domingo, 11 de setembro de 2011

JOÃO CABRAL DE MELO NETO...

O PROFISSIONAL DA MEMÓRIA

Passeando presente dela

pelas ruas de Sevilha,

imaginou injetar-se

lembranças, como vacina,

para quando fosse dali

poder voltar a habitá-las,

uma e outras, e duplamente,

a mulher, ruas e praças.

Assim, foi entretecendo

entre ela, e Sevilha fios

de memória, para tê-las

num só e ambíguo tecido;

foi-se injetando a presença

a seu lado numa casa,

seu íntimo numa viela,

sua face numa fachada .

Mas desconvivendo delas,

longe da vida e do corpo,

viu que a tela da lembrança

se foi puindo pouco a pouco;

já não lembrava do que

se injetou em tal esquina,

que fonte o lembrava dela,

que gesto dela, qual rima.

A lembrança foi perdendo

a trama exata tecida

até um sépia diluído

de fotografia antiga.

Mas o que perdeu de exato

de outra forma recupera:

que hoje qualquer coisa de um

traz da outra sua atmosfera.

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