sábado, 26 de março de 2011

UMA AULA SOBRE LITERATURA DE CORDEL...


João Paraibano

(Prestando homenagem à saudosa Irmã Dulce)

Essa ovelha da Bahia
Foi atrás do seu pastor,
a boca cheia de preces,
o caixão cheio de flor.
Já rezou, mas tá calada;
Foi a maior punhalada
No peito de Salvador.

Uma pessoa querida
que a Bahia não esquece,
que não gostou do pecado,
vivia de hóstia e prece.
O céu é sua morada;
Se não foi canonizada,
Todos acham que merece.

Aquela deusa tão linda
tem Jesus em companhia;
deixou o lar que morava,
partiu para a lousa fria,
que a doença sempre mata…
Se a terra não fosse ingrata,
Preservava e não comia.

* * *

Leandro Gomes de Barros

Meus versos inda são do tempo
Que as coisas eram de graça:
Pano medido por vara,
Terra medida por braça,
E um cabelo da barba
Era uma letra na praça.

* * *

Raimundo Cassiano

Eu entrei no hospital
Já quase no fim do dia
Ali falei ao doutor
Na mesa de cirurgia
Mexam no meu coração
Mas me deixem a poesia!

* * *

Severino Feitosa

Admiro a mocidade
Não querer envelhecer
Velho ninguém quer ficar
Novo ninguém quer morrer
Sem ser velho não se vive
Bom é ser velho e viver.


* * *

Mocinha de Passira

A gemedeira é um gênero
Da nossa dualidade.
Eu vou gemer com prazer,
Você geme é com saudade,
Pois tá perto da velhice
Ai, ai, ui, ui
Só lembra da mocidade.

* * *

Ugolino do Sabugi

As obras da Natureza
São de tanta perfeição,
Que a nossa imaginação
Não pinta tanta grandeza!
Para imitar a beleza
Das nuvens com suas cores,
Se desmanchando em louvores
De um manto adamascado,
O artista, com cuidado,
Da arte, aplica os primores.

* * *

Cego Aderaldo

Todo passarinho canta
quando vem rompendo a aurora
só a pobre mãe-da-lua
quando canta, logo chora…
assim eu faço também,
quando meu bem vai embora.

* * *

Minervina Ferreira

Se quer partir vá , sujeito
Eu fico no nosso abrigo
Só uma coisa eu lhe digo
Se voltar eu não aceito
Cada um tem o direito
De buscar sua melhora
Mas se surgir a piora
Procure um outro lugar
Não pense que eu vou chorar
Porque você foi embora.

* * *

Um folheto de José Augusto

NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO

Sempre vivi aprendendo,
Aprendendo e ensinando,
Ensinando e refletindo,
Refletindo, investigando.
Assim eu fui descobrindo,
Descobrindo e perguntando.

Nada fazia parar
A vontade de querer,
De querer e querer mais,
Querer sempre mais saber
Do mundo e coisas do mundo
Aprender e se prender.

Até que um dia eu
Aprendi ser professor,
Professor da juventude
Que tem muito pouco amor
A vontade de estudar
Que me causa até pavor.

Mas sabe como é aluno,
Às vezes é preguiçoso,
Desligado e remanxão.
Em outras é curioso,
Insistente, inteligente,
Persistente e buliçoso.

E pra ninguém duvidar
Que o futuro da nação
Pertence a todo estudante
Hoje um levantou a mão
Lá num cantinho da sala
E disse: – Me diga ou não!?

Professor, você já sabe,
Das novas leis da gramática?
Lubrifiquei a goela
Tentei responder com tática
E disse que eu já sabia,
Essa foi minha didática.

– Meu amigo, Otaliano,
Essas coisas de linguagem
É pisar pisando espinho,
Pois qualquer ‘erro’ ou bobagem
O preconceito linguístico
Atacará nossa imagem.

E fique você sabendo
Que já entrou em vigor
As novas leis da gramática
Para alinhar professor,
Aluno, juiz, político,
Escritor e promotor.

Mês um de 2009
Em Angola e Portugal;
Em Brasil e São Tomé;
Timor-Leste, Guiné-Bissau,
Moçambique e Cabo Verde
A língua ficou igual.

