quinta-feira, 15 de março de 2012

DE QUANDO VÍ UM CÍRIO QUEIMANDO NUMA CATEDRAL EM RUÍNAS...POR BERNARDO CELESTINO PIMENTEL.


Um fim de tarde igual a outros que diariamente acontecem em natal;...

estou na avenida Afonso pena... em frente ao edifício esmeralda, dentro de um fusca... espero a mulher e as crianças para enfrentar a noite,

alguns homens vestidos de palito, ou de camisas esporte, já retornam do trabalho. e entram na garagem sobre pilotis do edifício. na entrada do qual estou estacionado.

A TARDE vai findando com aquele clima de tristeza, própria desta hora, e o ar de angustia que faz parte do começo da noite na capital...

ATRÁS DOS MEUS ÓCULOS, vejo uma caixa de ferro sobre a calcada, com a inscrição:urbana, e de lado, um homem e uma mulher.. os três em cima da calcada do prédio, que abriga uma classe media alta..que no final joga as coisa usadas e imprestaveis, no lixo.

A mulher é alta, despenteada, mal vestida, facies ligeiramente debiloide, porem nos seus olhos existe um certo ar de ganancia, e a tensão de quem esta prestes a ganhar um prémio.
o homem vestido de mescla,atitude psíquica pelagroide, com o ar de quem estava começando o dia de trabalho...
A tarde vai ficando mais escura e o homem pula dentro da caixa de lixo e a mulher se mantem na postura de quem vai receber algo, de quem esta esperando pelo companheiro...
neste instante me dou conta da cena que se passara no palco da vida, no bairro do Tirol...
agora, no meu fusca, se encontra eu e a dor e a ansiedade para ver o desenrolar do espetaculo, ao ar livre, cujos actores não sabem que o estão sendo, não ensaiaram.
o enredo da peca foi determinado pela própria vida, pelas leis mães da vida:vestir, calcar, comer..
o homem se abaixa e ao se levantar, entrega a mulher umas latas de óleo de soja, secas, umas seis...a companheira recebe e exibe um ar que diz:serve...já e alguma coisa...
novamente o homem se abaixa e, ao levantar traz na mao uma sapatilhas vermelhas...
este objeto despertou na cara pálida da mulher, um ar de mais interesse... ela imediatamente as calçou...e deu ao corpo uma rodada narcisista, semelhante ao que faz as mocas ricas, provando vestidos em botiques de luxo.
A esta altura eu já queria que a minha família não chegasse logo, para não distrair a introspecção, que o espetaculo estava me proporcionando
o homem se abaixa pela terceira vez...eu diria: foi a terceira queda do cristo natalense, no calvário do Tirol, na frente de Poncio Pilatos, que estava a observar de dentro do carro...
o homem submerge com uma moldura antiga, sem a gravura do quadro, e entrega a mulher..
meus amigos, a face humilde e anémica da jovem senhora esboçou um ar de profunda ternura e contentamento; no seu olhar eu vi a alegria pura e simples, no seu estado de gema...
a mulher acolhendo a prenda, olhou o amante e falou: foi muito bom você ter encontrado esta moldura, vamos leva la para casa, pois la em casa, o RETRATO DA GENTE esta muito embolado...NESTE momento eu tive vontade de chorar... vi cair a mascara que esconde o meu egoísmo e a minha ganancia,,, a eterna competição, o eterno desejo de querer mais, o ter mais...
me lembrei de Vinicius de morais, pelo motivo social e poético: eu vi um círio queimando numa catedral em ruínas... uma mulher onde faltava tudo, se preocupando em emoldurar o retrato do casal, para colocar na sua sala...

agora, as crianças já chegaram e eu já vou...cada vez mais,volta mais gente do trabalho, entram nas suas garagens e sobem para os seus apartamentos, MUITOS DOS QUAIS NÃO POSSUEM UM RETRATO EMOLDURADO do casal , na sala de visita.

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