quarta-feira, 25 de maio de 2011

JESSIER QUIRINO...




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Jessier Quirino, 57 anos, sabe tirar partido das miudezas cotidianas e sabe valorizar a porção mais brejeira do brasileiro. O arquiteto que se transformou em contador de causos gosta mesmo é de “assuntar” para chegar à melhor forma de transmitir o humor do matuto nordestino a seu público, cada vez mais numeroso. Na entrevista a seguir, ele fala sobre sua arte autodidata, da vontade de ver uma educação sólida chegar aos mais distantes rincões e das críticas a seu trabalho, chamado de machista e conservador pelas línguas mais ferinas.

- Gostaria de saber da sua formação. Você é autodidata como instrumentista e como poeta?

Sempre fui pouco de fala, quieto feito ajudante de missa e amoitado feito carneiro que tomou bicho na capação. Tirando as várias modalidades de desenho (que estudei da primeira comunhão até minha graduação em arquitetura), nunca tive nenhuma formação em artes. A poesia, o instrumento (zero tiquinho de violão), a composição musical, a literatura, a força cênica, domínio de palco, tudo isto, veio aos pouquinhos e pelas beiras como quem come papa quente. Percebi minha veia poética declamando as coisas dos outros. Depois passei a fazer minha própria poesia.

- Mas como você processa a prosa, a métrica e a rima? Conta um pouco dos segredos da sua criação…

Sou muito de assuntar. Penso até, que, se fumasse cachimbo, assuntaria muito mais. Anoto palavras, ditos, faíscas poéticas… Isto é lido e relido no devido tempo. Talvez, com o grande estalo de um tema ou um desfecho de uma história em aberto, seja o chamado para sentar e buscar as anotações. Começa aí um processo construtivo como outro qualquer. Depois é deixar as palavras dormirem e ir ajustando o lençol.


- Sua performance no palco faz muito sucesso? Você acha que isso se deve a quê?

De verdade, verdadíssima, nem sei responder. Acredito que, no inconsciente coletivo, as pessoas até se enxergam ali no palco ou enxergam um cumpade conhecido, com suas falas, suas histórias e suas miudezas. No meu caso particular, quem está no palco é um Quirino tão simples como qualquer outro tímido da plateia. No ato declamatório em si, surge uma personagem saída das brenhas, mas isto se deve a muita concentração e muita pesquisa.

- Como você define seu estilo?

Fui imprimindo um estilo descritivo à minha poesia que alguns chamam de poesia visual. Registrar com doses de fidelidade o bucólico, a cena doméstica, os objetos, os bichos, a fraseologia, a força, a bravura, a alma do homem simples… Resgatar expressões e objetos ofuscados pelo tempo, lapidar a palavra e embrulhar com graça e surpresa, tornar o errado certo na ótica do matuto… Tudo isso passou a ser a marca registrada da minha poesia. Entra também uns voejos importantes de contemporaneidade.

- A cena política, com seus ingredientes apimentados, serve de inspiração para sua arte. Mas na sua opinião o povo ainda é besta de votar em determinados políticos ou é porque “esses cabras” e “essas cabras”, que têm uma sede de poder, são muito “sabidos”?

O povo é besta e a classe política é sabida que só raposa criada em casa. É quando o matuto diz: aquele ali ensina rato subir de costas em garrafa. E diz mais: tem político que, se vendesse cavalo, arranjava um jeito de ficar com o galope. Sugeri no meu livro Berro novo, uma reforma política: retirar as poltronas giratórias do parlamento e trocar por tamboretes. Vá lá que o cabra não faça nada, mas ficar encostado e rodando já é demais!

- Jessier, você se considera um estudioso do chamado universo nordestino ou um criador que congela esse universo com traços medievais?

Na verdade, considero-me um prestador de atenção das coisas do mato. Venho fazendo uma poesia campeira, digamos, respeitosa às nossas tradições e de forma renovada; além, claro, de outros ensaiozinhos poéticos: poesia urbana com uma surpresinha no dizer, além de músicas e textos com uma marca muito pessoal. Hoje, cada palavra que uso, é lavada em sete águas, feito fava brava, mas é fruto daquela anotação inicial. O tempo pretérito e o confronto campo-cidade sempre foi remédio de grande valimento. Não podemos deixar escapar.

- Ainda existe muito matuto no meio do mundo?

Ser matuto é um estado de espírito. Conheço muita gente, de origem citadina, com atividade puramente cosmopolita, que são grandes matutos. Por outro lado vejo muita gente perdendo a identidade campeira e negando suas raízes. Tenho, na medida do possível, tentado almofadar o tema e a resposta é positiva.

- E o que significa isso? Ser matuto no século 21, com tanto Twitter desnorteando o caminho?

Motocicleta no lugar do burro é algo inevitável e preocupante. A tecnologia veio pra ficar. Todo mundo, de uma forma ou de outra, sai no lucro. É necessário, no entanto, que se discuta uma política de ensino sólida, para que as pessoas das áreas interioranas, em desenvolvimento, e dos rincões mais distantes não percam suas identidades, não esqueçam suas tradições. Sobre a internet, fiquei super- feliz com uma velhinha que me abordou na feira após uma aparição nossa em mídia nacional e disse: “Poeta, eu assisti você no Programa do Jô. Você foi joia!!!. Eu não vi na madrugada porque foi muito tarde, mas minha netinha me mostrou depois no computador e vi você no tuitú da internet…”. Tirei o chapéu pra velhinha e pra tecnologia.

- Há quem ache que seus shows contribuem para manter o conservadorismo, alimentar o machismo, apresentar uma visão pouco libertária da vida, com os preconceitos que são salientados (contra os gays, por exemplo). O que você acha dessa ideia?

Isso é conversa pra muitos alpendres. Acho importante a reflexão e encaro como crítica construtiva (com ressalvas para a rigidez do politicamente correto). Certa vez, ponderei com um leitor a respeito, citando o romancista argentino Ernesto Sabato, que diz: “Em qualquer época e em qualquer lugar no mundo, haverá sempre uma mulher tentando salvar sua casa, enquanto o universo pega fogo. E sempre haverá homens preocupados em salvar universo, enquanto suas casas pegam fogo.” Fraqueza nossa – malditos homens. Com isto, me permito, diria, não salvar o universo, mas, dentro do possível torná-lo mais alegre, com poesia da terra e com a fala baldia contendo falhas politicamente corretas, mas sem exageros e dentro de nossas miudezas.

- Qualquer tipo de humor liberta?

Acredito que liberta sim e precisamos, também, de menos amarras, menos galhos de urtiga no caminho.

- Fungando limão de cheiro com os dentes no quaradouro é o título do espetáculo que você vai apresentar de sexta a domingo, no Santa Isabel. O que tem de diferente das outras apresentações? Enfim, como vai ser o show?

Chegamos com cenário grandioso e renovado, com estampa de personagens ilustrativos de algumas histórias. Será um recital solo (onde fico mais solto, sem as amarras da trilha musical e ao sabor da plateia). Pretendemos apresentar histórias novas da pontinha da unha e dizer outros poemas que nunca são ditos por conta da expectativa histórica de se ouvir sempre os velhos clássicos.

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