Mas eu fico imaginando:
Essas cabeças de ar
Por capricho ou por política
Invés de descomplicar
Fazem tudo, tudo fazem…
Para a linguagem travar.

E assim quando não dão
Um nó na língua falada
Enrola mais a escrita
Tornando-a mais engessada,
Conservadora, sem asa…
Até mesmo mais pesada.

Já que o recreio chegou
Na volta eu explicarei
Regra por regra a vocês.
Ao voltar me deparei
Com todos os estudantes
Querendo a primeira lei.

– Pois bem! Saiu o acento
Das palavras: assembléia,
De jiboia, paranoia,
Tipoia, joia e ideia.
E sendo ditongo aberto
Se foi também de plateia.

Das palavras paroxítonas
Desapareceu também
O acento de taoismo,
Feiudo, feiura sem…
Afetar sua pronúncia
Nem a língua de ninguém.

Buliram com outro acento
Que vai dar dor de cabeça
Em cavalo manco até,
Até que restabeleça
Ponto por ponto a ideia,
Ou suba e desça e esqueça.

Esse acento é dito e visto
Como diferencial,
É pra diferenciar
Pôr de por que é um casal
Que tem desigual sentido
E pronúncia bem igual.

Também veja Otaviano
Como foi mesmo tirado
De pára – forma verbal –
O acento consagrado
Deixando igual para a para
E muito mais enrolado.

Péla do verbo pelar
Ficará sem seu acento,
Com igual grafia à pela
Do fechado casamento
Da preposição co’o artigo,
Sem causar constrangimento.

E fica com seu acento
Pôde verbo no passado.
Conjugado no presente
Pode fica carimbado
Sem acento pra não ter
Estudante embaralhado.

O acento circunflexo
Não será usado mais
Nas palavras de grafia
Com “ôo” e seus “derivais”:
Abençoo, voo e magôo;
Corro, perdoo e demais.

E também saiu de “êem”
O acento circunflexo
Das palavras leem, descreem,
Deixando menos complexos
Os verbos ver, crer, ler, dar
Que me deixavam perplexo.

O trema tremeu, caiu
Do nosso vocabulário,
Deixando o “ü” sem véu,
Sem trabalho e inventário
Do grupo que, qui e gue, gui
Que fez esse comentário:

– Sem trema e mesma pronúncia:
Sagui, sequestro, frequente,
Benguê, tranquilo e linguiça.
Logo atrás vem eloquente
Louco me dizendo: – Trema,
Não tem mais quem aguente.

Por fim, falarei da última
Das regras gramaticais
Imposta pra ser seguida
Dos sertões as capitais,
Dos países já citados
De vidas tão desiguais.

O hífen não tem mais uso
Quando seu prefixo finda
Em vogal e a segunda
Palavra começa ainda
Com as letras S ou R
Duplicada sem berlinda.

Assim como em contrarregra
E antirreligioso.
Contrassenha e minissaia
Ficaram até gostoso
De se ler e declamar
Sem me deixar cabuloso.

Também não se usa o hífen
Quando o prefixo termina
Com vogal e outra começa
Outro termo que destina
Uma vogal diferente
Seja aqui ou na esquina.

Como em autoaprendizagem
E neopetropolitano,
Seguidos de autoestrada
E depois euroafricano.
Também em autoeducação
O hífen foi pelo cano.

Mas regras têm exceções,
Veja em super-resistente,
Onde o prefixo termina
Com R e R presente,
E no vocábulo seguinte
Tem hífen regularmente.

Olhou-me Otaliano
E disse-me prontamente:
– O acordo teve também
Um pulsar inteligente
Botou W, K e Y
No alfabeto da gente.

Disse-te: – Tu tens razão,
Do nosso cotidiano
Essas letras fazem parte
Como em Franklin, frankliano,
Byron, Darwin, sexy, show,
Byte, Kuwait e kuwaitiano.

Quando a aula terminou
Uns gostaram da didática,
Alguns acharam melhor
Do que química e matemática,
Outros saíram dizendo:
– Assim aprendo gramática.

E ficaram estudando,
Aprendendo e refletindo,
Refletindo e descobrindo
Descobrindo que a linguagem
Não é uma maquiagem
Pintada pela gramática
De cara e visão estática,
Presa na língua do povo
Feito um passarinho no ovo
Sem canto, encanto e didática.

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