sexta-feira, 13 de março de 2015

UMA CRÔNICA DE MOACYR LUZ, DÁ SAUDADES DA GUANABARA...





               Rio - Na confusão do trânsito carioca, engarrafei numa transversal da Saara, em frente a Rua Senhor dos Passos, o tempo estancado feito os carros espremidos na mão única. 
               A memória, sem pé no freio, atropela as vitrines do mercado popular, chapéus a bom preço, bijuterias estilosas como um ovo Fabergé, as colombinas da Turuna, Caçula e papel carbono, arquivo pessoal.
               Paisagem de época, não reconheço o Penafiel, um pequeno restaurante dessa várzea onde o prato do dia era servido direto da panela, requintes portugueses na comida tradicional, línguadefumada com feijão manteiga.

                Um vazio ensurdecedor alcança a têmpora. É a foto recortada com a mágoa de um atormentado amor. Escafedeu­se.

               Num desperdício de modernidades, alguns bares, restaurantes, desapareceram feito time pequeno nas últimas divisões. Você não ouve mais falar. Parece aquele parente que saiu pra comprar e cigarros e nunca mais voltou. Se perdem na roda do moinho. Perdi o paladar do gengibre quando selaram de vez as portas do Tangará. Chamava a atenção na estufa, o sanduíche de pão francês com bife à milanesa. Não existiam cadeiras, nem supor mesas forradas. Comer e beber, só em pé, um clássico da boemia diurna. Na mesma quadra, vigiando a entrada do Teatro Rival, cachaça na moringa e jilós temperados na simplicidade do Bar Carlitos. Detalhe, foi deste balcão que nasceu o império do querido Antônio Rodrigues, o dono de todos os Belmontes e mais uma penca de biroscas famosas, nomes preservados pra não gastar de vez a “comigo ninguém pode”, arruda no molho do sal grosso.
A cidade perdendo o assento.


               Eu tinha 20 anos quando, curioso, atravessei a Santa Luzia pra observar na esquina um mínimo armazém de líquidos e comestíveis finos. Era o Pardellas, com frutas na entrada e um seleto bar no fim do ambiente. No bolso, a conta certa de comprar a laranja seleta no tabuleiro das ofertas, mas o coração audacioso avançou no biombo das bebidas em doses, barman discreto e um elegante silêncio decorando as paredes.
Sentei num dos dois confortáveis sofás da casa, olhar enfeitiçado com a delicadeza das garrafas, o espelho duplicando taças, refletindo os maltes mais raros, anos de histórias e barris de carvalho. Podia ser melhor? Sim. Quando o ouvido passou a ser o arauto do sentido principal, identifiquei a voz que dividia a palheta daquela pintura. Tom Jobim. Suas palavras, pequenas intervenções que jamais esqueci, o passado na proa da minha vida. Às vezes, a memória falha. Há duas crônicas chamei de Jorge o atencioso Pedro, meu fiel garçom no Lamas, velhas recordações. Errei o nome. Pelo menos, duque na mesma linha, santos da minha bêbada cabeceira.

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