sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

TAL PAI, TAL FILHO...


Como se Faz um Fernando Sarney


Palmério Dória.



Papai prefere a menina; mamãe o menino – Funcionária federal graças a um Trem da Alegria – Homem da mala morre, dinheiro some, Sarney tem um troço – Caçula faz pós-graduação em Delinquenciologia no governo Maluf

Insondáveis são as razões do coração, realmente. Quando nos debruçamos sobre a folha corrida dos três pimpolhos do velho coronel, encontramos mais razões para um pai corar de vergonha do que para orgulhar-se. No entanto, o senador sempre demonstrou verdadeira devoção paterna por seus meninos, com indisfarçável xodó pela menina, a mimada mais velha dos três.

Roseana deu os primeiros passos na política em pleno Palácio do Planalto, no Gabinete Civil da Presidência da República, aos 32 anos, formada em ciências sociais, um vernizinho de esquerdista, um violão mal tocado, o apelido de Princesinha do Calhau – menção à mansão colonial na praia do Calhau, que ocupa um quarteirão inteiro de 20.000 metros quadrados, cercada por coqueiros de babaçu e um muro alto, em frente a Baía de São Marcos, em São Luis. Era onde se decidia a vida política do Maranhão. Ali pai e filha montaram suas mansões, vizinhas.

Quem entra na mansão de Sarney imagina tudo, menos uma residência. Com mania de colecionar anjinhos barrocos e outras antiguidades, chegou a retirar o portão de ferro fundido do cemitério de Alcântara, ilha tombada pelo Patrimônio Histórico, e levar para casa como peça de decoração. Quando o visitou, o ex-presidente socialista de Portugal, Mário Soares, levado à mansão, depois de algum tempo de espera, perguntou a Fernando, filho caçula do senador:

“Agora vamos à casa do presidente Sarney ?”

Pensou que estava num museu.

Duas Amigas: A Dama de Copas e a Viúva Clicquot

Vizinha do pai na Praia do Calhau, vizinha do pai no Planalto: Roseana tinha gabinete montado pertinho do gabinete do pai presidente. Comportava-se como se estivesse na própria casa.


Bocuda. E debochada. Mal chegando às bordas do poder federal, ela presenciou o encontro em que o deputado Cid Carvalho, seu conterrâneo, pediu a Sarney apoio para o PMDB nas eleições de 1985. Cid foi enfático:

“Presidente, ao senhor interessa o PMDB erecto !”

Cid voltou ao Planalto semanas depois desenxabido com o fracasso de seu candidato, que não passou do quarto lugar, com apenas dez mil votos. Roseana levantou o braço de punho fechado em posição fálica:

“Então Cid ? Cadê o PMDB erecto ?”

Baixou o cotovelo e o balançou em gesto obsceno:

“Broxou ?”

Ali ela já era funcionária do Senado, graças a um truque inacessível a nós mortais comuns. Consultemos a reportagem publicada da Folha Online de 25 de março de 2009. Diz o título: “Sarney, ACM e Renan criaram 4.000 vagas no Senado”. Um trecho da reportagem:

Trem da alegria – Entre os servidores efetivo, nem todos são concursados.

Estes somam cerca de 1.200. Entre 1971 e 1984, os senadores aproveitaram para efetivar servidores por meio de atos administrativos, embora isso fosse vedado pela Constituição. A atual líder do governo no Senado,Roseana Sarney (PMDB-MA), é servidora do Senado graças a um trem da alegria de 1982, assinado pelo então senador Jarbas Passarinho.

O coronel Jarbas Passarinho prestou grandes desserviços à nação, seja como ministro da Educação da ditadura militar quando reprimiu e perseguiu estudantes e professores, seja como incentivador do Ato Institucional Nº 5, o AI-5, diante de cuja truculência mandou “as favas os escrúpulos” e apoiou com entusiasmo. No finalzinho da ditadura, serviu aos apaniguados com o ato que beneficiou a filha dileta de seu amigo José Sarney, antecipando o legítimo Trem da Alegria de 1984, do senador do PDS capixaba Moacyr Dalla, que embarcou 780 felizardos na gráfica do Senado e outros 600 nos gabinetes da Casa, entre eles a mesma Roseana, que nem morava em Brasília, mas no Rio.

