terça-feira, 17 de agosto de 2010

GLOSANDO O MOTE...

Manoel Dantas glosando o mote:

Não há quem negue a beleza
Da poesia nordestina.

De Portugal ao Brasil,
vencido o velho oceano,
é Camões o seu decano
sob este céu cor de anil.
No meu nordeste febril
onde viola é doutrina,
cantador tem por rotina
fazer do verso a defesa…
Não há quem negue a beleza
Da poesia nordestina.

* * *

Paulo Roberto da Silva glosando o mote:

Sou mais feliz nos meus dias
revivendo o meu passado.

Fui descobrindo ao nascer
que apesar de tão sofrida
teria sentido a vida
mesmo sem ter um lazer.
Sem um teto pra viver,
só minha família ao lado,
meu pai da lida cansado,
mesmo assim tive alegrias,
sou mais feliz nos meus dias
revivendo o meu passado.

* * *

Chico Mota glosando o mote:

Com a graça de Deus e a viola
Consegui arranjar o que queria

Na aurora da minha mocidade
Por alguém me deixar na solidão
Comecei a sentir inspiração
Escrevendo poemas de saudade
Quando tinha dezoito de idade
Fiz a minha primeira cantoria
O segredo da arte não sabia
Por que era ainda um rapazola
Com a graça de Deus e a viola
Consegui arranjar o que queria.

* * *

Vitorino Bezerra glosando o mote:

Viagra tem levantado
A moral de muita gente

Tem homem que se consagra
Como um herói no carinho
Eu conheci um velhinho
Que a carne era fraca e magra
Depois que tomou viagra
Ficou novo e mais potente
Cresceu um negócio quente
Onde era curto e gelado
Viagra tem levantado
A moral de muita gente

* * *

Hugo Araujo glosando o mote:

Isso é mesmo que eu tá vendo
Paisagem do meu sertão.

Na cerca vejo um preá
Ciscando vejo a rolinha
Água pura de quartinha
Um fogão queimando lenha
Nossa Senhora da Penha
No quadro Frei Damião
Matuto tem devoção
Reza quando tá chovendo
Isso é mesmo que eu tá vendo
Paisagem do meu sertão.

Vaca presa no curral
Cachorro magro latindo
Panela seca tinindo
Pra cozinha o xerem
Um grito não sei de quem
Cavalo junto ao mourão
Uma cria de pavão
Um menino se escondendo
Isso é mesmo que eu tá vendo
Paisagem do meu sertão.


* * *

Enevaldo Hipólito glosando o mote:

Se eu morrer de saudade a culpa é dela
Que não quis aceitar meu coração

Quem falava te quero amor eu juro
Resolveu me deixar sem seu carinho
Quando eu nem esperei tava sozinho
O meu sonho de amor foi prematuro
Ouvi tanto te amo sem futuro
Que prefiro ficar sem audição
Seu amor é mais falso do que são
Os amores de filme e de novela
Se eu morrer de saudade a culpa é dela
Que não quis aceitar meu coração.

* * *

Manoel Dantas glosando o mote:

Do amanhecer surge o dia
no clarão da madrugada

Aurora bela se via
quando a barra ia quebrando,
era a noite se afastando …
do amanhecer surge o dia.
Toda a treva em agonia
foge depressa, assanhada,
porém fica amotinada
planejando o contra-ataque,
com o dia sendo destaque
no clarão da madrugada.

