quarta-feira, 18 de maio de 2011

A ARTE DA ALMA DO POVO...

Hélio Crisanto glosando o mote:

A natureza em segredo
mostra a sua perfeição.

Um galo canta afinado,
o guiné diz que tá fraco,
o peba cava o buraco
sem precisar de arado,
corre um tejo envenenado
bebe o leite do pinhão,
o burro com exatidão
dá a hora logo cedo;
a natureza em segredo
mostra a sua perfeição.

* * *

Jó Patriota glosando o mote:

Tudo quanto eu sofrer na minha vida
Só me queixo da tua ingratidão.

Eu pensei que tu eras inocente
Como a Virgem quando foi anunciada
Por mim mesmo tu foste comparada
Com a estrela Dalva refulgente
Que guiou os três reis do Oriente
À visita do Pai da Criação
Mas agora provaste a revelação
Que tiveste comigo foi perdido
Tudo quanto eu sofrer na minha vida
Só me queixo da tua ingratidão.

Tu de falsa roubaste o meu amor
Tu não tens coração mulher ingrata
Teu fingir cada vez mais me maltrata
Mais eu sofro, mais gemo, tenho dor
Se ao menos não fosse um cantador
Não conhecesse saudade nem paixão
Pois quem é desprezado sem razão
Perde até o direito da dormida
Tudo quanto eu sofrer na minha vida
Só me queixo da tua ingratidão.

* * *

Cordeiro Manso glosando o mote:

Fiz deixação da enxada
Por ser um ferro ruim
Quando eu puxava por ela
Ela puxava por mim.

Não sei quem foi que inventou
Aquele ferro malvado
Um bicho malamanhado
Só sendo o cão que forjou
Porque Deus que nos criou
Não deixou coisa malvada
Depois da bicha encaibada
Só faz é calo na mão
Por essa grande razão
fiz deixação da enxada.

Eu comprei uma enxada
botei um cabo de pau
porem aquele ferro mau
me deu uma canelada
deixou-me de unha arrancada
nunca vi doer assim!
Foi um enfado sem fim
meu corpo todo doía
até que deixei um dia
por ser um ferro ruim.

Eu deixei por um motivo
qual me queixo a vida inteira
Quando limpei três carreiras
Estava mais morto que vivo
Tomei um nota no livro
Para não esquecer mais dela
Com suor e mela-mela
Quase queimou a botica
o suor corria em bica
quando eu puxava por ela.

Vi-me em tormentos cruéis
com tal ferro arrenegado
se puxava pra meu lado
lá vinha cortar-me os pés
eu não tenho meus derréis
para dar por tal Caim
que deixou-me surubim
com mormos pela canela
quando eu puxava por ela,
ela puxava por mim.


* * *

José Fernandes glosando o mote:

A velhice rasgou a fantasia
Que enfeitava meus tempos de ilusão.

O sinal do futuro está vermelho
Minhas pernas parecem paralíticas
Minha boca só sabe fazer críticas
Reclamar de menino e dar conselho
Quando fico diante de um espelho
Vejo a imagem de uma assombração
Porque tenho mais rugas na feição
Do que gente assistindo a cantoria
A velhice rasgou a fantasia
Que enfeitava meus tempos de ilusão.

* * *

Zé Cardoso e Louro Branco glosando o mote:

Vi de tudo no mundo e não achei
Cantador pra cantar na minha frente.

Zé Cardoso

Louro Branco, na minha trajetória
Neste mundo eu vi tudo que queria
No avanço da tecnologia
Vi o homem coberto de vitória
O Brasil assinando moratória
E vi governo vendendo continente
Vi Tancredo ganhar pra presidente
E deixar tudo nas mãos de Zé Sarney
Vi de tudo no mundo e não achei
Cantador pra cantar na minha frente.

Louro Branco

Eu vi Lula ganhando essa parada
E Zé Serra tombando pra cair
Vi Tancredo ganhar sem assumir
E vi Collor assumir sem fazer nada
Vi uma mulher toda enrolada
Sem poder disputar com o presidente
Perguntei: “quem é ela, finalmente?”
Me disseram: “É a filha de Sarney”
Vi de tudo na vida e não achei
Cantador pra cantar na minha frente.

* * *

Um folheto de Severino Borges da Silva

DISCUSSÃO DE JOÃO FORMIGA COM FRANCISCO PARAFUSO

Estava João Formiga
Versejando alegremente
Nas terras do Ceará
Quando chegou de repente
Um cantor do Mato Grosso
Quase tonto de aguardente

Chegou na sala e saudou
A todo o povo primeiro
E disse a João Formiga:
— Vá sabendo cavalheiro
Sou Francisco Parafuso
Dou certo em todo tempero

O dono da casa disse:
— Pois então, meu camarada
Você canta com Formiga
Uma discussão pesada
Se ganhar leva o dinheiro
Se perder não leva nada

— Porém eu vou dar um tema
Com estilos naturais
Para Formiga dizer
Com bases fundamentais
Sem errar nem dar um tombo
Nem bebo, nem fumo mais

E Parafuso responde
Para se ouvir e ver
Defendendo a aguardente
Durante enquanto viver
E dizer no fim do verso
Bebo e fumo até morrer

João Formiga

Meu amigo Parafuso
Agora vou lhe dizer
Deus me livre de beber
Fumar eu também não uso
Do fumo eu tomei abuso
Porque nada bom não traz
Pois quando eu era rapaz
Quase o fumo me liquida
Enquanto Deus me der vida
Nem bebo, nem fumo mais

Francisco Parafuso

Você é um inocente
Fumar é uma beleza
O fumo tira a tristeza
Fica a pessoa contente
O suco da aguardente
Ao homem dá bom prazer
Portanto posso dizer
Com pensamento profundo
Enquanto eu viver no mundo
Bebo e fumo até morrer

