segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

UM TOQUE DE CLARINETA...

FRANKLIN JORGE
“Tenho um bocado de defeitos”, apresenta-se José Fernandes fazendo bom uso da tradição esópica. “Sou velho, ignorante e pobre...” Homem inteligentíssimo, nascido em Nova Cruz em 1928, dedica-se à agricultura, à música e outros negócios, como a política que o abençoou com três mandatos de vereador. Clarinetista, pertenceu por muitos anos ao corpo da Banda Municipal.

Quando menino, recorda-se, era muito diferente. Nova Cruz era uma vila e o único recurso dos pobres daqui era a agricultura. Agora, até isto nos falta. No meu tempo de moço, só tínhamos o curso primário e as escolas de São Vicente, mantida pela Igreja, de Santa Inês, o Grupo Escolar Alberto Maranhão, além de algumas escolares particulares, como a de Dona Maroquinhas. Hoje Nova Cruz é uma cidade universitária e o povo não quer estudar...

Havia muita rivalidade entre os grupos políticos no tempo em que dominavam os partidos UDN (União Democrática nacional) e PSD (Partido Social Democrático). Quando fui eleito para três legislaturas, os vereadores não eram remunerados, não ganhavam salários nem tinham direito a aposentadoria, como agora, quando a política se tornou um negócio lucrativo. Tudo, nos últimos anos, decaiu de qualidade.

Filho de Rita e de Genuíno Fernandes de Oliveira, pondera, em boa prosa, que para o político faz-se necessário que tenha quatro talentos ou qualidades imprescindíveis: saber mentir, não ter vergonha, saber roubar e dispor de fortuna pessoal. Se não for rico, não tem futuro nem mandato. O povo só vota em quem tem alguma coisa. E, didático, justifica o seu latim. Mentiroso, para enganar o povo com falsas promessas; sem vergonha, para relevar as piores ofensas desde que isto lhe traga alguma vantagem; ladrão, porque tendo oportunidade o político tira tudo do povo; e rico, para comprar o mandato e a consciência daqueles que se atrevem a falar mal dele, do político profissional, que transforma o mandato em negócio lucrativo. Sem essas qualidades, nunca se atreva a entrar na política, aconselha, sentado na cadeira de balanço, no centro da sala de estar limpa e bem cuidada.

As campanhas eram mesquinhas. Os adversários eram ridicularizados e vitimas de achincalhe sob a forma de paródias facetas. O PSD era o partido mais forte, comandado pelos Arruda Câmara, Antonio – depois sucedido por seu filho, Lauro Arruda Câmara, que na época da ditadura Vargas foi prefeito provisório, em 1935, e, com a democratização, prefeito constitucional. Nestor Marinho comandava a UDN; também foi prefeito... Naquela época, antes da ditadura getulista, as disputas se estendiam a todos os setores da vida civil. Assim, até as amantes dos coronéis rivalizavam entre si. Cada uma que tivesse mais poderes e prestigio.

Memória viva do seu tempo, guarda a memória de um passado que paulatinamente se esgarça e dissolve no esquecimento geral. Ninguém mais preza a história e não se empenha em conhecer os fatos. Assim, poucos sabem que as torres da igreja-matriz foram construídas em 1922 com material doado pelos católicos que eram muitos e generosos. Sobrou tanta coisa que o cônego Luis Adolfo construiu a Casa Paroquial que todos aqui chamam de “o Palácio” e que, apesar de Paroquial, tornou-se uma propriedade particular sua, do cônego, e não das igreja. Nesse casarão que ainda resiste em bom estado, ele instalou a irmã, que era agente dos correios e lá, no térreo, instalou a agencia postal. Em 1942, por motivos que ignoro, o cônego Luis Adolfo vendeu o Palácio ao coronel Luís José Moreira, dono da Fazenda da Lapa, que o doou a sua amásia, Mercês Costa, trazida por ele de Duas Estradas, na região do brejo paraibano, a poucas léguas daqui. Mercês, a concubina do coronel, não chegou aqui de mãos abanando. Tinha posses e recursos, e aqui instalou uma loja de tecidos. Quando ela se juntou com o coronel da Lapa, já era viúva de Firmino Costa, que morreu de câncer em 1924. Nessa época ocorreu um fato curioso da história de Nova Cruz. Três dias depois de enterrado Firmino Costa, ocorreu a grande enchente de 1924 que arrasou muitas cidades ribeirinhas e o cemitério da Rua do Sapo, onde estava enterrado Firmino, cujo caixão foi esbarrar nas barrancas do rio Curimataú. Quando soube da ocorrência, Mercês mandou recolher imediatamente os restos de seu ex-marido, de quem se achava separada a muitos anos. Contava-se que o cadáver, já em avançado estado de putrefação, foi levado pelas ruas de Nova Cruz, acompanhado por um enxame de moscas, deixando por onde passava uma onda de um fedor tremendo que repugnava a todos. Por isso, por expor a saúde pública ao risco de contaminações, acabou Mercês sendo processada pelo estado. Esse processo deve estar esquecido, desde então, em algum arquivo de cartório.

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