sábado, 17 de dezembro de 2011

CHICO BUARQUE SOBRE SONHOS:OUTROS SONHOS,SONHO DE UM CARNAVAL, NÃO SONHO MAIS...


Outros Sonhos
Chico Buarque


Sonhei que o fogo gelou
Sonhei que a neve fervia
Sonhei que ela corava
Quando me via
Sonhei que ao meio-dia
Havia intenso luar
E o povo se embevecia
Se empetecava João
Se emperiquitava Maria
Doentes do coração
Dançavam na enfermaria
E a beleza não fenecia
Belo e sereno era o som
Que lá no morro se ouvia
Eu sei que o sonho era bom
Porque ela sorria
Até quando chovia
Guris inertes no chão
Falavam de astronomia
E me jurava o diabo
Que Deus existia
De mão em mão o ladrão
Relógios distribuía
E a polícia já não batia
De noite raiava o sol
Que todo mundo aplaudia
Maconha só se comprava
Na tabacaria
Drogas na drogaria
Um passarinho espanhol
Cantava esta melodia
E com sotaque esta letra
De sua autoria
Sonhei que o fogo gelou
Sonhei que a neve fervia
E por sonhar o impossível, ai
Sonhei que tu me querias
Soñé que el fuego heló
Soñé que la nieve ardía
Y por soñar lo imposible, ay, ay
Soñé que tú me querías



Sonho de um Carnaval
Chico Buarque


Carnaval, desengano
Deixei a dor em casa me esperando
E brinquei e gritei e fui vestido de rei
Quarta-feira sempre desce o pano
Carnaval, desengano
Essa morena me deixou sonhando
Mão na mão, pé no chão
E hoje nem lembra não
Quarta-feira sempre desce o pano
Era uma canção, um só cordão
E uma vontade
De tomar a mão
De cada irmão pela cidade
No carnaval, esperança
Que gente longe viva na lembrança
Que gente triste possa entrar na dança
Que gente grande saiba ser criança



Não Sonho Mais
Chico Buarque


Hoje eu sonhei contigo,
Tanta desdita! Amor, nem te digo
Tanto castigo que eu tava aflita de te contar.
Foi um sonho medonho
Desses que, às vezes, a gente sonha
E baba na fronha e se urina toda e quer sufocar.
Meu amor, vi chegando
Um trêm de candango
Formando um bando,
Mas que era um bando
De orangotango pra te pegar.
Vinha nego humilhado,
Vinha morto-vivo, vinha flagelado.
De tudo que é lado
Vinha um bom motivo pra te esfolar.
Quanto mais tu corria
Mais tu ficava, mais atolava,
Mais te sujava. Amor, tu fedia,
Empesteava o ar.
Tu que foi tão valente
Chorou pra gente. Pediu piedade
E, olha que maldade,
Me deu vontade de gargalhar.
Ao pé da ribanceira acabou-se a liça
E escarrei-te inteira a tua carniça
E tinha justiça nesse escarrar.
Te "rasgamo" a carcaça
Descendo a ripa. "Viramo" as tripas,
Comendo os "ovo", ai!,
E aquele povo pôs-se a cantar.
Foi um sonho medonho,
Desses que, às vezes,
A gente sonha e baba na fronha
E se urina toda e já não tem paz.
Pois eu sonhei contigo e caí da cama.
Ai, amor, não briga! Ai, não me castiga!
Ai, diz que me ama e eu não sonho mais!

Nenhum comentário:

Postar um comentário