UM TEXTO DE RUY FABIANO
DILEMA MORAL
O desconcerto da política brasileira teve, na semana que finda, uma de suas manifestações mais eloquentes: a defesa que fizeram do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, as duas maiores figuras da oposição, o senador Aécio Neves e o ex-governador José Serra.
Em circunstâncias normais, ambos deveriam liderar o coro dos perplexos e indignados, a exigir que o ministro viesse a público explicar o que não está claro, em relação ao aumento exacerbado de seu patrimônio em tão curto espaço de tempo. Deu-se o contrário.
Essa defesa, como é óbvio, não decorreu de simpatia pessoal, que em política não conta. É fruto do medo. Ao identificar na área mais radical do PT a origem da denúncia, a oposição considerou-a secundária no conteúdo e relevante no propósito.
Entendeu-a como sinal de que a ala mais ortodoxa do partido – aquela que quer se sobrepor à presidente – vê em Palocci um obstáculo, e quer removê-lo. Palocci simboliza o que a oposição considera o PT moderado, não revolucionário, capaz de negociar e evitar soluções extremas. Sua eventual saída representaria um abalo ao equilíbrio do governo e às suas relações com a oposição.
Também no meio empresarial a leitura é essa, agravada pelo fato de que o país vive um momento delicado na economia, com o retorno da inflação e o desajuste das contas públicas.
Esse o raciocínio que explica a operação-abafa, a que aderiu a oposição, que não se mostrou muito agastada com a recusa da base governista em convocar Palocci para depor na Câmara. Na verdade, sentiu alívio. Ocorre que a exposição continuada dos mistérios financeiros do ministro gera um dilema moral, com efeitos colaterais inevitáveis. Sugere, em suma, cumplicidade.
Aécio e Serra não mais se manifestaram, mas o tom de seus correligionários e da oposição em seu conjunto, sob pressão do noticiário implacável, tem subido, na exigência de que o ministro e o governo se expliquem. A defesa do PT não convence.
Está na memória de todos o discurso de José Dirceu, em setembro do ano passado, afirmando que a eleição de Dilma seria mais importante que a de Lula, já que este, sendo maior que o partido, podia ignorar suas pressões e fazer concessões conservadoras. Com Dilma, que não tem o mesmo prestígio e influência, ocorreria o contrário: teria que se submeter à tutela partidária. A eleição de Rui Falcão, liderado de José Dirceu, à presidência do PT, agravou a suspeita de que essa estratégia está mesmo em curso: tornar a presidente refém do partido.
E o dilema aí está: investir contra Palocci favorece a causa do petismo ortodoxo; ignorar a gravidade do que se lhe atribui desmoraliza a oposição, mostrando que se vale de dois pesos e de duas medidas diante de questões que envolvem a ética pública.
Não há, por enquanto, sinais de que alguém saiba exatamente o que fazer. Fala-se em CPI, na certeza de que não virá; mera coreografia parlamentar, pois não há maioria para convocá-la, nem disposição para levar a denúncia às ruas.
A semana que se inicia será decisiva. A favor do ministro, há a votação do Código Florestal na Câmara, prevista para terça-feira, que deve monopolizar as atenções dos parlamentares. Mas a mídia tem mantido o tema em evidência, impondo sua discussão ao Congresso.
Diante desse quadro problemático, paira o silêncio presidencial, que só deve ser quebrado in extremis. Não há sinais de que venha a ocorrer. Política, porém, não é território propício a profecias. Tudo pode ocorrer – inclusive nada, para não variar.
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