quarta-feira, 29 de agosto de 2012

SOBRE A NOSSA MEDICINA...


MEDICINÊS NORDESTINO – Vitor Ronaldo Costa
O doutor que é bem formado
No curso de medicina
Se vai clinicar no mato
Longe de gente grã-fina
Tem que aproveitar o ensejo
De aprender co’o sertanejo
O linguajar da rotina
O nome da enfermidade
Vale pro doutor arguto
Mas pro povo sertanejo
Não trás nenhum contributo
Por isso o doutor agora 
Vai se ligar sem demora
No “medicinês” matuto
Vamos começar dizendo
Algo pra nós sem sentido
Se o caboclo torce o pé 
E o entorce é dolorido
Pro doutor ele comenta
Que andar não mais aguenta
Pois o “pé tá dismintido”
Se a criança está calada
Quieta, murcha pelo canto
Dispensa até brincadeira
Não quer saber de acalanto
A mãe chama a curandeira
Que faz reza de primeira
Pra liquidar co’o “quebranto”
Inflamação no testículo
Deixa o cara remoído
Orquite incomoda mais
Que a maldita dor de ouvido
Mas nordestino da gema
Diz quando tem o problema
Que “tá cum zôvo doído”
Criança com diarréia
Que vomita o que ela engole
Desidrata e fica triste
Não há nada que a console
Um sinal de gravidade
No neném de pouca idade
É ter a “moleira mole”
Se a dor no final do esterno
Parece não ter saída
O matuto se entristece
Passa a noite mau dormida
Então vem a benzedeira
Reza e cura na certeira
Mal de “espinhela caída”
Quando a tosse é muito sêca
Rouca verdadeiro esporro
E o cabra quase sufoca
Grita e pede por socorro
O medicinês matuto
Logo afirma absoluto
Tá com “tosse de cachorro”
Mal que acomete o juízo
Sempre é grande desafio
O pensamento confuso
Deixa o doente arredio
Se é perturbação da mente
O caboclo diz que sente
“Farnizim no grugumio”
Se a sensação é de morte
Vista escura abafamento
Parece que o sangue some
Como por encantamento
É desmaio repentino
Que no jargão nordestino
Se entende por “passamento”
Perna curta ou machucada
Faz o caboclo mancar
De fato o dito problema
Dificulta o seu andar
Mas não se assuste se o termo
Que indique o sujeito enfermo
No sertão for “cachingar”
Quando a coriza aparece
Quer com febre ou com soluço
Deixa o matuto de cama
Sofrendo que nem pinguço
Com certeza é resfriado
E o nariz avermelhado
Arde e queima com “difruço”
Contra abcesso cutâneo 
Há quem tome jurubeba
Mas a medicina implica
Com quem se diz natureba
Se o furúnculo vem forte
O cabra culpa a má sorte
E diz que está com “pereba”
Dente siso quando aponta
Afirmo sem exagero
Incomoda e vem com dor
Provocando desespero
E o matuto sem demora
Vai pro dentista e implora
Pra arrancar o “dentiquêro”
Desarranjo intestinal
Causado por alimento
Evolui com diarréia
Gases, cólica e tormento
E assim nesse grave estado
Queixa-se o pobre coitado
Que sofre de “vazamento”
Menino com febre baixa
E sem nenhum apetite
sente dor quando mastiga
e o rosto inchado persiste
a genitora roceira
desconfia que é “papeira”
e o doutor, parotidite
Seu Mané acordou triste
Por qualquer coisa ele explode 
Fica só, todo amuado
Enroscando seu bigode
E o matuto observando 
de longe vai comentando:
Tá nervoso, “tá de bode”
Quando a ferida do pé
Permanece infectada
O sertanejo se queixa
Da “virilha” inflamada
E o caroço dolorido
Que o deixa mais que abatido
Ele diz que é “landra inchada”.
Queixa de vista inflamada
A satisfação destrói
Olho irritado e vermelho
Tem secreção que corrói
E o sertanejo proclama
Que o peão que assim reclama
Tem “sapiranga nos ói”.
O linguajar sertanejo
Gera o termo que defina
Qualquer transtorno emotivo
Ou que expresse a dor de angina
E apesar de ser sofrida
Aquela gente esquecida
Inda crê na Medicina

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