quinta-feira, 27 de setembro de 2012

POETAS DO POVO...


Severino Lourenço da Silva Pinto (Pinto do Monteiro) – 1896/1990
Pinto do Monteiro glosando o mote:
Se já gozei no passado,
Posso sofrer no presente.
Para falar sobre a farra
Não é bom que eu me afoite,
Entrava à boca da noite,
Saía ao quebrar da barra.
Fui mais do que almanjarra,
Pra moer cana no dente,
Quando eu bebia aguardente,
Cerveja, vinho e quinado.
Se já gozei no passado,
Posso sofrer no presente.
* * *
Pinto do Monteiro glosando o mote:
Na grandeza do Amazonas
Encontrei meu grande amor.
O pobre do seringueiro
Tem o índio por vigia,
O macaco por espia,
E o tigre por companheiro!
A bem de ganhar dinheiro,
Trabalha seja onde for.
Mas eu fui foi ver a flor
Que habita àquelas zonas!
Na grandeza do Amazonas,
Encontrei meu grande amor.
* * *
João Paraibano glosando o mote:
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.
No vagão da saudade eu tenho ido
Ver a casa onde antes nasci nela
Uma lata de flores na janela
A parede de taipa, o chão varrido
Milho mole esperando ser moído
Numa máquina do veio enferrujado
Que apesar da preguiça e do enfado
Mãe botava de pouco e eu moía
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.
Vou pra ver nessa casa que foi minha
Minha rede já pença duma banda
O batente na porta da varanda
Um bueiro de lata na cozinha
Mãe prendendo os dois pés duma galinha
Num cordão de algodão descaroçado
Um espeto cheirando a milho assado
E um cuscuz fumaçando na bacia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.
Eu não posso esquecer que o rouxinol
Dessa casa também foi habitante
Mãe cortando pedaço de bramante
Pra colocar o remendo no lençol
Pai voltando da roça ao pôr-do-sol
Cochilando com o peso do enfado
Um pé sem chinelo, outro calçado
Uma mão ocupada, outra vazia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.
Lembro a boca redonda da cumbuca
Que mamãe tirou sal pro alimento
A vassoura do rabo dum jumento
Espantando um enxame de mutuca
Um cancão desarmando uma arapuca
Um canário cantando engaiolado
Um cachorro latindo acocorado
Sem cobrar um tostão pra ser vigia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.
Toda noite eu me lembro de lembrar
De um pião enrolado até o meio
Mãe botando carvão num ninho cheio
Pra ninhada da franga não gorar
Uma gata lambendo um alguidá
Com o cabelo da testa penteado
Depois subia pra cima do telhado
Na certeza que o gato também ia
Vou no trem da saudade todo dia
Visitar o lugar que fui criado.
* * *
João Furiba glosando o mote:
Com três meses depois da eleição
Ninguém lembra o que disse ao eleitor.
Eu recordo que um certo candidato
Lá em casa chegou de cara lisa,
Prometeu-me uma calça, uma camisa,
Um chapéu, a gravata e um sapato,
Na parede pregou o seu retrato,
E eu lhe disse: meu voto é do senhor,
Prometeu um pirão de corredor,
Não deu nem a farinha do pirão,
Com três meses depois da eleição
Ninguém lembra o que disse ao eleitor.
* * *
Luiz Amorim glosando o mote:
Está provado que reza
Não dá saúde a ninguém.
Ventre caído e olhado
Nunca mais mando rezar
Deixei de acreditar
Que reza deixa curado
Que se curasse operado
Tancredo estaria bem
Quanto mais reza, mais vem
Um mal terrível que pesa
Está provado que reza
Não dá saúde a ninguém.
Tinha por ele rezando
Os cento e trinta milhões
E suas infecções
Todo dia piorando
Terminou se ultimando
Me fazendo crer também
Que rezar males de alguém
Fica pra pessoa lesa
Está provado que reza
Não dá saúde a ninguém.
* * *
José Honório glosando o mote:
É o xerém triturado da saudade
No angu requentado da ilusão.
É o desejo querendo ser real
É a vontade buscando ser de vera
É verão cortejando a primavera
É um amor que só dura um carnaval
É sereno, é chuvisco, é temporal
É namoro curtido no portão
É olhar que penetra o coração
E se esconde por trás da amizade
É o xerém triturado da saudade
No angu requentado da ilusão.
É a voz do querer dizendo vem
É o receio do nada e que diz:-para!
Esperança que arma uma coivara
Faz o fogo arder sob o moquém
É a viagem do sonho que não tem
Compromisso nenhum com a razão
É a força indomável da paixão
Que se instala com toda liberdade
É o xerém triturado da saudade
No angu requentado da ilusão.
* * *
Um folheto de José Pedro Pontual
AS PRESEPADAS DE SATANÁS NA IGREJA
Quem crê na misericórdia
Da Providência Divina
Nunca cai em tentação
Nem também sofre ruína
Sendo justo para Deus
Satanás não lhe domina
E quem não crê nas palavras
Do nosso Deus criador
Não pode viver feliz
É um ente malfeitor
Que vive solto no mundo
Causando o maior pavor
Para provar o que digo
Vou contar um ocorrido
Que servirá de exemplo
A qualquer ente banido
Que profana contra as forças
Do Messias prometido
Na usina Santo Inácio
Perto da cidade Cabo
Um macumbeiro perverso
Virou-se num bichão brabo
Com o satanás no couro
Contendo esporão e rabo
Chamava-se esse ente
Antônio Pedro Morais
Ruim igualmente a peste
