Job Patriota
Mesmo sem beber um trago
Sinto que estou delirando
Tal qual um cisne vagando
Na superfície de um lago.
Se não recebo um afago
Vai embora a alegria
A minha monotonia
Não há no mundo quem cante
Sou um poeta delirante
E vivo a beber Poesia!
* * *
Ivanildo Vila Nova
No sertão a tarefa é muito dura
Mas se tem a colheita, a criação
Ferramenta da roça produção
Uma rede, um garajau de rapadura
Uma dez polegada na cintura
A viola, um baú, uma cabaça
A tarrafa e um litro de cachaça
Mescla azul, botinão, chapéu baêta
Fumo grosso, espingarda de espoleta
E um cachorro mestiço bom de caça.
* * *
Antonio Marinho
Eu só fui a Espinharas
Porque a precisão obriga
Mas fui com muita saudade
Daquela nossa cantiga
Minha saudade era tanta…
Que a tosse não quer que eu diga
* * *
Diomedes Mariano
Lutar pelo bem comum,
cada qual tem seu direito,
fazer o bem é virtude,
ser triste não é defeito,
o mar dos olhos só sangra
se chover dentro do peito.
* * *
Azulão
O nordeste está tranco,
cercado por uma desgraça imensa,
uma banda já caiu,
a outra banda está pensa,
e neste grande aperreio,
sofre o nortista no meio
igual à marca na prensa
* * *
Chico Alves
Sei que nessa vida tudo continua
Nunca falta água no nosso oceano
Areia no rio, praga no cigano
Quentura no Sol, frieza na Lua
Fome no sertão, político na rua
A nossa esperança vai continuar
Mas tem quatro coisas que tem que acabar
Boca com mau hálito, bucho com ameba
Mulher sem vergonha e repentista peba
Nos dez de galope na beira do mar.
* * *
Olegário Fernandes
Eu tenho setenta anos,
Nessa vida nua e crua.
A noite eu passo em casa,
O dia eu passo na rua.
E a morte me convidando
Pra nós dois morar na lua.
* * *
Um folheto de José Pedro Pontual
As presepadas do Satanás na igreja
Quem crê na misericórdia
Da Providência Divina
Nunca cai em tentação
Nem também sofre ruína
Sendo justo para Deus
Satanás não lhe domina
E quem não crê nas palavras
Do nosso Deus criador
Não pode viver feliz
É um ente malfeitor
Que vive solto no mundo
Causando o maior pavor
Para provar o que digo
Vou contar um ocorrido
Que servirá de exemplo
A qualquer ente banido
Que profana contra as forças
Do Messias prometido
Na usina Santo Inácio
Perto da cidade Cabo
Um macumbeiro perverso
Virou-se num bichão brabo
Com o satanás no couro
Contendo esporão e rabo
Chamava-se esse ente
Antônio Pedro Morais
Ruim igualmente a peste
Matou os seus próprios pais
Maltratava Jesus Cristo
Gostava do satanás
Ele ainda era solteiro
De ruim vivia só
Era doido por um jogo
De baralho ou dominó
Dava tudo por Xangô
Vivia do catimbó
Na macumba ele fazia
Moça casar sem querer
E tendo raiva de um
Fazia o pobre correr
Latindo de mundo afora
Para quem quisesse ver
Mulher casada que ele
Pensasse um pouquinho nela
Preparava sete pingos
Das lágrimas de uma vela
Com enxofre e creolina
E botava na porta dela
Pó de cavalo do cão
Com sua feitiçaria
Tronco de jurema preta
Cuspia em cima e benzia
Qualquer mulher se entregava
A ele no mesmo dia
Tinha um molambo enrolado
Num pacote de cordão
Um esqueleto de um sapo
E um livro de oração
Uma coruja pelada
Nas garras de um gavião
Dezesseis caranguejeiras
E uma lacraia choca
Um urubu e um gato
Dentro de uma maloca
Quatro dentes da finada
Bisavó da mãe de Noca
Raspa de unha e um dente
Da víbora de faraó
A queixada de um jumento
Do tempo da sua avó
Sete espinhas de jibóia
Dentro de um caritó
A polícia o perseguia
Mas nunca pôde pegá-lo
Porque ele se envultava
Em gato, cão ou cavalo
Cegava as autoridades
E não sofria um abalo
Nunca existiu um cristão
Pra dar um tabefe nele
E nem houve macumbeiro
Para trabalhar contra ele
O que tentasse morria
