segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

CANTIGAS DE CEGOS...



Monumento a Cego Aderaldo em Quixadá-CE
(Aderaldo Ferreira de Araújo, o Cego Aderaldo – Crato, Jun/1878 — Fortaleza, Jun/1967)


Cego Aderaldo


Só nos falta vê agora
Dá carrapato em farinha
Cobra com bicho-de-pé
Foice metida em bainha
Caçote criá bigode
Tarrafa feita sem linha

Muito breve há de se vê
Pisá-se vento em pilão
Botá freio em caranguejo
Fazê de gelo carvão
Carregá água em balaio
Burro subi em balão.
* * *
Pedro Amorim
Eu sou é Pedro Amorim
Um dromedário inalcansável
Uma serra intransponível
Um prédio inexpugnável
Navalhas vulcanográficas
De aço inoxidável
* * *
Jacó Passarinho
Cantador que dá-se a preço
Não se areia nem faz troça:
Sujeito de bom calibre
Depois de velho remoça;
Quem beija a boca de um filho
A boca de um pai adoça.
Nossa Senhora é mãe nossa,
Jesus Cristo é nosso pai
Na minha boca repente
É tanto que sobra e cai…
Quem beija a boca de um filho
Adoça a boca de um pai
Mostro a quem vem e a quem vai,
Mostro a todos da jornada:
Mais vale quem Deus ajuda
Do que quem faz madrugada.
Quem beija a boca de um filho
Deixa a de um pai adoçada.
Este mundo é uma charada…
Ai de mim, se Deus não fosse!
Repente em minha cabeça
Ainda não acabou-se:
Quem beija a boca de um filho
Deixa a boca de um pai doce.
Foi o inverno quem trouxe
Ao Ceará a fartura.
Eu, em casa de homem rico,
Gosto de fazer figura…
Quem beija a boca de um filho
Deixa a de um pai com doçura.
* * *

Anselmo
Preu cantá na sua casa,
Meu patrão, me dê licença!
Se a cantiga não fô boa,
Desculpe, vossa incelença
Que, às vez, as coisa não sai
Do jeito que a gente pensa.
Não tem outro cantadô
Pra me ajudá um tiquim.
O cantá de dois é bom,
O ruim é cantá sozim;
A gente, andando de dois
Encurta mais os camim…
Avoa, meu caboré,
Penera, meu gavião,
Palmatora quebra dedo,
Palmatora faz vergão,
Quebra os ossos e quebra a carne
Mas não quebra opinião!…
Tem duas coisa no mundo
Que eu nunca pude entendê;
É pade i pro inferno,
Outra é doutô morrê.
* * *
Cego Sinfrônio
Eu andei de déu em déu
E desci de gaio em gaio…
Jota a Já, queira ou não queira,
Eu não gosto é de trabaio…
Por três coisa eu sou perdido
Muié, cavalo e baraio!
Esta minha rabequinha
É meus pés e minhas mão,
Minha foice e meu machado,
É meu mio e meu feijão,
É minha planta de fumo,
Minha safra de algodão…
Anda já em quarenta ano
Que eu vivo somente disso…
Achando quem me proteja.
Eu sou bom nesse serviço:
Eu faço a vez de machado
Em tronco de pau mucisso…

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