sexta-feira, 10 de julho de 2015

THIAGO DE MELO...

OS ESTATUTOS DO HOMEM
(Thiago de Mello -Quinta Normal, Santiago do
Chile - abril de 1964)
"Art.I. Fica decretado que agora vale a verdade/que agora vale a vida/e que, de mãos dadas, trabalharemos todos pela vida verdadeira/

Art. II. Fica decretado que todos os dias da semana/inclusive as terças feiras mais cinzentas,/ tem direito a converter-se em manhãs de domingo./ 

Art. III. Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas,/ que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra, e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança. 

Art. IV. Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem./Que o homem confiará no homem/como a palmeira confia no vento,/ como o vento confia no ar,/como o ar confia no campo azul do céu./ Parágrafo único. O homem confiará no homem/como um menino confia em outro menino. 

Art. V. Fica decretado que os homens/estão livres do jogo da mentira./Nunca mais será preciso usar/a couraça do silêncio/nem a armadura de palavras./O homem se sentará à mesa/com seu olhar limpo/porque a verdade passará a ser servida/antes da sobremesa./

Art. VI. Fica estabelecido, durante os séculos da vida,/ a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos/ e a comida de ambos ter[á o mesmo gosto de aurora./

Art. VII. Por Decreto irrevogável fica estabelecido/o reinado permanente da justiça e da claridade,/ e a alegria será uma bandeira generosa/para sempre desfraldada na alma do povo./ 

Art. VIII. Fica decretado que a maior dor/sempre foi e será sempre/não poder dar-se amor a quem se ama/sabendo que é a água que dá à planta o milagre da flor./

Art. IX.Fica permitido que o pão de cada dia/tenha no homem o sinal de seu suor./Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura./

Art. X.Fica permitido a qualquer pessoa,/a qualquer hora da vida,/ o uso do traje branco./

Art. XI. Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama/e que por isso é belo,/ muito mais belo que a estrela da manhã./ 

Art. XII. Decreta-se que nada será obrigado nem proibido./Tudo será permitido,/inclusive brincar com os rinocerontes/e caminhar pelas tardes./com uma imensa begônia na lapela./ Parágrafo único. Só uma coisa fica proibida: amar sem amor./

Art. XIII. Fica decretado que o dinheiro/não poderá nunca mais comprar/o sol das manhãs vindouras./Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal/para defender o direito de cantar/e a festa do dia que chegou./

Art. Final. Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários/e do pântano enganoso das bocas./A partir deste instante/a liberdade será algo vivo e transparente/como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre/o coração do homem."

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