Há quanto tempo não escrevo um soneto
Mas não importa: escrevo este agora.
Sonetos são infância, e, nesta hora,
A minha infância é só um ponto preto,
Mas não importa: escrevo este agora.
Sonetos são infância, e, nesta hora,
A minha infância é só um ponto preto,
Que num imóbil e fútil trajecto
Do comboio que sou me deita fora.
E o soneto é como alguém, que mora
Há dois dias em tudo que projecto.
Do comboio que sou me deita fora.
E o soneto é como alguém, que mora
Há dois dias em tudo que projecto.
Graças a Deus, ainda sei que há
Catorze linhas a cumprir iguais
Para a gente saber onde é que está…
Catorze linhas a cumprir iguais
Para a gente saber onde é que está…
Mas onde a gente está, ou eu, não sei…
Não quero saber mais de nada mais
E berdamerda para o que saberei.
Não quero saber mais de nada mais
E berdamerda para o que saberei.
Álvaro de Campos nasceu em Tavira, Algarve, Portugal, e depois se mudou para Glasgow, Escócia, onde foi estudar engenharia. Primeiro mecânica, depois naval. "Quase se conclui do que diz Campos, de que, o poeta vulgar sente espontâneamente com a largueza que naturalmente projetaria em versos como os que ele escreve; e depois, refletindo, sujeita essa emoção a cortes e retoques e outras mutilações ou alterações, em obediência a uma regra exterior. Nenhum homem foi alguma vez poeta assim" afirmou Ricardo Reis em um de seus apontamentos. Álvaro de Campos é um dos mais conhecidos heterônimos de Fernando Pessoa.
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