sábado, 22 de outubro de 2011

NO PAÍS DA IMPUNIDADE...



SEU JOÃO DOS PATOS

POR NEWTON SILVA.

O editor entrou afobado na redação e me chamou. Na sala já estava o Jacaré, velho repórter policial. Eu trabalhava com ele algumas vezes. O chefe, subindo as calças por cima do bucho enorme, foi curto e grosso:

- Tem um doido lá na feira dos Malandros que vende diplomas. Um tal de seu João dos Patos. Vão lá ver se encontram o sujeito. Dêem um jeito de gravar uma entrevista como ele. Mas tudo no maior sigilo. Parece que o cara é metido com gente barra pesada e vocês podem entrar num rabo de foguete. Vão lá e comprem um diploma dele. Taí cem contos pra despesa!

- Comprar um diploma, chefe? – resmungou o Jacaré – Tô doido não! Isso dá a maior cana! Trocado em borracha é peia indo e peia voltando! A gente devia era tomar esses cem mirréis de cachaça.

- Diabéisso, Jaca? Num é mais homem não? Já te vi entrar em boca-de-fumo na maior cara de pau! Que foi agora? Tá virando mariquinha? Vão logo, seus baitolas! O jornal vai fechar daqui a pouco! Eu quero a matéria ainda hoje!

Já era quase meio-dia. Chegamos na feira com o cu cortando prego. O local era reduto de trambiqueiros de toda espécie e não foi difícil encontrar o tal sujeito dos diplomas. Bastaram umas perguntas ali, outras acolá.

- Nós tamos procurando o seu João dos Patos – perguntamos pra um cabra que tava ali de bobeira, só enfiando peido em cordão.

- É aquele véi mêi corno ali.

Descobrimos que o seu João, vendia mesmo era pato. Não sabemos até hoje como ele se enveredou no ramo de diplomas falsificados.

- Bom dia, seu João! – saldou o Jacaré.

- Bom dia, o caralho! Já tá hora do almoço e num vendi porra nenhuma! – Observei que ele tinha nas mãos um exemplar do livro Cem Anos de Solidão do escritor colombiano Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel de Literatura de 1982, e na outra um copo de cerveja.

- O senhor vende patos na feira e lê Garcia Marquez? – arrisquei.

- É o meu autor preferido! Gostei mais d’O Amor nos Tempos do Cólera. É mais realista. – Aquilo me surpreendeu bastante. O Jacaré ficou futricando com os patinhos e num ímpeto, disparou sem nenhuma cerimônia:

- A gente tá querendo comprar uns papeis que o senhor vende.

- Papeis? Você quer dizer diplomas. – Corrigiu o velho naturalmente. – Qual curso e qual universidade? Posso conseguir qualquer curso. Menos Medicina. Mexer com médico dá a maior desgraceira! Mas ainda se quiser dá uma de doutor, eu dou um jeito. Tem jeito pra tudo! Agora, se for Universidade Federal, demora uns dois dias, mas vem com a marca d’água original do MEC. Se for essas faculdades rabo-de-cabra particulares, amanhã tá pronto. O de Direito é que mais sai e ainda te entrego com as notas da OAB e de brinde dou um diploma de filosofia.

- Tem o de Jornalista? – perguntei meio tímido.

- Aí dento! Tu é doido, macho? Num tem isso mais não! O STF lascou os jornalistas! Agora esse diploma num serve nem pra enrolar peixe!

- E é bem feito mesmo? Os diplomas? Num dá pra desconfiar? – perguntou o Jacaré já todo interessado.

- Marminino! É de primeira! Tem vereador, deputado, empresário, tudo aí charlando, se passando por advogado, engenheiro, e o carai de asa! Tudo cria minha!

- E a polícia, nunca deu em cima? – perguntei.

- Polícia? Que porra de polícia, cidadão! Eu mesmo já botei uns meninos lá dentro. É mais fácil do que empurrar bêbo em ladeira! A polícia tá sem moral! A bandidagem tem mais recursos do que a Polícia! O judiciário desmoraliza o trabalho policial colocando os criminosos de voltas às ruas! Pra quê prender, se a indústria de habeas corpus está de vento em popa? Se algum dia precisar de um alvará de soltura, o papai aqui dá um jeito!

- É muito caro um diploma desses? Eu sempre quis ser Engenheiro ou Arquiteto. – Disse o Jacaré maravilhado com a sapiência do gorducho vendedor de pato.

- Arquiteto é coisa de boiola, mas o de Engenheiro faço por duzentos contos, de primeira! Nem o Reitor desconfia! E de quebra, se quiser, leva um de Pedagogia, pra tu presentear a tua quenga, no preço! Vai ou não vai?

- Só mais uma perguntinha, seu João… tem muita gente que já veio aqui comprar diploma?

- Ôxente! Se tem! Não só atrás de diploma. No último pleito veio um candidato a deputado. Ele queria saber se eu não conseguia manipular a urna eletrônica pra ele ganhar a eleição. O sujeito tava desesperado feito o cão! Me ofereceu uma grana preta!

- O senhor conseguiu? Deu certo? Ele ganhou? – perguntei já assustado com tamanha corrupção.

- Tanto deu certo como o feladaputa foi eleito! Ainda me deu um cano, o baitola! Mas eu pego ele na virada!

- E deu pra manipular os votos da urna eletrônica? – perguntou o Jacaré desconfiado.

- Que deu, deu! Mas eu não sei como foi. Um amigo meu que é programador, tem um amigo dele que trabalha no TSE e passou umas dicas. Dizem que é a coisa mais besta do mundo! Essa urna veia é a maior mentira! Pra um país corrupto como o nosso, essa urna é a um prato cheio de merda até a tampa!

O Jacaré me fez um sinal pra gente sair pela tangente. O homem era mais perigoso do que a gente pensava. O seu João engoliu mais um copo de cerveja e mordeu um churrasquinho e disse cuspindo farofa:

- Como é? Vocês vão querer o diploma ou tão só de viadagem?

- Na verdade, seu João, nós somos repórteres e gostaríamos de fazer uma entrevista com o senhor. Pode ficar tranqüilo que o sigilo é garantido pela lei da Imprensa. – Disse o Jacaré.

- Repórter? Eu devia ter desconfiado! Esse monte de perguntas… – mordeu o churrasco.

- A gente só quer saber se o senhor topa falar sobre esse negócio de diploma falsificado.

- Diploma? Que diploma? Eu sou é vendedor de pato! Se quiser entrevistar os patos, fique à vontade. Agora esse negócio de diploma é tudo mentira da oposição! Não sei de nada! Não sei de nada!

Nenhum comentário:

Postar um comentário