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Um folheto de José Pacheco
HISTÓRIA DO CAÇADOR QUE FOI AO INFERNO
Desapareça a mentira,
Triunfe a santa verdade!
Devemos regozijar
A velha realidade
Corta-se o tronco da árvore
Que brota imoralidade!
Deus aborrece a mentira,
Despreza quem falso jura,
O perverso é abatido
O vil não terá ventura
Segundo o que está escrito,
Nas páginas da Escritura.
Porém a época nos trouxe
Grande corrupção fatal:
Malvadez e falsidade,
A perjura, a imoral
A mentira reina hoje,
Geralmente universal
É raro se ver um homem,
Rico ou pobre, seja quem,
De um coração generoso,
Que só premedite o bem
O critério, a consciência,
Não se sabe hoje que tem!
Eu, que sou consciencioso,
De mentir não sou capaz,
Pois, no traçar de meus versos,
Grande desprazer me faz,
Porque dizem que poeta
Cada qual que minta mais!
Vezes que até me acanho
De narrar certo passado
Porém vou descrever este,
Que antigamente foi dado
Cena que, quando recordo,
Me sinto atemorizado
Um homem, que existia
Naquela época passada,
Tomou como profissão
A diversão de caçada
Às vezes caçava só,
Por lhe faltar camarada
Uma vez, estava só,
Cumprindo o destino seu.
Um cão lhe acompanhava
Uivou, ganiu e correu
Com menos de dois minutos,
Ele desapareceu
Tinha o nome de Valente,
Este nome lhe quadrava,
Porque ele, estava solto,
Na porta ninguém passava,
Entrava em furna de pedra,
Puxava onça e matava
Raposa e gato do mato
Não pegavam criação.
No terreiro de seu dono
Não encostava ladrão.
Vizinhos ali de perto
Tinham a mesma proteção
Porém, deixemos ficar
Valente e o furor seu,
Tratemos sobre a história
De que forma aconteceu,
Num dia que muita gente
Teme São Bartolomeu
Quando o cachorro correu,
Saiu em sua procura.
Desceu numa grota funda,
Mata virgem, muito escura
Lugar que ninguém sentia
Do sol a menor quentura
Podiam ser, mais ou menos,
As oito horas do dia.
Reinava grande silêncio
E Valente não latia
Também, que fosse de noite
A grota já parecia
Ali, no centro da mesma,
Ouviu tremendo rosnado
E disse com seus botões:
— Valente está acuado!
Pois, leitor, quem anda aos porcos,
Lhe ronca pra todo lado
Também não teve demora,
Foi ver apressadamente
Era uma grande furna,
De uma onça certamente
O rangido sem cessar,
Brandia forçosamente
Enquanto aquele rangido,
Pode calcular que era
Valente, que estava dentro,
Agarrado com a fera
Que ele o estrangulasse,
Então ficou à espera
Depois resolveu entrar,
Porém temia a desgraça,
Mas, não entrando, perdia
O seu cachorro de caça
Perdendo, não encontrava
Outro de tão boa raça
Levantou a mão ao céu
E fez uma petição
Disse: — Oh, Virgem Maria!
Dai-me a vossa proteção
Nesse ato temerário
Sede minha redenção!
Botou o punhal nos dentes,
O bacamarte na mão,
Marchou dentro da caverna,
Dobrou a escuridão,
Auxiliou-se com fósforos,
De onde procede o clarão
Andando e riscando fósforos,
Com o bacamarte armado,
Deixando bocas de furnas
De um e de outro lado
Enquanto o grande rugido
Cada vez mais alterado!
Depois, ficou no escuro,
Todos os fósforos queimou
Apesar da escuridão,
Porém não desanimou,
Confiando nos prodígios
Da Virgem, a quem implorou
Porém, naquele momento,
Uma mão fria e gelada
Sentiu topar no seu peito,
Com força e muito pesada
Como quem vinha dizer-lhe
Que esbarrasse a jornada
E transformou-se o gemido
Em choros descomunais,
Qual um ente que sofria
Sob a pena infernais
Então, sua consciência
Pedia não seguir mais
Vou apalpando as pedras,
Andou muito e apressado,
Mas nada de acertar
O lugar que tinha entrado,
Devido a bocas de furnas
Que tinha de cada lado
Já muito desanimado,
Para um lado foi marchando
Ali sentiu um mau cheiro
Como de enxofre queimando
E uns berros de horrores,
Como de um bode apanhando
E viu um clarão tingido,
Um grande portão fechado
Que guarnecia a um prédio
Muito velho e maltratado
Conheceu que tinha gente,
Por fazerem um resmungado
Bradava uma fala triste,
Fanhosa e aborrecida
Cismou que aquilo fosse
Fantasma de outra vida
Porém, tudo não faz conta,
Quando a coisa está perdida
Bateu no dito portão,
Pedindo ser protegido
Lhe perguntaram: — Quem é?
Respondeu: — Um desvalido
Que anda aqui nessas trevas,
Completamente perdido
— O senhor está protegido!
Lhe responderam assim
Quem bater em nossa porta,
Vindo recorrer a mim,
Digo com entusiasmo
Não há mais tempo ruim!
Então abriram a porta.