Tudo tinha medo dele
Tinha um tacho muito grande
Que o satanás lhe deu
Nesse tacho cozinhava
Qualquer um preparo seu
Muito mais que Cipriano
O infeliz aprendeu
Ele tinha a oração
De Pezeta e Cafuringa
Uma caveira e uma negra
Chamada Tota do Pinga
Os olhos e a boca eram
Cobertos de pichilinga
Tinha as pestanas da negra
Verdelenga Curutuba
Um chifre de cabra preta
E um saco de curuba
E dizia abertamente:
Meu poder ninguém derruba
Dizia mais que Jesus
Para ele não existia
Era a ilusão dos bestas
Igreja era outra arrelia
O satanás para ele
Era um ser de mais valia
A força que acredito
É a de pai Lúcifer
Com ela eu devoro um
A hora que bem quiser
Desonro qualquer donzela
Descaso qualquer mulher
O cabra que me abusar
Eu lhe empesto com brocha
E sangue de gato preto
Nunca mais ele debocha
Morre roído na rua
Igual tapuru na rocha
Dizem que o padre Cícero
Pode mais que satanás
Mas é também macumbeiro
Como eu e nada mais
Cristo era o poderoso
Morreu, perdeu o cartaz
Só acredito que ele
Era bamba de primeira
Se me virasse um bicho
Daqui para quinta-feira
E fosse daqui do cabo
Até lá numa carreira
Quando ele disse isso
Viu o diabo em sua frente
Deu um rinchado tão grande
Que assombrou muita gente
Saiu danado correndo
Igual cachorro doente
Nasceu-lhe um rabo comprido
Um esporão na canela
Sua língua ficou preta
Que só fundo de panela
Assim contou-me uma moça
Que ele foi dono dela
Na carreira que ele ia
Destinou-se ao Juazeiro
Dando cada relinchado
De assombrar qualquer romeiro
Com os olhos encarnados
Que parecia um braseiro
Passou em Serra Talhada
Com o maior desespero
Numa certa encruzilhada
Mordeu um catimbozeiro
Cortou o nariz dum corno
Na estrada de Salgueiro
Adiante ele encontrou-se
Com uma mulher chifreira
Ela deu-lhe uma dentada
No cangote bem certeira
Que rasgou até os pés
Todo o couro da traseira
Na quinta-feira bem cedo
Em Juazeiro chegou
Entrou de igreja adentro
Defronte ao altar parou
Nessa hora o padre Cícero
Na sua frente ficou
Ele disse: Meu padrinho
O diabo está em meu couro
Corria o povo assombrado
Com aquele desadouro
Padre Cícero tocou nele
Com seu cajado de ouro
Padre Cícero disse a ele:
Nesta hora preso estás
Com sete correntes santas
Das forças celestiais
E dizei a que viestes
Que daqui não passes mais
Ele disse: Eu profanei
Do autor da criação
E também dos seus poderes
E vim lhe pedir perdão
Nisso vem chegando um negro
Trazendo um livro na mão
Tinha os olhos cor de fogo
Chegou montado num bode
E foi dizendo: Seu padre
Salvá-lo o senhor não pode
Porque ele me pertence
Desde os pés até o bigode
Disse o padre: Se retire
Com seu monstro vá embora
O negro lhe respondeu:
Eu não vou dizer agora
Que ainda tem mais gente
Pra eu levar nesta hora
Aqui tem mulher casada
Ajoelhada rezando
Que o chifre do marido
De grande está entortando
E eu de lá do inferno
A tudo estava anotando
Mulher de unhas de pontas
E a saia bem ligada
Os lábios da cor de sangue
As sobrancelhas raspadas
O que vem ver na igreja
Presta pra minha morada
Aqui tem tanta chifreira
Que ninguém mais dará breque
E tem homem tão chifrudo
Que dá pente, escova e leque
Que deixa a mulher sair
Para criar o moleque
Moça que não é mais nada
Aqui dentro tem também
Mulher de casas suspeitas
Aí tem pra mais de cem
E eu vim lhe reclamar
Porque essas me convêm
Com essa voz do diabo
Padre Cícero se ergueu
Mostrou-lhe um crucifixo bento
O moleque estremeceu
Pegou o monstro no meio
Dali desapareceu
Por toda parte do mundo
O caso foi espalhado
Nas grandes bibliotecas
Também ficou registrado
Uma luz do meu padrinho
Aqui termino o livrinho
Leva quem achar de agrado
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