sábado, 13 de novembro de 2010

Histórias da caminhada.


NA CAMINHADA - ALTA, MÉDIA E BAIXA SOCIEDADE

ALTA:

No Parque da Jaqueira.

- Bon jour!

- Este é o meu terceiro estágio antes desse objetivo. Passei na clínica médica para aferir minha pressão, verificar meus níveis de colesterol, triglicerídeo e glicêmico. Tudo sob controle. Para isso, temos um excelente Plano de Saúde. E vocês, estão bem? Eu, nem tanto. O stress do mundo Ocidental não engana ninguém.

Estamos com um probleminha em família, acreditamos ser de ordem passageira, mas incomoda. É que o meu cunhado, uma pessoa bem criada, ótima formação familiar e religiosa. Um padrão de vida financeira bastante confortável, escola de primeira classe. Agora anda envolvido com má companhia. Daí, o que se esperava: foi flagrado durante uma operação policial com dois quilos de pasta de cocaína. A droga estava dentro do seu carro, a polícia, deu ordem de prisão e o algemou na hora.

Meu esposo está aflito, afinal de contas, é sangue do seu sangue. Foi uma pressão, uma correria durante a noite toda. Muitos telefonemas para advogados, pessoas influentes na sociedade. A tarefa mais importante é abafar o caso para que não chegue a ser publicado na imprensa. Difícil. Não acredito. Falei com meu esposo que a saída poderia estar em conduzi-lo a uma Clínica de Repouso. Mas, é difícil. Logo com esse governo que aí está, colocando rico na cadeia?

Estou tensa, tenho de deixar a companhia de vocês. Vou ligar para o meu motorista vir me apanhar. Ele está sabendo de tudo. Ironicamente falou: - Calma madame, todos os mortais estão sujeitos a situações como esta. Olhando-me de soslaio com aquela sobrancelha do cão. Darei notícias, bom final de caminhada.

MÉDIA:

Campus Universitário.

- Bom dia!

- Quase que não vinha caminhar com vocês hoje. Minha pressão foi lá pras alturas. Meu colesterol está alterado. Aperreio. È aperreio em cima de aperreio. Meu marido não foi trabalhar hoje. O seu irmão mais novo foi em “cana” durante uma blitz na Vila. Ele estava dentro de um táxi conduzindo um quilo de maconha. Uma tal de: - Manga rosa. Já ouviram falar? Foi o suficiente. Algemado na hora, e levado para a prisão. Uma merda! Que mancada. Essa foi a segunda vez que ele fez essa besteira. Sabem, o cara sempre foi problema. Caçula, os pais separados, revoltado. Só podia dar nisso. Essa semana foi carregada. Cortaram a energia elétrica lá de casa, sem nenhum aviso. E fica por isso mesmo. Cadê os 11% que eles tiraram dos consumidores? Por que não pagaram de uma só vez? E o que é isso? Manda quem pode, minha filha! O meu cartão de crédito estourou. A população não dispõe mais de dinheiro nem pra comprar pão. Os grandes Supermercados engolem tudo. E nada acontece. Isso é o que? Agora acontece essa merda, e o meu cunhado sabe que não tem proteção nenhuma. O que ele fez foi muito menos do que fazem os cartões de créditos com o bolso do consumidor.

O caso já deu no jornal. A rua está cheia. A fofoca tá comendo no cento. Meu marido não tem a mínima condição de contratar um advogado, nem de porta de cadeia. Ele conhece um vereador, mas vereador além de não ter cacife pra isso, não iria se meter nessa onda. Já falei para o meu marido: teu irmão vai mofar na cadeia. Que horas tem? Vou-me embora, além do mais, daqui a pouco a parada de ônibus vai estar lotada, e eu ainda vou buscar o meu netinho na escola. Tô sem crédito no celular. Outro roubo, ou não? Darei notícias pra vocês, através do orelhão. Até logo, rezem por mim.

BAIXA:

Na Mata do Uchôa.

- Mulé, quase que eu não vinha hoje medir passadas com vocês. Meu coração está quase pulando pela boca. Fui me receitar no posto médico. Cheguei de madruga para pegar uma ficha. O rapaz que vende o papelzinho, “fura fila”, lavrou porque avisaram que os home tava querendo pegá-lo. Pracabar de acertar, o Doutor falou que eu estava com o sangue grosso, cheio de gordura e, pelos sinais, melado de açúcar. Sofrimento. Sofrimento! Tu achas mulé, açúcar porra nenhuma! Eu pisei foi em rastro de corno. E o Doutor médico ainda disse que eu tinha porque tinha de andar uma hora por dia, sem parar. Depois, ele veio com uma conversa pra eu deixar de comer cuscuz. Quase que eu respondia: e a mãe Doutor, vai deixar de comer cuscuz também? Mas como sou uma pessoa educada… Nem deixo de comer cuscuz, nem o quarentinha.

O macho lá de casa, passou a noite mordido e sem dormir. Não foi nem pro trampo. Ele já amanheceu com os pentei na goma. Deram o flagra no irmão dele na favela, com trinta pedras de crack na cueca. Meia-noite mais ou menos. Os home deram o baculejo e caiu mei mundo de gente. Grampo minha irmã, cana dura na hora. Essa droga ainda vai acabar com nossos filhos, se os home não tomarem de conta. Colocaram logo uma pulseira de baiano, e tacaram ele na cadeia.

Agora veja, o cara nunca deu um prego numa barra de sabão. Não trabalha, não estuda, e só anda com alma sebosa. Taí no que deu! A mãe viúva ganha um salário mínimo da pensão do ex-marido pra segurar a barra de seis pessoas dentro de casa. Aquele frango vendeu tudo que pode de dentro de casa pra comprar droga. Até o único ventilador da mãe doente. Num lugar de calor e muriçoca. Deus me perdoe, mas eu só desejo é que ele encontre aquele negão dentro da cela. Sabe de que Negão eu tô falando, né mulé?

Vou-me embora, o sol está esquentando, e eu vou a pé. Quero chegar a tempo de ver a manchete pela televisão no Programa de Cardinot, com aquele esparro todo. Até mais meninas, fiquem com Deus.

Ésio Rafael.

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