POR CARLITO OLIMA
Agamenon sempre foi o cara politicamente correto, não faltava à repartição, os Correios, um tio deputado arranjou-lhe o emprego na década de 70, não fumava, bebia socialmente. Batia no peito com orgulho ao confessar: “Nunca traí Mariza nesses 36 anos de casamento”. O colega Barreto fazia discurso: “Se Agamenon não existisse deveria ser inventado é o único homem no mundo que não trai a mulher, um fenômeno, só acredito porque vi a pilantra da Soninha querendo dar para ele e ser recusada, foi repelida na hora, e Soninha não é mulher de se enjeitar”.
A fama de homem íntegro orgulhava a família, Mariza repetia em qualquer ocasião: “Por Agamenon ponho a mão no fogo, é o homem mais honesto do mundo, nunca soube de algum caso com namorada ou rapariga, feito o restante dos homens que conheço.”
Quando os filhos se casaram, eles ficaram morando sozinhos numa casa, bairro alto do Farol. Certo dia Mariza teve a idéia, porque não comprar um apartamento na orla? Agamenon gostou da ideia. Logo acharam um três quartos, perto da praia, de cinema, de restaurante, local animado, prazeroso.
Quando o edifício ficou pronto, iniciou-se a mudança. Não tinham pressa, a casa entrou no negócio. Levaram primeiramente os móveis mais pesados em um caminhão. Dormiram no apartamento. Mesmo aos 65 anos Agamenon é bom de cama, estreou a nova morada com uma noite de amor com Dona Mariza, hoje sessentona sem muitos atrativos, o tempo é cruel para mulheres que não se cuidam. Mesmo assim Agamenon enfrentou bem sua gordinha.
Durante a semana foram levando de carro roupas e pequenos objetos, o casal de aposentados estava curtindo a mudança. Certa hora Agamenon sozinho na casa deu uma vasculhada geral, no quintal procurando algum objeto esquecido viu uma tulha de papel mal queimado em uma lata de lixo. Curioso, mexeu, virou, notou que eram cartas, alguns trechos legíveis. Ele teve uma dor no coração ao ler uma declaração de amor à sua mulher, à sua Mariza, datadas de 1977/78, já estavam casados. Agamenon sentou-se em um pequeno banco, continuou lendo os pedaços, decifrando o que estava escrito. Ficou louco assim que percebeu o missivista apaixonado, era Afrânio, um dos melhores amigos na época, oficial da Marinha, logo depois transferido. Ainda estava tentando ler as cartas quando Mariza apareceu no quintal. Ela ao longe percebeu o desastre, as cartas não haviam sido totalmente queimadas, não dava para enganar. Ao vê-la Agamenon mostrou os destroços em papel, olhando nos olhos, tentando se conter, falou alto, cheio de raiva: “Me explique isso!”. Mariza baixou o olhar, chegou-se mais perto, confessou tudo, sem mentira, teve sim um caso com Afrânio, entretanto, foi coisa passageira, não significou nada para ela, o amor de sua vida era ele, somente ele, não destruísse os belos 36 anos juntos, os filhos.
Agamenon com calma e muita mágoa desabafou a única vez: “Sua puta, se não tivesse significado nada, você não teria guardado as cartas, nunca passou em minha cabeça que eu era corno. Você não merece um tiro, merece apenas meu desprezo, não diga a verdade para nossos filhos, não quero que eles saibam que são filhos de uma puta”. Deixou-a chorando, retirou-se para nunca mais voltar.
Hoje Agamenon é um boêmio, diz ele que está em busca do tempo perdido que nem Proust. Vive nos bares da cidade namorando as coroas mais descoladas, descobriu o Viagra, é um homem dedicado apenas à cama. Adora dormir, ler e transar. Na temporada de turismo faz dos hotéis ponto de paquera, as turistas em busca de uma aventura, tem em Agamenon um ponto de apoio. Escondeu de todos o verdadeiro motivo do fim de seu casamento de 36 anos. Alguns amigos perguntam: “Agamenon, não entendo, como você, o mais bem comportado dos homens, largou a mulher de sessenta anos, para viver na boemia”. Ele responde curto: “Foram cartas mal queimadas”.
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