terça-feira, 3 de agosto de 2010

PASSÁRGADAS...AS DUAS FACES DA MESMA MOEDA...
















Manoel Bandeira

Vou-me embora pra Passárgada
Vou-me embora pra Passárgada


Vou-me embora pra Passárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Passárgada

Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Passárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Passárgada





Não. Não quero ser amigo do rei e, apenas por sê-lo, me empanturrar de suas benesses, receber seus lauréus. Prefiro não tê-lo no rol de amigos e poder dormir tranqüilo, sabendo que os frutos do meu pomar são reconhecidamente saborosos na opinião de gente honesta e boa e não uma farsa mal montada. A mulher que quero já tenho e ela dorme comigo na cama que escolhemos, eu e ela, sem qualquer palpite do rei. Seus asseclas, submissos e subservientes, talvez deitem na mesma cama em que o rei eventualmente também se deita.

Não nomeio impostores, eu mesmo cuido do plantar, do regar e do colher. Não uso da influência real para corromper os provadores, degustadores, alguns pobres inocentes úteis ao rei e inúteis a si próprios. E o ‘soberano’, imponente, acima do bem e do mal, se deixa afagar, ego imenso, em banquetes fenomenais. Não me importa o julgamento se quem julga é imoral. Não pelo simples fato de ser amigo do rei, mas por ter os amigos do rei também como amigos seus. Dizer que não gosta do fruto e recomendá-lo por gostar de quem o plantou, apenas por isso, é tão imoral quanto posar de isento, justo e correto, sem sê-lo. Acho que o Rei sequer come os seus frutos, apenas recomenda-os.

Estaria estragada a erva provada por esse juiz? E quem o colocou ali para julgar os sabores que lhe são mostrados? Não, não quero ser amigo do rei e acho que ele não merece ter-me como amigo. Que Deus me dê saúde e boca para falar, gritar, denunciar a orgia do rei e de seus amigos. Adeus, Pasárgada, adeus, Bandeira, não quero e não vou ser amigo do rei. Meu sangue plebeu não me permitirá uma vaga na Corte que não seja a de Bobo. E para isso não tenho qualquer vocação. Vou-me embora pra outro lugar que não Pasárgada.

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