sexta-feira, 19 de março de 2010

Miguezin de Princesa II...


PARA GOSTAR DE LER

Se o dinheiro está curto
Até pra comprar cueca
E nem de longe imagino
Visitar um sítio asteca,
Posso em sonhos viajar
Nos livros que encontrar
Dentro da biblioteca.
Pego um avião moderno
E saio rasgando o céu,
Entre cortinas de nuvens
Que mais se parecem um véu
Da noiva da esperança,
E vou me parar na França
Conhecendo a Torre Eiffel.
Num banquinho de madeira,
Sem tirar os pés da terra,
Nas letras do livro-sonho,
Que tanta grandeza encerra,
Com algumas páginas lidas
Vejo todas as batidas
Do Big Bang da Inglaterra.
Num distante pé de serra
Alguém ouvirá meu grito
A saudar a Palestina,
Seus pastores com cabritos,
Em meio a tanta incerteza,
E mais à frente as belezas
Das pirâmides do Egito.
Viajo também nos braços
Do romanceiro de cá,
Das lendas e das estórias
Do povo do meu lugar,
Vou dormir com um poema
E me acordo com Iracema
De José de Alencar.
No Rio Grande do Norte,
Prosseguindo meu estudo,
Vou conhecendo a Iara
De belo corpo desnudo.
Pro sonho ficar mais quente,
Ela eu ganhei de presente
Do grande Câmara Cascudo.
Na vizinha Paraíba,
Vi João Grilo na subida;
Fui ao céu e ao inferno,
Que era um beco sem saída
Por Ariano criado
No enredo bem bolado
Auto da Compadecida.
Nas páginas paraibanas,
Vi quanto Augusto sofreu
Ao escrever Versos Íntimos
No eterno Livro do EU;
Apurando o meu empenho,
De Zé Lins vi o Engenho
Cujo fogo já morreu.
Dancei frevo em Pernambuco
Em terreiro, praça e sala,
Maracatu, caboclinho,
Fiquei em ponto de bala,
Gilberto Freire, gentil,
Me apresentou o Brasil
Em Casa Grande e Senzala.
Pelo século 19
Me enfurnei no sertão:
Conheci Maria Moura,
A valentia e a paixão
Que dobravam coronel.
Quem me contou foi Rachel
Na porteira do mourão.
Com Aluizio Azevedo,
Numa Casa de Pensão,
Vi mulato de Cortiço
(Nossa miscigenação),
Andei com Gonçalves Dias,
Indianista da poesia,
Nas terras do Maranhão.
Fui parar nas Alagoas,
Terra de Graciliano,
Onde a cachorra baleia
Foi atrás de Fabiano,
Vidas Secas de lamentos,
Batalhas e sofrimentos,
Sem rumo, esperança e plano.
Vi o Sargento Getúlio
Tomado de valentia,
De posse de uma lazarina,
Caminhar de noite e dia,
Conduzindo sem clemência
Um preso na diligência
Entre Sergipe e Bahia.
Quem contou foi João Ubaldo,
E o fez com maestria,
Bem depois de Jorge Amado,
Escritor-mor da Bahia,
Que soube falar de amores,
Crenças, culturas e dores
Com cheiros de maresia.
Vejo a Tenda dos Milagres,
Em noite de lua cheia;
Gabriela cheira a cravo
No fogo que incendeia;
Na Cidade Baixa a farra,
Molecagem e algazarra
Dos Capitães da Areia.
O Nordeste é muito rico
Em termos de criação:
Aqui servimos banquete
De puríssima inspiração.
Só porque nunca fui jeca,
Estou numa biblioteca
Com o mundo em minhas mãos

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