Me impressionou o discurso do escritor Oswaldo Lamartine,na ocasião em que recebeu o Título de Doutor Honoris causa da UFRN.A sua verbe nos mostra o homem culto e inteligente que ele foi...usando uma linguagem totalmente nossa...do sertanejo.è uma PÈROLA.
Discurso de Oswaldo Lamartine
Oswaldo Lamartine de Faria
o doutor de Acauã
“À UFRN na pessoa do seu reitor dr.
Ivonildo Rego, professores, funcionários
e alunos.
Perdi horas de sono e de sossego tentando
entender a razão de tudo isso.
De primeiro, cuidei ter sido pelos descaminhos
dos homens neste mundo de
ranger dentes, desassossegado que nem
as ondas do mar. Depois, quem sabe, o
afago de vosmecês, no adeus desse meu
imerecido viver. Sei lá (?). É que a balança
do julgamento dos amigos costuma
ser manca.
E não é astúcia, pantim, nem cavilação
pois o que botei no papel foram apenas
momentos do dia-a-dia do nosso sertanejo.
Convivi com alguns deles debaixo das
mesmas telhas – tenho repetidamente
confessado.
Mestre Pedro Ouvires e seu fi lho Chico
Lins – magos do couro, zelosos e ranzinzas,
da escolha do couro-verde ao
derradeiro nó-cego da costura. Ramiro e
Bonato Dantas, pescadores d’água-doce
e memorialistas. Zé Lorenço, tora de
homem, analfabeto, cujos instrumentos
de trabalho se resumiam em um nível
de pedreiro e um novelo de cordão. Pois
bem, apenas com eles, levantou 640 metros
de parede do açude Lagoa Nova sem
deixar um caculo nem uma barroca. O
que deixou o engenheiro do DNOCS de
queixo caído.
Olinto Ignácio, rastejador e vaqueiro
maior das ribeiras do Camaragibe. Vi,
um dia, ele se acocorar na beira do caminho
e ler no chão da terra: “– passou
fulano, beltrana e uma menina. É que
a gente dessa terra tanto faz eu espiar a
cara cumo o rastro...E todos já envultados
com a Caetana”.
Daí eu repetir é mais deles do que meu
esse título.
Mesmo assim: encabulado, areado e zonzo
tenho de confessar: – não sou soberbo
nem ingrato.
Agradeço a vosmecês, mais ainda, ao
doutor reitor – sertanejo das terras de
Pôr-do-sol – onde, naqueles ontens
os condutores das boiadas ferravam o
tronco de um pé-de-pau onde se arranchavam.
Coisas de um sertão de nuncamais.
Tempos do imperador velho. Mas
isso é outra conversa.
Boa noite. Façam, agora como manda
aquele menino: batam palmas com vontade,
faz de conta que é turista...”
16 Nov/Dez 2005
Discurso de Oswaldo Lamartine
Oswaldo Lamartine de Faria
o doutor de Acauã
“À UFRN na pessoa do seu reitor dr.
Ivonildo Rego, professores, funcionários
e alunos.
Perdi horas de sono e de sossego tentando
entender a razão de tudo isso.
De primeiro, cuidei ter sido pelos descaminhos
dos homens neste mundo de
ranger dentes, desassossegado que nem
as ondas do mar. Depois, quem sabe, o
afago de vosmecês, no adeus desse meu
imerecido viver. Sei lá (?). É que a balança
do julgamento dos amigos costuma
ser manca.
E não é astúcia, pantim, nem cavilação
pois o que botei no papel foram apenas
momentos do dia-a-dia do nosso sertanejo.
Convivi com alguns deles debaixo das
mesmas telhas – tenho repetidamente
confessado.
Mestre Pedro Ouvires e seu fi lho Chico
Lins – magos do couro, zelosos e ranzinzas,
da escolha do couro-verde ao
derradeiro nó-cego da costura. Ramiro e
Bonato Dantas, pescadores d’água-doce
e memorialistas. Zé Lorenço, tora de
homem, analfabeto, cujos instrumentos
de trabalho se resumiam em um nível
de pedreiro e um novelo de cordão. Pois
bem, apenas com eles, levantou 640 metros
de parede do açude Lagoa Nova sem
deixar um caculo nem uma barroca. O
que deixou o engenheiro do DNOCS de
queixo caído.
Olinto Ignácio, rastejador e vaqueiro
maior das ribeiras do Camaragibe. Vi,
um dia, ele se acocorar na beira do caminho
e ler no chão da terra: “– passou
fulano, beltrana e uma menina. É que
a gente dessa terra tanto faz eu espiar a
cara cumo o rastro...E todos já envultados
com a Caetana”.
Daí eu repetir é mais deles do que meu
esse título.
Mesmo assim: encabulado, areado e zonzo
tenho de confessar: – não sou soberbo
nem ingrato.
Agradeço a vosmecês, mais ainda, ao
doutor reitor – sertanejo das terras de
Pôr-do-sol – onde, naqueles ontens
os condutores das boiadas ferravam o
tronco de um pé-de-pau onde se arranchavam.
Coisas de um sertão de nuncamais.
Tempos do imperador velho. Mas
isso é outra conversa.
Boa noite. Façam, agora como manda
aquele menino: batam palmas com vontade,
faz de conta que é turista...”
16 Nov/Dez 2005
O sertão do nunca-mais:Oswaldo Lamartine...
"Não tive que reencontrar o sertão porque nunca me apartei dele. Morei 38 anos no Rio, mas todas as minhas férias eu vinha pro sertão. Tudo que eu lia - é exagero dizer tudo, né? - mas a maior parte do que eu lia era literatura sertaneja, do nordeste, viu? Eu chegava ao ponto de copiar determinadas expressões que eu tinha esquecido. É aquela saudade das palavras que chega, não sabe?, feito namorado que lê carta da namorada não sei quantas vezes. O sertão que eu conheci e que amei, esse não existe mais. Foi a terraplanagem cultural da eletricidade, da eletrônica, das estradas, dos meios de comunicação. Moro num pé de serra, sozinho, estou ali há quatro anos, ainda não ouvi um aboio. Não tem um vaqueiro encourado, no Seridó ainda tem, andei por lá e vi. O povo anda de bicicleta por todo canto. Você tem uma boa burra de sela, pra andar aonde? Só se for dentro da sua propriedade. Mas um animal de sela você só sabe se é bom depois que enfada, viagem de seis léguas pra cima. Você hoje anda dois, três quilômetros, é a divisa da propriedade, uma BR daquela, onde passam uns malucos a 100, 120 km. A tradição sertaneja acabou-se. A única tradição que ainda vejo, não falo nas festivas, que eu não entendo desse negócio, sou bicho do mato: é a vaquejada''.
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