domingo, 20 de março de 2011

STANLISLAW PONTE PRETA...CRÔNICA...

A moça e a varanda - Sérgio Porto

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Quem dobrasse à esquerda encontraria logo o portão. Abrindo-os, estaria no jardim - modesto jardim, onde outrora houvera uma roseira que morreu de solidão. Do jardim saía a alameda das samambaias que daria acesso à varanda. Em dias de domingo - que os havia plenos de luz e de azul - já a meio caminho, entre as samambaias, um ouvido mais familiarizado conosco, os de lá, poderia distinguir facilmente os risos da gente. Ríamos muito, naquele tempo.
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Da varanda, que dizer? Algumas cadeiras de vime, a mesinha que tinha um pé mais curto que os outros e dois jarrões, um em cada canto, cujas plantas (nunca lhe soubemos o nome) davam umas florzinhas amarelas e cheirosas no mês de abril, para contrariar o outono.
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A entrada era uma apenas, pela direita, subindo-se a escada de mármore de três degraus. O resto da varanda era rodeado pelo patamar onde havia, no centro, uma jardineira. Depois que o último de nós ficou mais crescido e menos travesso, ali floriram gerânios.
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Hoje, quem me vê diz que eu já morei numa casa onde as cotovias faziam ninhos. Deus não me deixa mentir. No telhado da varanda, durante anos e anos, elas se hospedavam, para alegria nossa e inveja dos outros garotos da redondeza. Quando, pela primeira vez, falou-se em demolir a casa para constuir o prédio feio que lá está até hoje, meu primeiro pensamento foi para os ninhos das cotovias.
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Vejam só que menino puro o mundo perdeu!
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Os grandes dias da varanda eram os já citados domingos, quando toda a família se reunia para alegres almoços. Dessa época restam somente dolorosas fotografias.
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Já as grandes noites vieram mais tarde, quando Luisinha se certificava que ninguém a seguira pela alameda das samambaias ("Foi o vento, Luisinha, que balançou as folhas.") é que vinha o primeiro chamar de "meu bem", o primeiro beijo, morno beijo que nunca devia ter esfriado.
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No dia em que ela não veio, pensei uma porção de vinganças impossiveis e votei-lhe um ódio de morte que durou quase um minuto. Era a decepção que sempre nos deixa o pecado irrealizado, logo apagada pela idéia de que não nos faltará tempo para pecar. De fato, na outra noite - hora de sempre - lá veio ela, fugindo de uma sombra para outra, para enganar o irmão. Nesse encontro nos juramos uma eterna fidelidade amorosa e fomos mais dramáticos em nossas palavras, gestos, atitudes.
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Pra quê, Luisinha? Seguisses o juramente e eu te enganaria, não o seguindo, como o fizeste, enganaste-me primeiro, para confessares depois. Choraste então, e eu também chorei sem nenhuma convicção.
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Vejam vocês que rapaz fingido o mundo consertou!
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Num mês de abril, de 1947, demoliram a varanda. Eu vi. Parado na rua, lá da calçada em frente, esperei que os operários derrubassem o último tijolo da última parede e voltei para o apartamento com a sensação de que, dentro de mim, algo também fora demolido.
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Quanto a Luisinha, resistiu mais tempo, deixou-se demolir aos poucos. Foi preciso mais do que um simples dia de abril, foi preciso toda uma mocidade para deixá-la tal como ontem a vi.
Vocês nunca saberão que excelente moça o mundo estragou!
Sérgio Porto

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