quinta-feira, 6 de outubro de 2011

SOBRE A JUSTIÇA DO BRASIL...

Vitor Hugo Soares

De repente, não mais que de repente, como no poema de Vinícius de Moraes, uma imensa onda de protesto se formou e espalhou-se rapidamente pelo País. Tudo isso a partir da ameaça da cúpula do judiciário brasileiro – à frente o presidente do STF, Cézar Peluso – de retirar poderes do Conselho Nacional de Justiça, comandado pela corregedora Eliana Calmon, de punir juízes que cometem crimes e tentam se esconder sob a toga.
Tão de repente como tudo começou, a vaga poderosa – a ponto de melar reputações e ameaçar de afogamento muita gente de anel de brilhante vermelho no dedo – dá a impressão de amainar, antes de completar uma semana.
A Corte Suprema fez um recuo estratégico. Desistiu de julgar na quarta-feira, como previsto, ação corporativa movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, destinada a retirar poderes do CNJ – e assim constranger e jogar para escanteio a corregedora em sua firme e corajosa ação de combate à impunidade.
“O momento não é adequado. Vamos deixar até que os fatos sejam mais esclarecidos”, sintetizou o ministro Marco Aurélio Mello, relator da ação da AMB, ao explicar o adiamento do julgamento que assumiu características cruciais para o próprio futuro do Supremo, conforme alertou o senador gaúcho Pedro Simon (PMDB) em entrevista à revista digital Terra Magazine.
No dia seguinte, quinta-feira, o STF aceitou denúncia contra o deputado Paulo Maluf na ação que acusa o ex-governador de São Paulo e seus familiares de crimes contra os cofres do Estado e de “extraviar” a dinheirama para bancos estrangeiros.
Diante de tais fatos, os franceses provavelmente apelariam para uma de suas frases mais irônicas: “Honni soit qui mal y pense” (amaldiçoado quem pensar mal destas coisas). O ex-presidente francês Charles de Gaulle preferiu fazer avaliação mais dura em uma de suas frases mais famosas…
No blog Bahia em Pauta, que edito há alguns anos em Salvador, a jornalista Rosane Santana, mestre em História pela Universidade Federal da Bahia e com passagem relativamente recente pela conceituada Harvard, nos Estados Unidos, postou comentário sobre estes dois assuntos que dominaram a semana.
Por considerá-las oportunas, reproduzo as palavras de Rosane, postadas esta sexta-feira (30) no blog baiano: “Efeito perfeito: sai das manchetes o affair STF x Eliana Calmon. Entra Maluf. Reviravolta total. A que prestam-se as manchetes de jornais? A percepção do STF agora fica positiva. Quem não quer ver Maluf condenado?”, diz a jornalista e mestre em História.
Ateu que acredita em milagres rogo piamente para que a previsão da competente jornalista e mestre acadêmica não se concretize, embora um demônio sopre em meus ouvidos que ela está carregada de razão.
Enquanto isso, vale recordar aqui uma questão relevante exposta em frase também emblemática da ministra corregedora do CNJ na polêmica entrevista à Associação Paulista de Jornais, mas relegada a segundo plano, no noticiário dos dias seguintes, tal o barulho hipócrita que se formou com a exposição pública pela corajosa magistrada dos “bandidos de toga” que proliferam no País.
“Sabe que dia eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o Sargento Garcia prender o Zorro. É um Tribunal de Justiça fechado, refratário a qualquer ação do CNJ e o presidente do STF é paulista”, afirmou a ministra Eliana.
Aí está uma questão que cobra respostas esclarecedoras e convincentes da cúpula do judiciário brasileiro, em lugar de pressões injustificáveis, corporativistas, indevidas e acima de tudo baseadas em pura hipocrisia.
Para terminar, vale lembrar ainda trechos do artigo que escrevi sobre esta exemplar magistrada baiana de quem tive a honra de ser contemporâneo na Faculdade de Direito da UFBA, com o título: “Eliana Calmon: quem é esta mulher?”, na época da Operação Navalha.
“Como na canção de Joyce e Ana Terra, que a voz de Elis Regina consagrou, esta questão não comporta uma resposta ligeira ou simplificada, a exemplo do que se vê e escuta aqui e ali. A ministra Eliana não é uma unanimidade, como se percebe em depoimentos destes últimos dias. Nem ela acalenta o tipo de pretensão que Nelson Rodrigues considerava burrice…
…Movimenta-se, como se espera de um magistrado, com discrição, firmeza e o indispensável conhecimento da lei e do processo. Virtudes raras no terreno minado em que vicejam nulidades, intrigas, egos inflados, vaidades escancaradas – além de atitudes suspeitas ou abertamente indignas como se tem visto nas últimas semanas. Seu nome: Eliana Calmon Alves. Seu posto: ministra do Superior Tribunal de Justiça.”
Assino hoje as mesmas palavras sobre a digna e brava corregedora do CNJ.

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