DISCURSO DE UM CÃO-DE-RUA! PEDRO NUNES.
Somos centenas e você pode nos encontrar em toda parte: nas praças, ruas e avenidas. Amontoados, um ao lado do outro, disputamos espaços, ocupamos calçadas e passeios, atropelando humanos. Pedimos desculpas, mas o que fazer?…
Inda bem que a Prefeitura da Cidade se desfez das carrocinhas e não existem mais leões famintos nos Zoológicos… Felizmente, passou a época em que cães barulhentos como nós eram presos e mortos porque incomodavam. Hoje, podemos ladrar à vontade que não sofremos mais represália alguma.
Somos fiéis e inofensivos. Podem crer. Não atacamos, não mordemos, nem latimos à toa. Ah, meu senhor! Se latíssemos, à noite ninguém dormia. Tão numerosa é a matilha que, de uma hora para a outra, invadiu as ruas!
De qualquer forma, é bom prestar atenção. Alguns de nós são puro-sangue, possuem até registro genealógico. Outros, autênticos vira-latas. Mas que importa pedigree? No chão das calçadas, onde disputamos espaços, somos todos iguais.
Nada de pulgas, piolhos ou carrapatos. Limpos, sadios, escovados, bonitos. Todos numerados. Chega dá gosto ver-nos tão bem assim!
Nos passeios públicos, as opções de escolha são muitas: valentes cães de guarda ou aguçados farejadores. Saibam que os fofinhos servem apenas de enfeite. Os mais espertos podem se tornar excelentes caçadores. Dependendo da raça, olhos pretos, azuis, verdes ou castanhos; cabelos grisalhos, escuros ou louros; narizes crescidos ou focinhos curtos. Questão apenas de gosto…
A maioria de nós, másculos. Poucas cadelas atrevidas arriscam-se a concorrer em território tão machista.
Pedimos pouco, muito pouco, mesmo: apenas um voto. Um voto de confiança de quem ainda não adotou nenhum de nós que andamos soltos, perambulando pelas ruas. Queremos mesmo é deixar o anonimato. Sonhamos habitar palácios dourados, com fachadas suntuosas, escadarias de mármore, robustas colunas gregas.
Juro que não mordemos, não fazemos cocô, nem xixi nos salões; não costumamos estragar festas, não puxamos tapetes, nem rasgamos cortinas. Se formos escolhidos, prometemos ser fiéis guardiães; vigilantes, noite e dia. Prometemos também não ladrar nunca, nem permitir que nossos companheiros ladrem…
Defendemos as casas de ricos e pobres, como se fossem as nossas.
Jamais tocaremos em bolas. Fazem mal à saúde. Só comeremos o pouco que nos couber. E, nas horas de perigo, jamais haveremos de nos ocultar por trás das sombras de troncos ou tocos.
Lembramos que somos vacinados e adestrados o suficiente para obedecermos a qualquer comando. Dormimos pouco, andamos muito, que andar é nosso trabalho.
Não deixem de nos ver bem escovados, circulando nas telinhas… Enfim, escolham o melhor cão-de-rua: EU!
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