terça-feira, 22 de março de 2011

SOBRE POLÍTICA...

UM TEXTO DE RUY FABIANO


ARRUDA E SEUS AMIGOS

Em política, a verdade é quase sempre relativa: depende das circunstâncias, do ponto de vista e dos interesses em jogo. Por isso mesmo, é personagem rara, volátil, virtual.

Só costuma se apresentar de forma mais nítida e palpável em casos extremos, quando quem a revela nada tem a perder. É o caso, por exemplo, de José Roberto Arruda, primeiro governador preso no exercício do mandato, por razões capituladas no Código Penal.

Filmado recebendo, em 2006, um maço de dinheiro de Durval Barbosa, então secretário do governador Joaquim Roriz, foi banido da cena política. Muitos foram filmados em igual situação, mas só ele preso, pois solto desfaria provas, ocultaria testemunhas.

Desde então, vive o calvário dos enjeitados, ignorado por antigos aliados, gente que auxiliou, inclusive com dinheiro, enquanto no cargo. Somente agora, em entrevista a Veja on line, Arruda rompe o silêncio. E o faz, como era de se esperar, de maneira contundente.

Se outro mérito não tem, expõe as vísceras do quadro político-eleitoral brasileiro. Não há propriamente novidades. Roberto Jefferson, no seu livro “Nervos de Aço”, que trata do Mensalão do PT, é bem mais detalhado. Mas Arruda tem a vantagem da síntese.

Eis o trecho inicial, que vale por um tratado sociológico:

“Infelizmente, joguei o jogo da política brasileira. As empresas e os lobistas ajudam nas campanhas para terem retorno, por meio de facilidades na obtenção de contratos com o governo ou outros negócios vantajosos. Ninguém se elege pela força de suas ideias, mas pelo tamanho do bolso. É preciso de muito dinheiro para aparecer bem no programa de TV. E as campanhas se reduziram a isso.”

O jogo é este: os financiadores das campanhas são posteriormente ressarcidos por negócios especiais com o governo. E os eleitos tornam-se despachantes desses interesses, governando não para os eleitores, mas para os que os financiaram. Um círculo vicioso que torna o Estado uma entidade privada.

Cabe aí lembrar, mais uma vez, o diagnóstico de Dom Pedro II, ao abrir uma reunião ministerial, em 1870: “Todos os males da política brasileira decorrem do modo como são feitas as eleições”.

Lá se vão 141 anos e, não obstante a mudança de regime (monarquia para república), partidos, governos e séculos, a essência não mudou. Mudam as moscas, mas não o esterco.

As comissões de reforma política da Câmara e do Senado, até aqui, não visualizaram nada que efetivamente ofereça uma saída para os impasses. O financiamento público não evitará o quadro descrito por Arruda. Não impedirá o caixa dois. José Serra, em recente artigo, sugeriu a adoção do sistema distrital misto, que barateia a campanha e aumenta a representatividade.

Associada a mudanças no uso do horário gratuito (que já é uma forma oblíqua de financiamento público, já que a Justiça Eleitoral paga às rádios e televisões pelo tempo cedido aos partidos), pode estabelecer alguma diferença. O tema, porém, não consta da pauta.

O horário gratuito tornou-se um clipshow, que exige gastos milionários com produtoras, diretores de estúdio, atores, locutores, marqueteiros, empenhados em tornar os candidatos produtos palatáveis ao eleitor-consumidor. Some-se a isso o gasto com pesquisas e tem-se a medida de um orçamento eleitoral inacessível sem o concurso de expedientes esotéricos.

Além do custo, há algo pior: quanto mais pirotecnia, menos nítidos o candidato e suas propostas. O ideal seria não permitir no horário gratuito nada além do candidato, suas ideias, microfone e câmeras. Pode ser mais chato – e é -, mas é mais real. Política está longe de ser entretenimento.

Essas mudanças iniciais, porém, nem sequer constam das prioridades das comissões de reforma política da Câmara e do Senado, até aqui preocupadas com questões bizantinas para o eleitor: voto em lista, financiamento público e uma “janela para a infidelidade”, para garantir a troca de legenda pelos políticos.

A comissão de reforma política da Câmara anunciou esta semana que ouvirá “entidades da sociedade civil” pela enésima vez. A CNBB, claro, é uma delas. Com todo o respeito, o que os bispos católicos dirão que já não tenham dito? Talvez fosse a vez de ouvir os pais de santo, os budistas ou os espíritas.

O que se constata é que não há vontade de reformar coisa alguma. O dilema persiste sendo o de que é improvável que os beneficiários de um sistema se disponham a mudá-lo.

Arruda já foi defenestrado, mas seus amigos continuam. Os mensaleiros do PT retornam ao cenário: João Paulo Cunha preside a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e Delúbio Soares, o tesoureiro do Mensalão, deve ser reintegrado ao partido.

“As penas não podem ser eternas”, argumenta o líder petista Cândido Vacarezza. De fato, sobretudo quando sequer existiram. O Mensalão, convém lembrar, ainda não foi julgado. Detalhes.

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