terça-feira, 4 de outubro de 2011

ATÉ DA BOLA, NÓS JÁ TEMOS GENERAL...


O diretor-geral do Dnit é acusado de montar uma entidade que aceitou pagar propina em troca de um contrato milionário no Ministério dos Transportes.

O general Jorge Fraxe assumiu o comando do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) há exatos trinta dias. Ele foi convocado pela presidente Dilma Rousseff para sanear um órgão que, dotado de um orçamento de 15 bilhões de reais em 2011, se tornara presa fácil da corrupção. Ex-diretor de obras do Exército, considerado um técnico acima de qualquer suspeita, Fraxe recebeu a missão de desmantelar uma máquina clandestina que cobrava propina em troca de fraudes em licitações e superfaturamento de obras.

Essa máquina servia aos interesses do Partido da República, que comandou o Ministério dos Transportes e o Dnit desde o início do governo Lula. Mas não só aos do PR. O próprio general Fraxe, a quem cabe realizar a faxina determinada pelo Palácio do Planalto, surge agora no rol daqueles que miraram as milionárias verbas do órgão e miraram o caminho pantanoso que está na gênese e no desfecho de todos os escândalos. A história remonta a 2009.

Naquele ano, quando era diretor de patrimônio do Exército e já tinha conhecimento de sobra das engrenagens que movimentam o setor, o general conversou com um grupo de ambientalistas sobre a criação de uma ONG que se especializaria em trabalhar com obras pública. Participaram da conversa os engenheiros florestais Lorena Rabelo de Araújo e Mardel Morais, além do assessor de tecnologia do Exército Joarez Moreira Filho, que trabalhava diretamente com o general. Em outubro do ano passado, eles fundaram o Instituto Nacional de Desenvolvimento Ambiental (Inda). Fraxe, oficialmente, não tem vínculo com a ONG, mas mensagens eletrônicas trocadas entre ele e seu ex-assessor revelam que o militar sempre acompanhou tudo bem de perto.

O general era avisado sobre todos os atos administrativos envolvendo a entidade, os salários, o andamento dos contratos e os custos de manutenção, que, aliás, ficavam sob a responsabilidade de Joarez Moreira, que também não tem vinculo formal com o lnda. A ligação ficou ainda mais umbilical quando a entidade firmou seu primeiro contrato, em dezembro passado, justamente com o Exército. Coisa pequena para os padrões brasilienses: 264.000 reais – em troca de estudos para a implantação de vilas militares em Brasília.

Mas foi na costura do que seria o segundo contrato que a entidade pisou em terras movediças. No início deste ano, o Inda negociava com o Dnit a assinatura de um convênio para fazer o monitoramento ambiental do contorno ferroviário de Camaçari, na Bahia. A obra está prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e renderia à entidade 6 milhões de reais. Durante as negociações, a tal máquina clandestina de cobrança de propina que funcionava no órgão entrou em campo. A Inda teria de pagar 300.000 reais – o equivalente a 5% do valor do contrato – a duas funcionárias do Dnit: Aline Freitas e Juliana Karina.

O engenheiro Mardel Morais, diretor administrativo da entidade, porém, estrilou. Ele diz que testemunhou uma conversa entre a diretora da ONG, Lorena Rabelo, e Joarez Moreira, o assessor do general, ocasião em que eles discutiam detalhes do pagamento do que era tratado como “pedágio”. Preocupado, o diretor conta que procurou o general Fraxe para alertá-lo sobre o caso. Fez isso duas vezes. Na segunda delas, em março passado, chegou a entregar-lhe um dossiê. O general explicou que nada podia fazer porque não tinha nenhuma ligação com a ONG. “Ali, eu percebi que a coisa estava combinada entre todos eles e decidi sair”, conta Mardel.

O contrato entre o Inda e o Dnit não avançou, mas deixou um gigantesco embaraço para o general convocado para moralizar o órgão. Aline de Freitas, a funcionária que teria pedido propina, era a coordenadora-geral de meio ambiente do Dnit. E Juliana Karina, a ex-assessora dela. Aline é uma das poucas sobreviventes da faxina que varreu o órgão. Ela está no cargo desde julho de 2010, nomeada por Luiz Antonio Pagot, o ex-diretor que foi demitido após a divulgação do esquema de corrupção. Aline continua no posto, só que agora é subordinada direta ao general Fraxe. Ou seja, se tudo o que o engenheiro diz for rigorosamente verdadeiro, a funcionária que cobrou propina agora é subordinada ao mentor da entidade que estava disposta a pagar. Corruptos subordinados a corruptores.