Matou os seus próprios pais
Maltratava Jesus Cristo
Gostava do satanás
Ele ainda era solteiro
De ruim vivia só
Era doido por um jogo
De baralho ou dominó
Dava tudo por Xangô
Vivia do catimbó
Na macumba ele fazia
Moça casar sem querer
E tendo raiva de um
Fazia o pobre correr
Latindo de mundo afora
Para quem quisesse ver
Mulher casada que ele
Pensasse um pouquinho nela
Preparava sete pingos
Das lágrimas de uma vela
Com enxofre e creolina
E botava na porta dela
Pó de cavalo do cão
Com sua feitiçaria
Tronco de jurema preta
Cuspia em cima e benzia
Qualquer mulher se entregava
A ele no mesmo dia
Tinha um molambo enrolado
Num pacote de cordão
Um esqueleto de um sapo
E um livro de oração
Uma coruja pelada
Nas garras de um gavião
Dezesseis caranguejeiras
E uma lacraia choca
Um urubu e um gato
Dentro de uma maloca
Quatro dentes da finada
Bisavó da mãe de Noca
Raspa de unha e um dente
Da víbora de faraó
A queixada de um jumento
Do tempo da sua avó
Sete espinhas de jiboia
Dentro de um caritó
A polícia o perseguia
Mas nunca pôde pegá-lo
Porque ele se envultava
Em gato, cão ou cavalo
Cegava as autoridades
E não sofria um abalo
Nunca existiu um cristão
Pra dar um tabefe nele
E nem houve macumbeiro
Para trabalhar contra ele
O que tentasse morria
Tudo tinha medo dele
Tinha um tacho muito grande
Que o satanás lhe deu
Nesse tacho cozinhava
Qualquer um preparo seu
Muito mais que Cipriano
O infeliz aprendeu
Ele tinha a oração
De Pezeta e Cafuringa
Uma caveira e uma negra
Chamada Tota do Pinga
Os olhos e a boca eram
Cobertos de pichilinga
Tinha as pestanas da negra
Verdelenga Curutuba
Um chifre de cabra preta
E um saco de curuba
E dizia abertamente:
Meu poder ninguém derruba
Dizia mais que Jesus
Para ele não existia
Era a ilusão dos bestas
Igreja era outra arrelia
O satanás para ele
Era um ser de mais valia
A força que acredito
É a de pai Lúcifer
Com ela eu devoro um
A hora que bem quiser
Desonro qualquer donzela
Descaso qualquer mulher
O cabra que me abusar
Eu lhe empesto com brocha
E sangue de gato preto
Nunca mais ele debocha
Morre roído na rua
Igual tapuru na rocha
Dizem que o padre Cícero
Pode mais que satanás
Mas é também macumbeiro
Como eu e nada mais
Cristo era o poderoso
Morreu, perdeu o cartaz
Só acredito que ele
Era bamba de primeira
Se me virasse um bicho
Daqui para quinta-feira
E fosse daqui do cabo
Até lá numa carreira
Quando ele disse isso
Viu o diabo em sua frente
Deu um rinchado tão grande
Que assombrou muita gente
Saiu danado correndo
Igual cachorro doente
Nasceu-lhe um rabo comprido
Um esporão na canela
Sua língua ficou preta
Que só fundo de panela
Assim contou-me uma moça
Que ele foi dono dela
Na carreira que ele ia
Destinou-se ao Juazeiro
Dando cada relinchado
De assombrar qualquer romeiro
Com os olhos encarnados
Que parecia um braseiro
Passou em Serra Talhada
Com o maior desespero
Numa certa encruzilhada
Mordeu um catimbozeiro
Cortou o nariz dum corno
Na estrada de Salgueiro
Adiante ele encontrou-se
Com uma mulher chifreira
Ela deu-lhe uma dentada
No cangote bem certeira
Que rasgou até os pés
Todo o couro da traseira
Na quinta-feira bem cedo
Em Juazeiro chegou
Entrou de igreja adentro
Defronte ao altar parou
Nessa hora o padre Cícero
Na sua frente ficou
Ele disse: Meu padrinho
O diabo está em meu couro
Corria o povo assombrado
Com aquele desadouro
Padre Cícero tocou nele
Com seu cajado de ouro
Padre Cícero disse a ele:
Nesta hora preso estás
Com sete correntes santas
Das forças celestiais
E dizei a que viestes
Que daqui não passes mais
Ele disse: Eu profanei
Do autor da criação
E também dos seus poderes
E vim lhe pedir perdão
Nisso vem chegando um negro
Trazendo um livro na mão
Tinha os olhos cor de fogo
Chegou montado num bode
E foi dizendo: Seu padre
Salvá-lo o senhor não pode
Porque ele me pertence
Desde os pés até o bigode
Disse o padre: Se retire
Com seu monstro vá embora
O negro lhe respondeu:
Eu não vou dizer agora
Que ainda tem mais gente
Pra eu levar nesta hora

Aqui tem mulher casada
Ajoelhada rezando
Que o chifre do marido
De grande está entortando
E eu de lá do inferno
A tudo estava anotando
Mulher de unhas de pontas
E a saia bem ligada
Os lábios da cor de sangue
As sobrancelhas raspadas
O que vem ver na igreja
Presta pra minha morada
Aqui tem tanta chifreira
Que ninguém mais dará breque
E tem homem tão chifrudo
Que dá pente, escova e leque
Que deixa a mulher sair
Para criar o moleque
Moça que não é mais nada
Aqui dentro tem também
Mulher de casas suspeitas
Aí tem pra mais de cem
E eu vim lhe reclamar
Porque essas me convêm
Com essa voz do diabo
Padre Cícero se ergueu
Mostrou-lhe um crucifixo bento
O moleque estremeceu
Pegou o monstro no meio
Dali desapareceu
Por toda parte do mundo
O caso foi espalhado
Nas grandes bibliotecas
Também ficou registrado
Uma luz do meu padrinho
Aqui termino o livrinho
Leva quem achar de agrado

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