* * *

Geraldo Amâncio glosando o mote:

O tempo passou depressa,
fui feliz e não sabia

Eu corria atrás de cobre
só por ter necessidade
mas a minha mocidade
pra mim foi um tempo nobre
eu era muito mais pobre,
mas tinha mais alegria
essa minha nostalgia
não tem ciência que meça
O tempo passou depressa,
fui feliz e não sabia

Com a alma corrompida
dos sopapos da saudade,
57 de idade,
e a matéria dolorida
eu sei que em outra vida
como afirma a profecia
só não sei qual é o dia
eu quero aproveitar essa
O tempo passou depressa,
fui feliz e não sabia

Minha aurora foi embora
é isso que desanima
o crepúsculo se aproxima
minha noite se apavora
mocidade foi embora
nessa minha poesia
nossa vida é como dia
só é bom quando começa.
O tempo passou depressa,
fui feliz e não sabia

Eu disse pra o Criador
se eu for um bom repentista
em todo ponto de vista
pago promessa ao Senhor
mas nunca fui rezador
esqueci da romaria
enganei Cristo e Maria
e nunca paguei a promessa
O tempo passou depressa,
fui feliz e não sabia

* * *

José Honório glosando o mote:

É o xerém triturado da saudade
No angu requentado da ilusão.

É o desejo querendo ser real
É a vontade buscando ser de vera
É verão cortejando a primavera
É um amor que só dura um carnaval
É sereno, é chuvisco, é temporal
É namoro curtido no portão
É olhar que penetra o coração
E se esconde por trás da amizade
É o xerém triturado da saudade
No angu requentado da ilusão.

É a voz do querer dizendo vem
É o receio do nada e que diz:-para!
Esperança que arma uma coivara
Faz o fogo arder sob o moquém
É a viagem do sonho que não tem
Compromisso nenhum com a razão
É a força indomável da paixão
Que se instala com toda liberdade
É o xerém triturado da saudade
No angu requentado da ilusão.

* * *

Um folheto de Arievaldo Viana

ROMANCE DE LUZIA-HOMEM

Seca de setenta e sete
Estranho e terrível mal
O século é dezenove
E o cenário é Sobral
Sob um sol causticante
Vemos uma retirante
Lá no morro do curral.

O seu talhe é esbelto
E o rosto muito bonito
Possui o braço mais forte
Nesse cenário maldito
Canseiras não a consomem
Lhe chamam Luzia-Homem
Pelo seu jeito esquisito.

O seu pai era vaqueiro
Na fazenda Ipueira
Por não ter um filho homem
Transformou-a em vaqueira
Nas lidas do dia-a-dia
E a fama de Luzia
Corria aquela ribeira.

O pai morreu, veio a seca
Mudou então seu destino
Tornou-se uma retirante
Grão de areia pequenino
No mar da vida jogado…
Só dois amigos a seu lado
Eram Alexandre e Raulino.

Alexandre, moço fino
Fora um dia fazendeiro
E por amor a Luzia
Tornou-se um bom companheiro
Do outro o que se conta
É que foi salvo da ponta
De um touro traiçoeiro.

Raulino Uchôa, o vaqueiro
Era forte e destemido
Quis pegar um touro à unha
Milagre, não ter morrido
Por ironia do destino
Foi o valente Raulino
Por Luzia socorrido.

Agora vamos falar
Da heroína Luzia
Em um casebre afastado
Com a sua mãe vivia
Dona Zefinha doente
Tinha uma asma inclemente
Que aos poucos lhe consumia.

Rumavam as duas peregrinas
Com destino ao litoral
Mas o caminho puxado
Agravou da velha o mal
A pobre mal se arrastava
Por ela, Luzia estava,
Contra a vontade, em Sobral.

Na sua lida diária
Batalhava pelo pão
Mas por ser forte e arredia
Sofria discriminação
Cercada por inimigos
Somente seus dois amigos
Inda lhe davam atenção.

Lá no morro do curral
Tinha um soldado metido
Era um tal de Crapiúna
Sujeito vil, enxerido
Que sempre a perseguia
Se aproximou de Luzia
Visando tirar partido.

Rejeitado com veemência
Não se dava por vencido
Dia a dia foi ficando
Mais ousado e atrevido
Sempre, sempre a lhe cercar
Vivia a se lamentar
Por ser dela preterido.

Vendo então que Alexandre
Era de fato um rival
O soldado Crapiúna
Pensava em fazer-lhe o mal
Mas Alexandre, direito,
Aumentava seu conceito
Na cidade de Sobral.