Procurada pela reportage, a coordenadora confirma a negociação com os representantes do Inda, mas garante que nada pediu para fechar o convênio. “Houve uma troca de ideias que não prosperou”, disse por e-mail. Indagado a respeito, o general Fraxe respondeu, por nota, que não tem nenhuma relação com o Inda, que desconhece as denúncias e que aconselhou o engenheiro a procurar a polícia. Lorena e Joarez também negam as acusações.

Revelado pela revista Veja em julho, o esquema de corrupção dos Transportes levou a presidente Dilma a demitir quase trinta servidores. Caíram o ministro Alfredo Nascimento, os chefes do Dnit e da Valec, a estatal que cuida das obras em ferrovias, e duas dezenas de subalternos. O caso teve desdobramentos no Congresso. Presidente de honra do PR e o principal beneficiário da propina coletada na pasta, o deputado Valdemar Costa Neto foi alvo de uma representação no Conselho de Ética da Câmara.

Na semana passada, o colegiado, apesar de fartas evidências em sentido contrário, absolveu por 16 votos a 2 o parlamentar, que também figura como réu no processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF).

Nada que surpreenda numa semana em que até vassouras instaladas em frente ao Congresso, numa manifestação contra a corrupção, foram roubadas.

* * *

”Ele sabia do pedido de propina”

O engenheiro Mardel Morais dirigiu o Instituto Nacional de Desenvolvimento Ambiental (Inda) desde sua fundação. Segundo ele, o general Jorge Fraxe ajudou a montar a entidade, escolheu a diretoria e iniciou as tratativas para a assinatura de um convênio no valor de 6 milhões de reais com o Ministério dos Transportes. Para receber os recursos, o Inda pagaria 300000 reais de propina a funcionários do Dnit. O negócio só não prosperou porque explodiu o escândalo de corrupção no ministério que alçou o general ao posto de comandante do Dnit. A funcionária que teria cobrado propina agora é uma de suas principais auxiliares.

O atual diretor do Dnit sabia do pedido de propina?

Sabia. Entreguei um dossiê nas mãos dele com todos os detalhes. Falei com ele longamente sobre a história do “pedágio”. Ele ouviu a história e, depois, leu os papéis que eu lhe mostrei. Passado algum tempo, ele me ligou e disse que não poderia fazer nada porque não tinha nenhum vinculo com a entidade.

E isso é verdade?

A ideia de criar a Oscip (uma modalidade de ONG) foi dele, do general. Trabalhamos juntos num projeto ambiental de uma obra que estava sob a responsabilidade do Exército. Ele disse que havia gostado do meu trabalho, que queria criar uma instituição séria. E me chamou para participar, junto com outras pessoas ligadas a ele. O general me disse também que assumiria a presidência da entidade depois de deixar o Exército. Enquanto isso, o Joarez Moreira, que o assessorava, ficaria informalmente responsável por ela. A ONG é do general.

O senhor, como diretor administrativo da entidade, já sabia do pagamento de propina?

Não. Descobri quase que por acaso. No início do ano, a diretoria estava reunida tratando dos custos e dos lucros que o projeto iria gerar. Foi quando falaram num “pedágio” que seria necessário pagar. Perguntei do que se tratava. Eles me explicaram que, para garantir a assinatura do convênio, teríamos de pagar 5% dos 6 milhões de reais do convênio. Ouvi isso da Lorena Rabelo, que é da ONG, e do Joarez Moreira. Seriam 300.000 reais.

O “pedágio” seria pago a quem?

O dinheiro seria repassado para a Aline Freitas, coordenadora-geral de meio ambiente do Dnit, e a Juliana (Karina), que foi assessora dela e hoje é coordenadora de supervisão ambiental da BR-163.

E o que o senhor fez ao tomar conhecimento da história?

Eu avisei o general. Como diretor da entidade, fiquei muito preocupado. Ele nunca me disse que seria preciso pagar propina para conseguir os contratos. E eu, como diretor administrativo, seria o responsável legal por qualquer problema que isso viesse a causar no futuro. Como nada foi feito. Decidi denunciar. Ele sabia do pedido de propina. Tenho como provar.

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