sexta-feira, 15 de agosto de 2014

ESTUDANDO A MORTE...

VARIAÇÕES  CULTURAIS  NAS  REAÇÕES
EMOCIONAIS À  PERDA
INTRODUÇÃO:
“Uma sombra perpassa, toda vagarosa,
pelo campo amargo de acônito e cicuta.
Ela abre longas asas de carvão e oculta
um corpo cor de medo na veste ondulosa.
Todo o seu grande ser, belo como uma lenda,
tem perfumes subterrâneos de argila e avenca.
Nas suas mãos frias e embalsamadas de óleos
há dez unhas que vazam os olhos.
Ela trás asfódelos e heleboros bravos
em torno dos cabelos negros como víboras.
Ela ri sempre: e o seu riso de dentes alvos
brilha como um punhal mordido entre as mandíbulas.
Os homens fortes sorriem quando ela chega:
os poetas, à sombra ilustre da árvore grega;
os heróis sob as asas de ouro da vitória.
- Porque ela talha as estatuas e engendra a glória!”
Este poema de Guilherme de Almeida (1955) nos lembra a morte, e a marcha fúnebre como um dos rituais utilizados nos funerais, principalmente de militares aqui no Brasil.
No presente texto, a  questão em foco será a diversificação cultural na atribuição de significados ao luto, para tanto lançaremos assim como Stroebe e Stroebe (1989) a questão “O luto é Universal ?”
Cada cultura durante toda a história teve seus próprios caminhos de luto. O grupo de parentes enlutados, o tempo considerado “normal” para o enlutamento, os valores e práticas com reação ao luto, além de outros aspectos, tem mudado com o tempo em cada uma das culturas.
No mundo ocidental a dor pela perda ou a expressão emocional é mais comum, (McGlodrick,1991), do que nas sociedades orientais, onde de certa forma as emoções são privadas.
No entanto para se avaliar os recursos para a elaboração da perda, como no nosso caso terapeutas, é necessário conhecer as atitudes e sistemas de crenças de uma dada cultura diante da morte, e também os rituais de simbolização desta perda neste contexto, para compreensão da manifestação psicológica do luto.
Desta forma McGoldrick em 1991, nos faz pensar em cinco questões básicas para que possamos enquadrar  as expressões emocionais de acordo com o referencial de cada cultura.
1. Quais são os rituais habitualmente realizados para lidar com a morte, o cadáver, o destino do cadáver ?
2. Quais são as crenças do grupo acerca do que acontece depois da morte?
3. O que eles acreditam ser uma expressão emocional apropriada e a integração de uma experiência de perda?
4. Quais são as regras de gênero para lidar com a morte?
5. Existem mortes particularmente estigmatizadas ( por ex. o suicídio) ou traumáticas para o grupo  ( por ex. a morte de uma criança na cultura porto riquenha)?
A resposta comum encontrada nas diversas culturas diante da morte, é a expressão do CHORO, presente tanto nas culturas ocidentais como orientais. ( Stroebe e Stroebe, 1989 ).
Tanto as expressões emocionais como  os rituais de luto traduzem os parâmetros que servirão, como já foi dito anteriormente, para o terapeuta estabelecer a adequação da manifestação do luto em questão.
VARIAÇÕES CULTURAIS:
No Brasil, os rituais funerários são determinados quase que impreterivelmente pela religião que segue a família e/ou comunidade a qual o falecido pertencia.
Mais especificamenteem São Pauloe nas grandes cidades do Brasil, assim como nos diz Lessa (1995), o morrer deixou de ser um acontecimento, para encaixar-se nas rotinas de profissionais especializados que atuam na indústria da morte.
“Morre-se solitariamente nos hospitais e pronto-socorros a caminho da emergência e da salvação, sem o carinho dos familiares ou o aconchego do lar”
Assim, é a morte na nossa cultura. Algumas variações ocorreram no enlutamento de acordo com a origem étnica e a miscigenação e a migração dos povos no nosso país. Além de considerarmos que a religião é o principal determinante das diferenças culturais na expressão do luto.
A seguir serão consideradas diferenças culturais diante da morte e as implicações para as intervenções familiares em cada uma delas:
FAMÍLIAS JUDIAS
Segundo Rosen (em McGoldrick, 1989) existem quatro modelos primários de crenças e comportamentos das famílias  judaicas, respondendo as doenças, morte e perdas.
1º A família como fonte central de suporte  e conexão emocional.
2º Sofrimento como valor entre a comunidade e a família.
3º A proeminência da realização intelectual  e do sucesso financeiro.
4º O lugar premiado na expressão verbal dos sentimentos.
Os rituais de luto não são os considerados mais importantes na cultura judaíca, assim como em outras culturas o casamento tem prioridade, e aí também o Bar Mitzvah . Isto não quer dizer que estes ritos não são conservados, muito pelo contrário, apesar da enorme diversidade de localizações mundiais, o que aparentemente dificultaria as transmissões das tradições, o povo judeu perpetua suas crenças e valores e rituais através das gerações familiares.