“Essa moça é muito raivosa. E só tem duas amigas: a rainha de copas e a viúva Clicquot”, disse um dia o ex-governador Epitácio Cafeteira, da família dos Bules, como brincava o jornalista Stanislaw Ponte Preta.

Rainha de copas refere-se a um dos vícios, segundo Cafeteira; e Viúva Clicquot se refere a outro; é meia tradução do nome do champanha francês Veuve Clicquot.

Cafeteira, mais tarde um aliado, era então o mais popular dos adversários políticos e inimigos dos Sarney. Foi ele que em 1994, por apenas um por cento dos votos, perdeu para Roseana o governo do Estado. Ganhou folgado o primeiro turno e no segundo foi derrotado por um triz graças, segundo denúncias documentadas, a um fraude grosseira nas apurações. O que se sabe com certeza é que papai Sarney instalou-se pessoalmente dentro do Tribunal Regional Eleitoral, o TER, e de lá só saiu quando os votos para a vitória da filha estavam assegurados. Não se chama à toa “A urna do Zé” o segundo capítulo desta nossa história.

O colunista Márcio Moreira Alves, no jornal O Globo, denunciou que o próprio Cafeteira teria recebido uma fortuna para ficar quieto, aceitar a derrota (apesar de vencer por 70 mil votos) e fazer corpo mole no recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral – perdeu o prazo, e como se sabe a Justiça não socorre quem dorme. Jamais, qualquer uma das partes respondeu à gravíssima acusação de Moreira Alves.

Raivosa. Não bastasse a fraude, no início do segundo turno daquelas eleições de 1994 os jornais e a tevê do grupo Sarney começaram a divulgar que Cafeteira havia mandado matar o operário José Raimundo dos Reis Pacheco. Esse homem,acidentalmente, atropelou e matou o pai de Cafeteira em meados da década de 1980. Sentindo-se sob ameaça, sumiu de São Luis. Mas, faltando dois dias para o encerramento da campanha, a equipe de Cafeteira localizou o operário em Roraima e gravou entrevista com ele, para exibir no horário eleitoral no último dia. “Misteriosamente” , a imagem da tevê desapareceu em todo o interior maranhense. Só o povo da capital, um terço do eleitorado, viu o operário dizer que estava vivo. Isto é Roseana.

“Roseana é muito inteligente, mas não tem bom coração. Zequinha tem bom coração mas não tem inteligência. Fernando não tem nenhum dos dois”, define João Castelo, outro ex-aliado que virou adversário e, até 2009, quando era prefeito de São Luis, não havia se reconciliado.

Zequinha, “Uma Cachaça Louca”

Nem preferido da mãe, nem preferido do pai, José Sarney Filho, o Zequinha, filho do meio, é pesado de carregar. Foi Ministro do Meio Ambiente de Fernando Henrique Cardoso, e mais nada. Seu grande feito foi transferir para o seu Maranhão, governado pela irmã, nada menos de 80 por cento das verbas de sua pasta – e Roseana achou pouco. Quando viu que não vinha mais nada, e que o irmão três anos mais moço estava fugindo dela, foi até a casa dele, pegou do jardim uma pedra e atirou-a contra a porta de vidro blindex da entrada, que se espatifou. Raivosa mesmo.

Na família, não faltaram esforços para fazer o Zequinha subir na vida. Todos conhecem a história que Aderson conta e que aconteceu no ano eleitoral de l989, famoso por eleger pelo voto direto o primeiro presidente depois da ditadura militar:

“O Zequinha deveria ser o candidato a governador na sucessão do Cafeteira em 1990. Eu era presidente da Companhia de Águas e Esgotos e o Cafeteira criou o governo itinerante. A gente saía pelo interior, vários município, praças, fazia isso e aquilo. O Cafeteira praticamente obrigava o Sarney Filho a acompanhar, mas ele, irresponsável de tudo, uma cachaça louca, tinha rejeição muito grande. Não conseguia emplacar. O pai era presidente da República, o Cafeteira governador com ele debaixo do braço, o governo todo trabalhando a favor, e a rejeição dele era de 85 por cento.”

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