Se você não conhece Fernando Vianna não sabe o que está perdendo. Mas, se o destino ainda não fez com que o seu caminho se cruzasse com o dele, agora chegou o momento de melhor conhecer essa figura incomum que aqui se mostra com todos os seus sentimentos mais recônditos, no seu livro que tem por título: O Velho.
É muito difícil para um escritor, particularmente um poeta como ele, mascarar suas próprias emoções num livro no qual aborda a vida de tantos personagens.
Lendo o seu livro encontramos um Fernando Vianna de corpo e alma. Em cada parágrafo, na construção de cada frase, na descrição dos sentimentos vividos pelos diversos personagens, revela-se o seu sentimento de solidariedade para com o próximo e sua constante preocupação com o social.
Os longos anos de clínica médica, de vivência diária nos ambulatórios da Previdência, o despertaram para a problemática da velhice. Uma preocupação que ele carrega no seu dia-a-dia, transformando cada velho numa criatura objeto de todo apoio e atenções especiais.
Seria a velhice um barco a deriva, sujeito às ondas da incompreensão e do esquecimento?
A sua vivência de médico o levou a conviver com loucos e miseráveis dos vários matizes, hoje transformados em personagens das páginas do seu livro. Além do narrador inominado, a seqüência descrita nos leva a conviver com esses excluídos da sociedade, como Laura, “uma mulher gorda, de estatura pequena, com varizes azuladas e salientes nas pernas grossas e peludas”.
A visão dantesca de um manicômio, verdadeira casa de mortos-vivos, leva ao leitor a conviver de perto com os mais escuros subterrâneos da degradação humana.
Indago-me se há vida útil em pessoas aparentemente tão inúteis?
Pergunta o personagem narrador, para concluir depois mais adiante:
O mundo tem tudo para ser belo e feio. A luz, aos olhos do triste, vira escuridão. Até a morte, como expressão de profundo silêncio, é suave e bela.
O mundo de um solitário é descrito com o sentimento, não mais do escritor, mas do poeta que vez por outra aflora nessas páginas:
O triste é um homem apenas triste. A tristeza é como uma chuva de verão [...] Ela não vem para durar. Ela vem como que para checar os sentimentos enferrujados pelo desuso.
A angústia existencial do solitário o conduz por inesperados e acidentados caminhos.
Carrego essa angústia de me enganar sempre que posso; de possuir o que não possuo e de tentar mudar o que não se muda. Sou uma mistura do que não fiz, do que ficou de mim e do que deixei de ser.
Por esses caminhos vamos ao encontro de Maria Clara, uma mulher suburbana, tão pobre como o nosso narrador, que, com ele, se envolve emocionalmente.
Maria Clara aparece em sua vida fazendo despertar, naquele recém-saído do mundo dos loucos, sentimentos de há muito esquecidos, como o amor e o sonho.
Amo essa necessidade de me auto-existir, de consumir os meus flagelos, de derramar e beber os meus sonhos, de aplainar às minhas feridas e de afogar todos os sentimentos de pernas curtas e mão pequenas.
Maria Clara foi a ponte, elo de ligação entre o narrador e a figura de Oscar, um velhinho alquebrado pelos anos, marcados pelas decepções da vida e amante dos livros.
Personagem central desta trama, Oscar é o velho por excelência, aqui descrito com todos os seus achaques, angústias, medos e incompreensões. Os dramas sociais dos esquecidos, a marginalidade dos órfãos e enjeitados pelos próprios pais, é retratada na história de vida deste personagem. Pouco importa sua autoconfiança e o seu esforço de autodidata, que o transformaram em conceituado livreiro, diante de sua velhice solitária e incompreendida. A angústia existencial que dele se apossa, motivada por toda uma existência de sofrimentos, é descrita com cores vivas pelo autor. Oscar é o exemplo de velho com o qual convivemos no dia-a-dia. Para ele o amanhã não faz sentido, o presente lhe desespera e o passado… Ah o passado? Esse lhe foi tão o cruel que se transformou num pesadelo eterno.
Os personagens do livro de Fernando Vianna levam o leitor à reflexão, no que diz respeito às condições de vida desses excluídos da sociedade. O livro, em seu conjunto, se transforma num grito de alerta para todos nós que caminhamos, com os favores da misericórdia divina, para viver a nossa velhice num mundo desprovido de amor e respeito para com os mais velhos.
Obrigado Fernando, por mais esta lição de vida.
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