Sidney Nicéas
Em meio a um tumulto inesperado, na beira da praia, descobriu-se o motivo de tanta agitação: um corpo jogado sobre a areia, possivelmente atacado por um tubarão.
Apesar de já ser quase que corriqueiro esse quadro mortífero na beira-mar do nosso litoral, o espanto e o medo sempre atingem a qualquer um. Eu, por exemplo, fiquei estático quando vi o estado do corpo daquele homem estirado no chão, como se fosse um mero pedaço de carne sobre ossos esbranquiçados. E, na verdade, não passava disso mesmo.
Em volta do cadáver cada vez mais uma multidão se formava, sedenta, devorando com os olhos o que o tubarão já havia feito com os dentes. Nos poucos instantes que parei para olhar, ainda pude ver membros da família do defunto chegar para reconhecer o corpo, entrando num estado emocional chocante. Pude perceber o quanto somos frágeis para a maior certeza da vida: a morte.
A cena ficou na minha mente. Tentei seguir friamente sem me deixar abalar e, enquanto caminhava, afastando-me do local, lembrei de outra cena cadavérica, ocorrida em minha infância. No interior, aos nove anos de idade, vi em meio há muitas pessoas um homem em seu caixão, que estava aberto na beira da calçada aguardando o momento certo de ser levado ao cemitério. O homem barbudo tinha sido atropelado e estava com o braço despedaçado, com uma grande tira de carne pendurada. Parecia ser somente um objeto feito de carne e osso, sem utilidade nenhuma. E era, ganhando essa condição pós-morte.
Voltando a mim, já próximo ao calçadão, estranhamente, ao sair da orla marítima e chegando à beira da avenida, a fim de pegar o carro que estava do outro lado, acabei presenciando um trágico acidente. Uma senhora idosa, que devia ter seus setenta e poucos anos, atravessou a avenida distraidamente, sendo fortemente atingida por um veículo de pequeno porte, que jogou-a há cinco metros de distância da colisão. Desesperado, o motorista, que diga-se de passagem não teve culpa, fugiu sem prestar socorro ou sequer para ver se a vítima estava viva ou morta. E realmente o acidente foi fatal. Testemunha ocular do crime, que aconteceu próximo de onde eu estava, tive que prestar depoimento no local sobre o ocorrido, mesmo que chocado com a trágica visão.
Num momento infeliz, por ter assistido a tanta tragédia, percebi uma curiosidade que já virou coisa batida: o ser humano gosta de ver a morte, apesar de temê-la. A multidão que se formou na avenida superou a já formada na beira da praia. A tevê chegou e fez a matéria que, claro, aumentou a audiência naquele fatídico dia.
Quem nunca viu o trânsito parar por conta de um acidente fatal? Ou viu o interesse das pessoas em folhear a página policial do jornal diário, “dissecando” as fotos explícitas de pessoas mortas brutalmente? A reação das pessoas varia sempre entre nojo, compaixão, espanto e às vezes, até mesmo, de satisfação, por ver algo misterioso e real.
Momentos como esses acontecem milhares de vezes por dia em todo mundo, seja por que motivo for. E sempre, sem exceções, despertam o interesse macabro das pessoas em ver, rever, comentar e se deliciar com a tragédia alheia. E quando quem presencia é pessoa próxima à vítima, a reação muda e se transforma em histeria.
O ser humano adora a morte… Dos outros! A morte anônima é sucesso no nosso mundo.
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