NO TEMPO DAS CARTAS SELADAS
Sou do tempo da carta enviada pelos Correios - escrita numa folha de rascunho, lida, relida, caprichosamente passada a limpo. Se a sempre pouca grana dada pelo pai para esse fim desse, a carta era escrita em papel de carta de verdade (e não em folha de caderno ou papel almaço), aquele papel de carta lindo, às vezes num papel fininho, quase transparente, com linhas em azul claro.
Perto da minha casa, na vila do IAPI, havia uma agência dos Correios. Ela ficava no térreo de um prédio que fora construído abaixo do nível da rua, e era acessada por uma escadaria arredondada que, para uma menina, parecia muito grande. A agência nada mais era que um apartamento adaptado para esta finalidade e, pra mim, era um acontecimento especial ir até lá, apesar de este “lá” ser menos de uma quadra de onde eu morava.
Era um ritual impressionante, para mim, a compra dos selos e do envelope e, mais tarde, levar a carta, passar goma arábica nos selos – a gome ficava em potinhos transparentes de vidro com um pincel, sempre lambuzados em cima de um balcão junto à janela da agência minúscula. Depois, era entregar a carta em mãos do atendente, o coração sempre aos pulos por medo de não ter feito alguma coisa certa, de ter faltgado um selo ou, pior, de ficar o envelope meio melecado por causa da imperícia em passar a talcola.
Namorar por carta também era normal, naquela época. Quer dizer – normal para uma garota de subúrbio, como eu que, mesmo já cursando jornalismo, nos começos dos anos 70 do século passado, cheguou a escrever uma carta por dia para um pretendente que conhecera em Ribeirão Preto. Onde andará Carlos Augusto da Rosa, o moço educado e carinhoso que, integrante da juventude espírita como eu, conquistou meu então romântico coração enquanto íamos de casa em casa apanhando donativos para uma campanha de caridade chamada Auta de Souza?
Foram meses de intensa troca de promessas, de confirmação de intenções que incluíam a mudança dele para Porto Alegre para selar nosso “compromisso”. De repente, o amor por escrito acabou. Era assim, também. Nem sempre, os romances por carta davam certo. Melhor dizendo, quase nunca davam certo como nos livros. Mas enquanto durou, que maravilha amar assim, sem riscos, acreditando piamente no outro, mesmo sem ver, sem tocar, tudo tão mágico! Santa ingenuidade!
Hoje, com as chamadas redes sociais, os namoros e os mais que isso são instantâneos. E se volatizam com a mesma instantaneidade. Há algo pior: graças à internet, as amizades tidas como sólidas acabam em poucas semanas, eu que o diga por estar vivenciando, mais do que eu esperava ou desejava, esse efeito colateral da web. O que não é de todo ruim, vamos ser francos. A gente termina aprendendo o que vale e o que não vale a pena em matéria de amizade, dores à parte, claro.
Há alguns anos, desde que me meti a blogueira, venho passando por experiências duras com pessoas com as quais travei conhecimento, com quem achei que tinha afinidades e, num zás, se revelam, mostrando nosso engano, provavelmente mútuo. Tem sido assim com donos de blog que nunca havia visto pessoalmente mas a quem dava créditos burramente baseada em seus textos, que se revelaram plagiadores sem caráter ou então xiitas das causas político-ideológicas.
Tem sido assim com pessoas que não eu não encontrava havia décadas, reencontrei pessoalmente graças a uma crônica publicada e que se mostraram insensíveis ou então falsas até o fundo em contatos posteriores. Tem sido assim com quem convivi, ao vivo e em cores, em outras épocas, gente que admirei e que, por causa de opiniões divergentes, se mostrou como realmente é: arrogante, vaidosa, hostil, incapaz de aceitar quem não reza por suas cartilhas e, claro, pronta a nos chamar de desequilibrados, simples casos de psiquiatria por manifestar nosso desacordo.
E há os inclassificáveis do mundo virtual, que nos chamam de todos os adjetivos negativos que seu pequeno mundo pode alcançar e, mesmo que a gente se afaste, abandone os “redutos” de conversa em comum, continuam nos caçando e nos citando, como torturadores que sentem falta de seus torturados. O twitter, em especial, que testa nossa capacidade de nos manter no fio da navalha ao emitir milhões de opiniões a zilhão por hora, está cheio destes caras.
Amo viver nesta época de internet, de mails, de redes sociais, de liberdade – para o bem e para o mal – de expressão. Mas confesso que estou ficando muito assustada e de prevenção com quem está do outro lado do teclado, o tal ser humano. A tal ponto que sinto uma saudade danada de toda a trabalheira – e a ansiedade que a acompanhava – do tempo em que eu rascunhava, passava a limpo com minha melhor letra, envelopava, subscritava, selava e enviava minhas cartas pelo postinho dos Correios daquele edifício especial na Vila do IAPI. Era um risco, sim, apostar em alguém à distância e por carta. Mas entre o envio de nossas palavras e a chegada da resposta, se curtia mais o doce sonho da pessoa perfeita.
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