sexta-feira, 7 de setembro de 2012

CONTANDO CAUSOS...


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O caboco e o avarento
Um avarento tinha como criado um caboco. Para poupar dinheiro, duas ou três vezes por semana o obrigava a jejuar, sob o pretexto da invocação de santos milagrosos ou de festas importantes da religião. No dia de Todos os Santos, forçou-o a um jejum rigorosíssimo.
Na semana seguinte, quis fazer o caboco jejuar novamente; mas este se recusou com energia, afirmando que jejuara já um dia em honra de todos os santos e estava quites com eles todos…
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O caboco e a queimada
Um caboco trouxe ao amo a notícia de ter encontrado uma cerca de plantação sendo destruída pelo fogo, nascido duma ponta de cigarro de qualquer passante descuidado. O fazendeiro perguntou-lhe:
— Por que você não derrubou as pontas do lance da cerca com a foice que traz ao ombro, a fim de isolar o fogo?
O outro riu idiotamente e retrucou:
— Eu não tinha ordem de vosmicê…
O patrão tornou, furioso:
— Então, por que não esfregou o traseiro nas labaredas e brasas até apagá-las?
E o caboco, espantado:
— Credo, patrão! Eu não tenho bunda d’água, não senhor!
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O caboco e o recém-nascido
Numa fazenda, um caboco desmazelado servia de criado e sobre ele se lançavam as culpas de tudo o que aparecia de mal feito. Nasce uma criança, filha do dono da casa. O caboco dirige-se ao pai e indaga, curiosamente, se o menino veio ao mundo direitinho, sem defeito algum.
— Para que você quer saber? Pergunta o amo.
— É porque, responde o caboco, se nasceu torto ou aleijado, o senhor é bem capaz de dizer que foi obra minha…
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O caboco, a mulher e a espingarda
Um caboco gabava a um amigo sua espingarda de caça, de carregar pela boca. Era ajuntadeira de chumbo e alcançava tão longe, tão certeira, que ele, da porta de casa, conseguira matar um veado que passava sobre um morro, a grande distância. O amigo, incrédulo, perguntou quantos caroços tinham alcançado o alvo e ele retrucou, incontinente:
— Dois!
— Dois só?! E onde pegaram?
Atrapalhado pela mentira, o caboclo explicou, sem pensar:
— Um na cabeça e o outro no pé.
— É impossível! tornou o amigo. Você disse que a espingarda é ajuntadeira, portanto nessa distância não podia ter espalhado assim os caroços de chumbo.
O caboco, entalado, não sabia o que responder, quando a caboca, sua mulher, que ouvia tudo, veio em seu auxílio:
— Não te lembras, Maneco, que, quando atiraste no bicho, ele estava coçando a orelha com o pé?…
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Nota: Câmara Cascudo, no Dicionário do Folclore Brasileiro, defende a forma caboco, sem o l, que teria sido introduzida na palavra sem encontrar base nas diversas hipóteses etimológicas, como a que afirma derivar do tupi caa-boc, “o que vem da floresta” ou de kari’boca, “filho do homem branco”.

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