quinta-feira, 23 de junho de 2011

TRECHO DO DISCURSO SOBRE A DESIGUALDADE HUMANA...ROUSSEAU.

Se eu tivesse de escolher o lugar do meu nascimento, teria escolhido uma sociedade de grandeza
limitada pela extensão das faculdades humanas, isto é, pela possibilidade de ser bem governada, e onde,
bastando-se cada qual ao seu mister, ninguém fosse constrangido a atribuir a outros as funções de que
estivesse encarregado; um Estado em que, todos os particulares se conhecendo entre si, nem as manobras
obscuras do vício, nem a modéstia da virtude pudessem subtrair-se aos olhares e ao julgamento do
público, e em que esse doce hábito de se ver e de se conhecer fizesse do amor da pátria o amor dos
cidadãos, em vez do da terra.
Eu quisera nascer num país em que o soberano e o povo só pudessem ter um único e mesmo interesse,
a fim de que todos os movimentos da máquina tendessem sempre unicamente à felicidade comum; como
isso só poderia ser feito se o povo e o soberano fossem a mesma pessoa, resulta que eu quisera nascer sob
um governo democrático, sabiamente moderado.
Eu quisera viver e morrer livre, isto é, de tal modo submetido às leis que nem eu nem ninguém
pudesse sacudir o honroso jugo, esse jugo salutar e doce, que as cabeças mais altivas carregam tanto mais
docilmente quanto são feitas para não carregar nenhum outro.
Eu quisera, pois, que ninguém, no Estado, pudesse dizer-se acima da lei, e que ninguém, fora dele,
pudesse impor alguma que o Estado fosse obrigado a reconhecer; de fato, qualquer que possa ser a
constituição de um governo, se neste se encontra um só homem que não esteja submetido à lei, todos os
outros ficam necessariamente à discrição deste último: e, havendo um chefe nacional e outro estrangeiro,
qualquer que seja a partilha da autoridade que possam fazer, é impossível que ambos sejam bem
obedecidos e o Estado bem governado.
Eu não quisera habitar uma república de nova instituição, por muito boas que fossem as leis que
pudesse ter, de medo de que, constituído o governo de outra maneira, talvez, que não a exigida pelo
momento, não convindo aos novos cidadãos, ou os cidadãos ao novo governo, ficasse o Estado sujeito a
ser abalado e destruído quase desde o seu nascimento; porque a liberdade é como esses alimentos sólidos
e suculentos, ou esses vinhos generosos, próprios para nutrir e fortificar os temperamentos robustos a
eles habituados, mas que inutilizam, arruinam, embriagam os fracos e delicados, que a ele não estão
afeitos. Os povos, uma vez acostumados a senhores, não podem mais passar sem eles. Se tentam sacudir
o jugo, afastam-se tanto mais da liberdade quanto, tomando por ela uma licença desenfreada que lhe é
oposta, suas revoluções os entregam quase sempre a sedutores que só fazem agravar as suas cadeias. O
próprio povo romano, modelo de todos os povos livres, não foi capaz de se governar ao sair da opressão
dos Tarquínios. Aviltado pela escravidão e os trabalhos ignominiosos que lhe foram impostos, não
passava, primeiro, de uma estúpida populaça que foi preciso conduzir e governar com a maior sabedoria,
a fim de que, acostumando-se pouco a pouco a respirar o ar salutar da liberdade, as almas enervadas, ou
antes, embrutecidas pela tirania, adquirissem gradativamente a severidade de costumes e a altivez de
coragem que as tornaram, finalmente, o mais respeitável dos povos. Eu teria, pois, procurado, como
pátria, uma feliz e tranqüila república cuja antigüidade se perdesse de certo modo na noite dos tempos,
que não tivesse experimentado senão golpes próprios para manifestar e consolidar nos seus habitantes a
coragem e o amor da pátria, e onde os cidadãos, acostumados de longa data a uma sábia independência,
fossem não somente livres, mas dignos de o ser.

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