Quem lhe veio receber
Era uma preta velha
Ao vê-la, ele quis correr,
Porém pensou que correndo
Pior poderia ser
Fingiu que estava animado,
Ela mandou ele entrar,
Nuns esqueletos de ossos
Mandou ele se assentar
E lhe obrigou também
A sua vida contar
Andou dizendo umas coisas,
Mas quase sem teoria,
Porque, com o aspecto dela
Qualquer um esmorecia!
O leitor tenha cuidado,
Não tope com ela um dia!
Era alta e muito seca,
Cada pé um esporão,
A cintura de macaco,
A cauda varria o chão,
Vomitando pela boca
Borra de cinza e carvão
A negra, olhando a ele,
Lhe disse com grande empenho:
— Fiquei aí, eu vou lá dentro,
Não saia que eu já venho
Vou chamar o meu marido
E uns filhos que aqui tenho
Quando a tal negra saiu,
Ele viu-a por detrás,
Fumaçando pelo fundo,
Como um bueiro faz
Ele disse: Esta malvada
É a mãe de satanás!
Voltou a preta trazendo
Um preto velho de lado,
Mancando como quem estava
De uma perna espaduado
Dos mesmos traços da negra
Ele era assinalado
Foi chegando e perguntou-lhe:
— Conhece este pedestal?
Ele respondeu que não,
Não sei se fez bem ou mal
Mas viu que era o inferno
E ele era o maioral
Disse o preto: — Eu vou mostrar-te
Para ficares ciente
Derrubou uma empanada,
Que amparava na frente,
Mostrando-lhe o interior
Viu tudo perfeitamente
Tinha uma placa confronte
Onde visível se lia:
Vala de Pena Infernal
Assim o quadro dizia
Um pedestal pertencente
Ao pessoal da orgia
— Vamos andar lá por dentro!
O maldito assim chamou
Ele disse que não ia,
Aquele então obrigou,
Lhe prometendo castigo
Se lhe dissesse “não vou”
Viu a alma de um bêbado,
Bebendo azeite fervido
Dois diabos, ainda moços,
Da cor de feijão cozido,
Obrigando a um cangaceiro
Beber chumbo derretido
Viu a alma de um ferreiro
Chegar nessa ocasião
Caim pegou-a no braço,
Trancou-a numa prisão,
Depois fez engolir
Meia arroba de carvão
Tem Rabicho e Cabeçote,
Dois diabos da mesma lista
Estes fizeram uma corda,
Enforcaram um maquinista
E arrancaram também
A língua do prestamista
Um vendilhão de miúdos
Sofreu martírio tamanho:
Bodoque, outro diabo novo,
Pegou ele e deu-lhe um banho,
Dentro de água fervendo,
Numa caldeira de estanho
Cuscuz, outro diabo velho,
Da venta de tabaqueiro,
Esse então ia montado
Na alma de um cambiteiro,
Com um topador na mão,
Ferroando a de um carreiro
Tem um diabo cinzento,
Com o nome de Canguinha
Viu esse arrancar as unhas
De um ladrão de galinha,
Depois sapecar as barbas
Dum vendedor de farinha
Um marcador de quadrilha
Chegou naquele momento.
Gongo, um negro malvado,
Que não tem comportamento,
Pregou-lhe um espeto quente
Aonde escapole o vento
Afinal, viu muitas almas
Sofrendo grande tormento,
Fora outra quantidade
Que tem num compartimento
Pelo barulho que fazem,
Parece ser mais de um cento
Tem ladrão e assassino
E também quem jura falso,
Filho desobediente
Que morreu no cadafalso
Desta forma existem muitas
Na sombra do negro laço
Essas moças vaidosas
Que trajam muito incapaz,
Mandam cortar seus cabelos,
Em seu caráter desfaz
Essas estão arquivadas
No livro de satanás
Tem de passar grande pena.
Nas garras de Lúcifer,
Mulher que engana o marido,
Porque Jesus não a quer
Agora, já não faz mal
Marido enganar mulher!
Leitor, aqui faço ponto
No caçador vou tratar,
Mesmo sua salvação
É necessário citar
Depois de tantos horrores,
Como pôde se salvar
Chegou uma mulher alva,
Com um rosário na mão,
Toda vestida de azul,
Encostou-se no portão
E disse assim: — Acompanha-me,
Vim salvar-te do vulcão!
Satanás ainda disse,
Com seu gesto triste e feio:
— Também, aquela mulher
Se mete em todo paleio!
Eu tenho raiva de gente
Que toma o que é alheio!
A Virgem não ouviu mais,
Porque já ia distante
E a mesma fez a furna
Tão clara qual diamante
Seguiram o seu destino,
Pois o Mistério Divino
Sempre nos salva e garante
Traspassou-se de alegria,
Por tão ditoso ter sido
Também a Virgem ausentou-se
Sem o qual ter pressentido
Em sua perturbação,
Fez a imaginação
Que ela tinha subido
O cachorro estava em casa,
Tudo direito e na paz.
Ele contou o passado,
Jurou de não caçar mais
Morreu na decrepitude
E nem pato no açude
Caçava com seus iguais!
Leitor, se és caçador
Atende um conselho meu
No dia que se disse:
“Hoje é São Bartolomeu”
Guarda tua munição,
Esconde o teu mosquetão,
Amarra o tubarão teu
Quem comprar este livrinho,
Terá Deus por defensor
E quem não comprar terá
O diabo por protetor!
Pra onde for se atrasa,
Finda parando na casa
Que parou o caçador.
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