João Formiga

Fumar, beber, não convém
Quem é bom não se acostuma
Pois a pessoa que fuma
Queima o dinheiro que tem
O homem que pensa bem
Essas misérias não faz
Pois eu nos tempos atrás
Fui um homem ignorante
Porém d’agora por diante
Nem bebo, nem fumo mais

Francisco Parafuso

Pois eu fumo todo dia
E bebo aguardente boa
Minha goela não enjoa
Quando tomo “dela fria”
Depois faço a poesia
Torno de novo beber
Faço desaparecer
A tristeza da matéria
Nesta vida de miséria
Bebo e fumo até morrer

João Formiga

Mas você se desmantela
Pensando nesta tolice
O fumo traz a tontice
E um entalo na goela
Deixa uma nódoa amarela
Nas partes intestinais
Eis aí meu bom rapaz
Do fumo os produtos seus
Eu como acredito em Deus
Não bebo, nem fumo mais

Francisco Parafuso

Porém Deus mesmo é quem cria
O fumo e a aguardente
Na terra nasce a semente
Que todo povo aprecia
Quem não bebe hoje em dia
Na vida não tem prazer
Eu para desaparecer
As mágoas do coração
Vou me encostar no balcão
Bebo e fumo até morrer

João Formiga

Eu de fumar não preciso
Fumo ataca o coração
A cana acaba o pulmão
O fumo tira o juízo
O homem fica indeciso
Nem pra diante nem pra trás
Não sabe nem o que faz
Quem só vive embriagado
Eu como sou preparado
Nem bebo, nem fumo mais

Francisco Parafuso

Pois colega eu não relaxo
De beber num copo fino
Hoje só não bebe o sino
Por ter a boca pra baixo
E por isso quando eu acho
Na rua com quem beber
Mando o caixeiro descer
Aguardente brasileira
Faço farra a noite inteira
Bebo e fumo até morrer

João Formiga

Você assim vai errado
No caminho da perdição
Não obedece a lição
Do mandamento sagrado
No caminho do pecado
Dando gosto a satanás
Perde as forças divinais
E toda vitalidade
Eu que conheço a verdade
Nem bebo, nem fumo mais

Francisco Parafuso

Hoje já é conhecido
Bebe o sábio e o vagabundo
Quem não bebe neste mundo
No outro será bebido
Eu como sou prevenido
Antes da morte descer
Todo dia hei de beber
Fazer minha carraspana
Enquanto existir cana
Bebo e fumo até morrer

João Formiga

Jesus explicou aos seus
Naquele tempo passado
Que o homem viciado
Não vê o reino de Deus
Depois disso São Mateus
Deu outras provas legais
O fumo a cana o que faz
Relembrando a Jesus Cristo
E eu conhecendo disto
Nem bebo, nem fumo mais

Francisco Parafuso

Diz o novo testamento
Que Jesus meu amiguinho
Mudou a água no vinho
Na festa dum casamento
Todos do divertimento
Tiveram então que beber
Do vinho com bel-prazer
Que foi milagre de Cristo
Bebo e fumo até morrer

João Formiga

Falaste perfeitamente
Pelo caminho da luz
Mas o vinho de Jesus
Do de hoje e diferente
Porque é álcool somente
O bem a ninguém não faz
O de Jesus, meu rapaz
Foi seu sangue verdadeiro
Eu conheço este roteiro
Nem bebo, nem fumo mais

Francisco Parafuso

Você não conhece bem
Do verdadeiro caminho
Porque o suco do vinho
É o mais forte que tem
Relembre a Noé também
Depois do vinho beber
Viu o mundo escurecer
E caiu no chão sem fé
Eu faço igual a Noé
Bebo e fumo até morrer

João Formiga

Quem bebe faz ação feia
E vive se consumindo
E passa a noite dormindo
No cimento da cadeia
Leva uma surra de peia
Das mãos dos policiais
Os meninos vão atrás
Com ele fazendo festa
Eu vendo uma coisa desta
Nem bebo, nem fumo mais

Francisco Parafuso

Porém o homem decente
Bebe e não se embriaga
Acende o cigarro e traga
Fica logo alegremente
Conversa com toda gente
Sem nunca se aborrecer
Fica cheio de prazer
Canta como uma cigarra
Eu como gosto da farra
Bebo e fumo até morrer

João Formiga

Porém quem vive bebendo
Satanás nele se monta
A cabeça fica tonta
E a vista escurecendo
O corpo fica tremendo
Devido aos vícios banais
Digo ao homem capaz
Não cala no preconceito
Como sou quase perfeito
Nem bebo, nem fumo mais

Francisco Parafuso

Eu bebo, eu fumo, eu proso
Eu danço, eu canto, eu versejo
Eu compro, eu canto, eu traquejo
Eu troço, eu farro, e eu gozo
Eu escrevo, eu verso, eu gloso
Comigo tudo é prazer
Ouça a negrada dizer:
— Faça bonzinho, Parafuso
Eu que tudo isto uso
Bebo e fumo até morrer

João Formiga

Pois eu nem bebo, nem fumo
Nem danço, nem faço farra
Nem canto como cigarra
Nem caio, nem desaprumo
Nem ajeito, nem aprumo
Nem sou velho, nem rapaz
Nem santo, nem satanás
Nem sou princípio, nem fim
Nem sou bom, nem sou ruim
Nem bebo, nem fumo mais

Aí o dono da casa
Disse: — Está muito boa a porfia
Nem um nem outro perdeu
Vou repartir a quantia
Porém vocês cantem mais
Até amanhecer o dia

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