quarta-feira, 22 de julho de 2015
RESPOSTAS EM CIMA DA BUCHA...
UMA ENTREVISTA EM FOLHETO
Entrevista concedida pelo cordelista Antonio Barreto ao jornalista Cazzo Fontoura e respondida em versos
1- Quem é Antonio Barreto?
Se quiser me conhecer
Nem precisa perguntar !
Baiano lá do sertão
Santa Bárbara é o meu lugar
Sou substantivo próprio
Masculino, singular.
Quer saber da minha origem
Agora vou lhe dizer:
Vim do bico da cegonha
E nasci para aprender
Sou do signo de câncer
Sou sensível pra valer.
Sou o aboio dos vaqueiros
Pelos ventos da alegria
Nessa estrada empoeirada
Seja noite ou luz do dia
Sou o berro das manadas
O Cordel e a cantoria.
2- Quando o cordel tocou a veia de Antonio Barreto?
O cordel entrou em mim
E ferrou meu coração
Quando ainda era menino
Nas caatingas do sertão
Ouvindo o berro do gado
E atravessando a nado
As águas da solidão;
Reisado, bumba-meu-boi
Vaquejada, cantoria
Pau-de-sebo, quebra-pote
Forró e muita folia:
Foi assim o meu cenário
Nas cores do imaginário
Que eu jamais esqueceria.
3- A Literatura de Cordel tem técnica ou faz-se verso de cordel livremente?
Na Europa, o Cordel
Era sempre feito em prosa;
No Brasil, é feito em verso
Essa arte grandiosa.
Ritmado a rigor
De uma forma harmoniosa.
Além de escrito em verso
Temos que atentar à rima
De preferência soante
Pra tornar-se obra-prima
Pois a boa melodia
Nos encanta, nos anima…
Na poesia canônica
Faz-se verso livremente
Entretanto no Cordel
A regra é bem diferente
Rima e ritmo se completam
Mais-que-adequadamente
4- A discussão antiga: o Cordel é atemporal?
O cordel flui pelas águas
Do rio da simplicidade
Sua nascente vem do campo
Ao abraço com a cidade
Galopando por caminhos
De lonjuras e espinhos
Clamando por liberdade.
O cordel ao mesmo tempo
É vovô e é menino
É passado e é presente
Um mistério cristalino
O futuro rindo à toa
A nuvem que sempre voa
Sem parada e sem destino.
Ele não possui idade
É tão velho quanto o mundo
É tão jovem quanto o sol
Que renasce num segundo
Ou quem sabe vem da Grécia
Com magia e peripécia
No seu versejar profundo.
5- Guimarães Rosa é universal; James Joyce é universal. A poesia de cordel é Universal?
Guimarães e James Joyce
Sempre foram universais
Mas também há outro vate
Que possui muito cartaz:
Me refiro a Patativa
Poeta de voz altiva
Que em Sorbonne é um ás.
E o Cordel não corre atrás
De estrelismo e troféus
Nossa arte popular
A transitar pelos céus
Sem inveja do arco-íris
Do trono Zeus ou Íris
Longe do banco dos réus.
Temos a convicção
Que a Cultura Popular
É amada e muito aceita
No Brasil e além-mar:
Nas pesquisas de Cantel
Luyten, Kurran: o cordel
Pôde universalizar.
6- Tem função social a Literatura de Cordel?
Haja função social
Nos folhetos de cordel
Uma vez que o cordelista
Desempenha o seu papel
De denunciar o sistema
Alertando o estratagema
Dos políticos de cartel.
Além disso os cordelistas
Desta nova geração
Têm se preocupado muito
Com os rumos da Educação
Levando o cordel à Escola
Dando um grande show de bola
Promovendo a inclusão.
Nós também denunciamos
A injustiça, a violência,
Desigualdade, racismo,
A ganância, a prepotência…
Somos antenas da raça
E mostramos a desgraça
Que todos pedem clemência.
7- Paulo Coelho tem cadeira na Academia Brasileira de Letras. O cordelista tem onde sentar na Academia?
Admiro o Paulo Coelho
Mas preciso contestar:
Penso que ele precisa
Sua cadeira ofertar
A Leandro ou Silvino
Patativa ou Minelvino
E depois se aposentar !
Cadeira em Academia
O cordelista não tem.
Pois ali é um ambiente
Que ao Cordel não lhe convém
Nosso lema é a grandeza,
Simplicidade e beleza
Sem jamais dizer amém !
Deixemos que a Academia
Siga a sua tradição
Usando o mesmo critério
Político de exclusão.
Mas quem sabe um belo dia
Para a nossa alegria
Ela dê voz ao sertão !
8- Há relação entre a Literatura de Cordel e a música?
Claro que há relação
Da música com o cordel
Perceba que o menestrel
Toca em ritmo de baião,
Na rabeca, violão,
Na sanfona, na viola;
No pandeiro a gente embola
O verso metrificado.
E se for de pé quebrado:
O casamento não rola !
9- Há quem diga que o livro estará em extinção no futuro. E o folheto do cordel sobreviverá?
Eu sei que o livro sobreviverá
Ainda que o progresso se agigante
É mais fácil extinguir um elefante,
Político, raposa, tamanduá,
Caráter, vergonha, onça, gambá
O dinheiro, a justiça, a lealdade,
A ética, a fé, a dignidade…
Mas o Cordel que é fonte de cultura
Afirmo que ele sempre perdura
Nos dias de hoje e na eternidade !
10- Barreto, você respondeu em sextilha, septilha, décima, martelo… E o galope à beira-mar onde é que fica?
Eu sou sertanejo, estrela que brilha
Ninguém me humilha porque sou valente.
Eu brigo de faca, de murro, de dente…
Sou mais que a serpente, dragão armadilha
Também sou de paz e desejo partilha
Fogueira queimando sem nunca apagar
Estou sempre rindo, mas posso chorar…
Detesto avareza, ciúme, mentira,
Eu bato de frente no medo, na ira
E aprendo os segredos das águas do mar.
11- Barreto, faça uma brincadeira à la Zé Limeira – o Poeta do Absurdo!
Eu brinco de Zé Limeira
No espetáculo da loucura
Meu sorvete é rapadura
Os meus olhos são fogueira
Freud inventou a peixeira
Lampião a anestesia
Jesus Cristo se escondia
No quintal de Zé Raimundo
Me separo desse mundo
Mas não deixo a poesia.
12- Agora, Barreto, suas considerações finais em Quadra, afinal ela é o gênero que, através dos colonizadores ibéricos, introduziu o cordel no nordeste brasileiro!
Obrigado, amigo CAZZO
Pela bela entrevista
Que fizeste no momento
Com esse simples cordelista.
Eu espero que o leitor
Aprecie nosso trabalho
E perceba que o Cordel
Necessita de agasalho,
Apoio, divulgação
Nesse novo limiar
Porque ele é o ouro
Da Cultura Popular !
Aqui, todo meu apreço
Bordado de gratidão
Do Barreto, aprendiz,
Que veio lá do sertão…
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