Conquistou a confiança
Por ser um homem de bem
E tinha em seu poder
As chaves de um armazém
Foi a sua perdição
Porque da vil traição
Não está livre ninguém.

Na porta desse armazém
Os pobres aglomerados
Recebiam um quinhão
Dos mantimentos guardados
O socorro federal
Que diminuía o mal
Daqueles pobres coitados.

Um dia em que Alexandre
Foi ver Zefinha e Luzia
Perguntou à bela jovem
Se com ele casaria
Deu-lhe uma flor perfumada
Sem saber que na cilada
Do soldado cairia.

Pois quando se retirou
Da casa de sua amada
Encontrou no armazém
Uma multidão formada
Lhe acusando de ladrão
Não adiantou então
A inocência protestada.

Terezinha, a única amiga
Que Luzia-Homem tinha
Foi correndo avisá-la
Dessa desgraça mesquinha
Ela a notícia escutando
Correu depressa, deixando
Sua mãe com Terezinha

Chegando ali se prostrou
Aos pés da autoridade
E defendeu Alexandre
Com tanta sinceridade
Que até mesmo o promotor
Viu que acima do amor
Estava ali a verdade.

Porém a justiça é cega
E lenta em seu caminhar
Nisto chegou Crapiúna
E pôs-se dela a zombar
Mas ela tinha guardado
Uma carta onde o safado
Prometia se vingar…

Luzia pega a tal carta
Mostra ao promotor então
Crapiúna com cinismo
Se livra da acusação
Saiu contente o soldado
E Alexandre foi levado
Às grades da detenção.

Luzia seguiu pra casa
Bastante contrariada
Terezinha então lembrou
De uma velha afamada
Que sabia adivinhar
Mas precisava levar
A quantia estipulada.

Responso de Santo Antônio
A poderosa oração
Que para as pessoas cultas
Não passa de um abusão
Pra muitos funcionava
Era o que a velha usava
Para descobrir ladrão

No entanto, Terezinha
Viu uma cena confusa
Mais pareciam ciganos
Da velha terra andaluza
Na cena também foi vendo
O papangu mais horrendo
Numa careta disfusa.

Luzia todos os dias
Com muita dedicação
Levava para Alexandre
O de comer, na prisão.
Porém, uma certa vez
O seu amado lhe fez
Estranha revelação.

Contou que uma tal Gabrina
Moça a quem ele ajudara
Viera a promotoria
E um falso lhe imputara
Mostrou cortes de fazenda
Um par de brincos, outra prenda
Disse que dele ganhara.

Mordida pelo ciúme
Luzia se retirou
E a partir daquele dia
À prisão não mais voltou.
Terezinha, por seu lado
Seguindo o torpe soldado
Todo o crime desvendou.

Pois ela viu Crapiúna
Um baú desenterrar
E de dentro dessa arca
Grande quantia tirar
Separou ele uma nota
E reuniu-se à patota
Para beber e jogar.

Terezinha correu célere
Foi dizer ao delegado
E Crapiúna foi preso
Depois do crime apurado
Soltaram o réu inocente
E ali no mesmo ambiente
Deixaram preso o soldado.

Alexandre resolveu
Ir morar noutra parada
Levando os seus amigos
Dona Zefinha e a amada
Partiu na frente sozinho
Pra arranjar com carinho
Sua futura morada.

Luzia seguiu depois
Com Dona Zefa e Raulino
Mas vejam a negra cilada
Que preparou-lhe o destino
Pois Crapiúna fugiu
E de perto a seguiu
Com seu instinto assassino.

Achando-a só um instante
Tratou de lhe agarrar
Chamando por Alexandre
Pôs-se Luzia a gritar
Travou-se a luta mortal
E aquele bruto animal
Entendeu de lhe matar.

Defendendo sua honra
Luzia ainda lutou
Com suas unhas um olho
De Crapiúna arrancou
E tombou morta em seguida
A sua amada sem vida
Pobre Alexandre encontrou.

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