UM TEXTO DE RICARDO SETTI
Lula não desencarna do antigo papel e, ao dar a impressão de tutelar Dilma, faz tudo de que a presidente não precisa
Na edição de 2.189, de 3 de novembro passado, VEJA trouxe reportagem de capa a respeito do então presidente Lula, sob o seguinte título: “Ele sairá da Presidência, mas a Presidência sairá dele?”
A pergunta era profética. Batata! O homem não desencarna. Alguns colegas já comentaram a saliência — alguém esperava outra coisa? — do ex-presidente, mas também quero opinar. Ainda mais depois da festa de comemoração dos 31 anos do PT, em Brasília, que entrou pela madrugada de hoje.
Para quem pretendia “ensinar como se comporta um ex-presidente”, sendo discreto, não se metendo na vida da sucessora e só se movimentando quando convocado — indireta diretíssima, encaminhada ao ex-presidente FHC, por pronunciar-se com alguma regularidade, como é seu dever, sobre problemas do país, e não aos outros três ex –, Lula está se saindo melhor do que a encomenda.
Mal conseguiu ficar um mês sem discursar, e, lá do Senegal, na África, onde participou do inevitável Fórum Social Mundial, o ex-presidente, como se ainda tivesse a faixa verde-amarela no peito, baixou o sarrafo nas centrais sindicais por sua reivindicação de um salário mínimo maior do aquele que o governo Dilma pretende dar. Aproveitou para dar uma forcinha para “o povo do Egito”, que quer se livrar do ditador Hosni Mubarak, falando dos “ventos que sacodem o Norte da África” — e, quando questionado se os ventos não atingiriam também o Irã, cuja ditadura reprimiu ferozmente manifestantes quando houve fraudes na eleição de Mahmoud Ahmadinejad, saiu uma vez mais em defesa do “amigo”.
Além do mais, ainda se mostra disposto a “negociar uma reforma política”.
Não se trata de tolher Lula, mas de não apequenar Dilma.
Lula parece que se esqueceu que é o que é por sua militância sindical, e passa pito nos ex-colegas por fazerem o que ele fez a vida inteira. Além disso, essa súbita solidariedade com o “povo do Egito” pretende apagar as loas que teceu a Mubarak, lá no Cairo mesmo, durante visita oficial, anos atrás.
Não bastasse a estridência que passou a manifestar depois do primeiro mês como ex, ao discursar na festa do PT tocou exatamente no assunto de Dilma ser sua sombra, e, ao tentar consertar, piorou as coisas:
– O sucesso da Dilma é o meu sucesso. O fracasso da Dilma é o meu fracasso — disse o ex-presidente.
Como, assim, cara-pálida? E por quê? A presidente, não custa lembrar, é ela, e não mais ele. O êxito ou não de Dilma a terá como principal protagonista — ela, seus ministros, sua equipe e seu partido, mas ela em primeiro lugar.
Ninguém quer tolher Lula em seu direito de falar. Ele é um homem livre, como assegura a Constituição.
O problema é que, ao tomar posição em questões do governo Dilma, com quem jurou que colaboraria “sempre que convocado” — e não foi –, Lula apequena a presidente e, com seu estardalhaço e seu carisma, e declarações como a de ontem, a faz parecer, logo no começo de seu governo, o que ela vinha sendo até antes da posse: sua tutelada, sua satélite.
Num momento difícil como o que a presidente enfrenta, precisando adotar medidas duríssimas para conter a ameaça de alta da inflação, é tudo de que ela não precisa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário