quarta-feira, 3 de novembro de 2010

UMA CRÔNICA APÓCRIFA...

“Depois de dominar os oceanos por quatro décadas com sua argúcia de velho lobo do mar, o Almirante Vasco Marques agora vive em sossegada reforma, ao lado da sua Rosarinho, num castelo aprazível do Bairro Alto de Lisboa. Quando a noite desce sobre a Península Ibérica, enquanto Rosarinho leva ao forno uma garoupa recém pescada, o Homem do Norte (como o Almirante é conhecido na cidade do Porto) desce à adega suntuosa e mergulha na dúvida torturante: Barca Velha ou Château Margaux? O que beber no jantar? Decide-se, por fim, por um Alvarinho, perfumado e resfriado, que, em vez de constranger, vai enaltecer a garoupa.

“Navegar é o destino dessa raça!…”, diz Rosarinho, resignada ante a vocação incontornável do grande marinheiro. O comentário é feito, não por acaso, ao pé da belíssima estátua de Pedro Álvares Cabral que domina o átrio do castelo onde mora o casal. Quando fala em “raça”, Rosarinho se refere de forma ambivalente à raça portuguesa e também à raça dos homens indômitos que arrostam os perigos, os presságios e a tempestade e sabem que, depois da tempestade, vem o sossego do conhaque.

O Almirante, sem qualquer vaidade, sabe que pertence às duas estirpes. Ele compreendeu os versos de Fernando Pessoa - “Navegar é preciso, viver não é preciso” - terçando armas com um pirata armênio no tombadilho de uma escuna (antiga embarcação à vela, de mastreação constituída de gurupés e dois mastros): navegar é uma ciência exata e necessária; viver, além de ofício incerto, só é indispensável com honra. Na reforma sossegada, depois da garoupa inexcedível, nos devaneios do conhaque, o Almirante reflete que tem apenas três características que o diferenciam da “raça” portuguesa: 1) detesta bacalhau; 2) detesta pastéis de Belém; 3) detesta piadas de português. Mas sabe rir de si mesmo e considera “uma síntese da pátria” a história do alentejano que foi a Lisboa consultar o médico. Já contei no Café TVCom, e vale recordar aqui. O alentejano, aquele matuto natural do Alentejo, a região mais pobre de Portugal, foi a Lisboa para um exame periódico de saúde. Depois de medir a pressão, censurar a bebida e os charutos, o médico decidiu auscultar sua alma:

- E quanto à vida afetiva, tudo bem com o sexo?

- Uma ou duas vezes por mês - resignou-se o alentejano.

O médico ficou perplexo:

- Sóóóóóó?! Com a sua idade e a sua saúde? Que absurdo! Eu que sou muito mais velho, tenho sexo duas a três vezes por semana.

O alentejano ficou meio sem jeito:

- Pois é, doutor… Mas o senhor é médico em Lisboa e eu sou padre numa pequena vila do Alentejo!

O Almirante Vasco Marques mandou traduzir essa pequena fábula para o latim e determinou sua remessa à Secretaria Geral do Vaticano, como contribuição ao debate sobre castidade e casamento de padres.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário