Do lugar em que estou já fui embora!
A vida é mesmo uma passagem que decorre a passos largos. Em certo sentido, é como disse o filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso: “Não se pode banhar-se duas vezes no mesmo rio”. E o “rio” continua a correr, embora muitos deles já tenham sido barrados. Enquanto isso, às voltas com a vida, por esses dias dei-me com a lembrança viva de Fernando Pessoa, junto ao Mosteiro dos Jerônimos, localizado em Lisboa, Portugal.
Pessoa foi um destes homens que viu longe e viveu de modo intenso seus menos de 50 anos (1888 – 1935). Entre o que escreveu, acha-se uma frase emblemática, evidenciando que em nada há que pôr ponto final. Gravado em sua tumba está: “Não: Não quero nada. Já disse que não quero nada. Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer” (1923). Se nada se pode concluir é sinal de que a vida é uma permanente busca. E o é de fato, busca de tantas coisas!
Com igual destaque, encontra-se inscrito no túmulo daquele que foi um dos poetas mais importantes do século XX: “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive” (1923). Mas, o que será que importa nesta vida: Ser grande ou ser humilde? Ter destaque ou permanecer anônimo? Servir ou ser servido? O que vale, disse o poeta, é ser inteiro em toda parte. E como é difícil sê-lo!
Espelhar-se na imagem da lua que alta está. Embora em poça d´água suja deixa-se ver clara e totalmente. Eis o desafio a quem quer ser inteiro. Fugir de toda e qualquer forma de ilusão e escravidão. Sair da “caverna” para ver a luz. O poeta a isso nos evoca com seu terceiro epitáfio grafado na sepultura em que se encontra. “Não basta abrir a janela para ver os campos e o rio. Não é bastante não ser cego para ver as árvores e flores” (1919). Só fotografar não é suficiente. É preciso avistar para descortinar. Importa diagnosticar, contemplar e entender para transformar ou apenas para viver.
Fernando Pessoa, que encarnou diversos heterônimos, como Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro Campos, recebeu homenagens diversas. Numa praça pública de Coimbra ergue-se um monumento onde se lê a famosa frase: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. E ela só não é pequena quando está cheia de amor, solidariedade e esperança. Em tese, como nos leva a pensar o ilustre poeta português, nada é pequeno ou grande. Tudo tem a dimensão que lhe damos, inclusive e, sobretudo, a vida.
Para não se apequenar o sentido da vida é essencial sair-se de si sem esquecer o que disse o grande filósofo ateniense Sócrates (470-399 a.C.): “Conhece-te a ti mesmo”! O desejo de não se fechar no tempo e no espaço, mas buscar realidades maiores foi também expresso de modo fascinante por ele: “Não sou nem ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo”. Desse modo se pode compreender uma das maiores realidades da nossa existência, que consiste na tensão constante entre o transitório e a permanência; entre o aqui e o “além”.
Os filósofos, os poetas e também os santos nos ajudam a pensar no que fazer no tempo e no espaço que temos para viver. Estar presente fisicamente em dois lugares ao mesmo tempo não nos é possível. Diz-se, entretanto, que o conterrâneo e homônimo de Pessoa conseguia. Seu nome era Fernando Martins Bulhões, nascido em 1195, em Lisboa, que se tornou Santo Antônio. Estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo e em todos os tempos só mesmo Deus.
A nós só resta nos esforçarmos para ser todo em cada coisa, como afirmou o poeta. Estar presente física, mental e espiritualmente no mesmo lugar e ao mesmo tempo nem sempre é fácil porque sofremos da tendência de estar longe de onde estamos enquanto estamos aqui ou ali. Estar integralmente no mesmo lugar e tempo é condição para viver intensamente a vida que passa. E, na medida em que vamos embora do lugar em que estamos, é preciso fazer todo o possível para não ter a sensação de que o tempo foi em vão no espaço em que se viveu!
Dirceu Benincá,
Doutorando pela PUC/SP.
Doutorando pela PUC/SP.
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