remoto de tal tutela (“nunca antes neste país”). O que se sabe é que a tradição, em política, aqui e em toda parte, é a rejeição do padrinho pelo afilhado.

Antes, porém, o apadrinhado se mune de condições políticas para alçar voo próprio. Não se sabe se Dilma poderá fazê-lo, já que não tem redação própria. É lulo-dependente até a medula. Se sua experiência como gestora é um trunfo, não é suficiente para se sair bem do cargo que ocupará.

Lula mesmo não é, nunca foi, um gestor. Governou do alto dos palanques (onde permanece). Gestor se nomeia, mas política não se terceiriza. E esse é o dado novo do futuro governo: a condução política está terceirizada. Até quando, não se sabe.

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