As observâncias tradicionais judaícas, relativas   à morte e luto tem por objetivo prestigiar a pessoa falecida e confortar os enlutados.
Os judeus vêem a morte com tristeza, mas não com aflição, pois para eles esta não significa o fim, mais sim, o princípio, do mundo vindouro.
O judaísmo só considera uma pessoa morte quando se dá a morte cerebral e cardíaca, portanto a doação de orgãos e a autópsia são proibidas. Assim também o é a cremação.
Após a morte o corpo é cuidado por membros da comunidade, mais especificamente,em São Paulo, pelos profissionais do Chevra Kadisha (cemitério judaico). Preparam o corpo para o enterro: lavando-o, sem embalsamá-lo, pois o sangue  do morto faz parte dele e deve ser enterrado com ele; apenas o corpo será envolto em mortalhas brancas, para ressaltar a igualdade na morte do rico e do pobre.
Enquanto não há sepultamento considera-se que a alma não estáem repouso. Porisso, ele de ser realizado o mais rápido possível.
São observados três períodos de luto:
- Shivá ( sete Primeiros dias )
- Sheloshim ( 30 dias após o falecimento )
- Avelut ( 12 meses )
O 1º período visa  ajudar as pessoas a vencer o choque inicial. Neste  a família permanece junta, e algumas práticas são observadas: espelhos cobertos, velas acessas,rezas, o ovo usado como símbolo de luto e de condolências e a roupa possui em corte na altura do coração que mostra o luto….
No 2º período reiniciam-se as atividades normais. É costume que os enlutados não se sentem nos seus lugares habituais na sinagoga. Continuam usando uma tarja preta na roupa.
O 3º período de luto deve ser observado obrigatoriamente só por morte de pai ou mãe. Visita-se o tumulo quando completa-se um ano da data de morte do falecido, e os  familiares se reúnem na sinagoga para orar.
FAMÍLIAS IRLANDESAS
A morte é considerada como uma transição no ciclo da vida.
Acreditam que a vida neste mundo é tola e trás sofrimento, e que as melhores realizações estarão “depois da vida”. O humor parece ser um mecanismo de sobrevivência nesta cultura, trazendo os hábitos de beber e jogar durante o funeral.
O sofrimento tende a ser solitárioem silêncio. Nãogostam de grupos, além dos familiares, no momento da morte.
Inventaram a noite de “Halloween” onde se diz que a morte passeia pela terra.
Os terapeutas têm maior facilidade para trabalhar com o luto individual, pois falar num grupo ou família sobre a morte pode sugerir que as pessoas que o façam são morbidas ou loucas.
FAMÍLIAS AFRO-AMERICANAS:
Os rituais afro-americanos lembram os irlandeses. Considera-se importante o número de pessoas que comparecem ao velório e ao enterro, mostra-se nesta ocasião  o status da família.
As pessoas que comparecem nesta ocasião levam comida e dinheiro para a família do falecido. A expressão de tristeza deve ser evitada.
Uma das religiões que resultaram da cultura africana no Brasil, juntamente com tradições indígenas e européias á a Umbanda, que acaba sendo uma tradição brasileira, ao contrario do candomblé que é mais “puramente” africano.
Estão presentes com clareza o Bem e o Mal, marcados por ambigüidade. A teoria do karma ocupa um importante espaço nas crenças e valores desta cultura. Acredita-se na reencarnação, numa linha de evolução espiritual onde os espíritos dos mortos voltam a Terra para cumprir seu papel. (Macedo, 1989)
Após este breve apanhado de como são as variações culturais nas reações emocionais a perda, vale voltar a questão inicial: “O luto é Universal?”
ASPECTOS DE PESQUISAS:
Consideraremos, assim como Stroebe e Stroebe(1989), por um lado a dor como uma resposta emocional subjetiva para a perda , e por outro, uma experiência formada por normas sociais, constituídas como provas de valiosas informações  em uma dada cultura.
Algumas teorias são propostas então:
- Teoria do “feedback-proprioceptivo”
- Teoria do enfoque construtivista social.
- Teoria da Cognição
- Conceito de trabalho emocional.
CONCLUSÃO:
Diante de todos estes aspectos considerados até o presente momento fica evidente que a resposta para tal questão não é tão simples, quanto aparenta isto quer dizer que não basta respondermos com um SIM ou um NÃO.
Quanto aos aspectos emocionais podemos dizer que a tristeza é demonstrada diante de uma perda significativa, apesar de ser reservada e isto parece universal. No entanto as manifestações de dor e luto variam de cultura para cultura.
Desta forma as variações culturais influenciam totalmente nos sintomas e nas fases de luto, nos dificultando a clareza quanto à definição de um luto patológico ou normal sem levar em consideração as normas e suportes sociais além das crenças de uma dada cultura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário